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CAPÍTULO I – A história por detrás do conflito

1.3 Palco para um fenómeno com atuações plurais: a modernidade

A comunidade científica tem olhado para a Globalização, alcunhando-a, teorizando-a e tentando caraterizar o palco para o seu desenrolar, encenando

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atos de vozes dissonantes. Este palco, cujos atores principais são as sociedades, vai-se alterando. São estas alterações que dão voz aos autores que pretendem a sua encarceração em alcunhas como, por exemplo, a modernidade ou quem a substitui: pós-modernidade, pós-modernismo, sociedade pós-industrial (Giddens, 1991), modernidade reflexiva (Giddens, Beck e Lash, 1997), modernidade tardia (Giddens, 2002), hipermodernidade (Lipovetsky, 2004), modernidade líquida (Bauman, 2001).

Habermas (1984) ao falar deste palco apelida-o de modernidade e carateriza-o como sendo um palco de racionalidade e sistematicidade do conhecimento, da capacidade de o indivíduo dominar e controlar a natureza. Acredita no progresso e na evolução do conhecimento tecnológico. Por sua vez, em Max Weber encontramos a defesa do advento da modernidade como um processo crescente de racionalização intelectualista, ligado ao desenvolvimento científico, enfatizando o sujeito, na perspetiva de uma subjetividade universalmente válida, uma razão prática (transcendental) e válida para todos os campos do conhecimento.

A relevância do confinamento temporal e espacial nesta ordem afirmada com o Iluminismo levou Marshall Bermann a defender que a Modernidade é uma experiência do eu e dos outros, das possibilidades e perigos da vida, e, também,

do espaço e do tempo (Harvey, 2008: 21).

B.S. Santos (1999: 34), utiliza o Contrato Social de Hobbes para criar a “metáfora

fundadora da modernidade ocidental”. Esta metáfora, defende o autor, apresenta

regras de inclusão e exclusão, de direitos e deveres, alicerçados em três pressuposições meta-contratuais “racionalmente” elaborados: “um regime geral de valores, um sistema comum de medidas, e um espaço e tempo privilegiados”. A ideia de espaço e tempo, ainda para este autor, é neutra e linear, e baseia-se na ideia que a modernidade mede o progresso, o salário, o dinheiro, as mercadorias e o trabalho, tornando os riscos e danos mensuráveis. Elencada no útil, épico (grandioso, heroico) parece, no entanto, não ter conseguido a busca constante pelo novo, contudo, aparenta não ter solucionado os problemas da humanidade.

Habermas (1984), associa o nascimento de uma consciência temporal à origem da modernidade. Assinala que esta consciência é caraterizada pela discussão entre o moderno e o antigo e concebe uma ideia histórica processual da vida, que perspetiva um futuro imprevisível. Fala da modernidade como um projeto

inacabado, onde os indivíduos precisam de aprender com os avanços e recuos

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Habermas refere a conceção de Weber da modernidade - o mundo racionalizado da economia capitalista, das esferas de valor, do Estado burocrático moderno, da arte, da moral e da ciência. Já Anthony Giddens nota que a modernidade “[...] refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII, e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. (Giddens, 1991: 11).

A modernidade é dona de uma grande ambivalência em constante revisão, conforme nota Rocha-Cunha, porém continuando a aparecer como um óbice

(…) no plano da teoria política das relações internacionais, bem como no plano prático da organização social, como se a racionalização política típica da secularização do Ocidente constituísse, a um tempo, uma alavanca essencial para o atual processo de globalização tecno-económica e uma dificuldade magna para os desejos impalpáveis e intangíveis dos povos (Rocha-Cunha, 2015: 14).

É assim que face aos contrastes existentes dos princípios da modernidade, se discute se este paradigma se mantém ou, se pelo contrário, se vive num novo ou reinventado paradigma. Não existindo barreiras para os pensamentos, estas classificações são delimitadas por fronteiras ténues, misturando-se e criando zonas difusas. Porém, podemos afirmar que no pós-modernismo existe uma nova ideia de liberdade, efémera, inconstante: é a modernidade líquida de Bauman21

que contrasta com a anterior “ordem, certeza e harmonia” (Bauman, 2007: 22). Foi a modernidade quem veio trazer visibilidade e credibilidade ao homem, colocando de lado o transcendentalismo. As transformações vividas no século XVII ofertaram ao homem, anteriormente frágil de recursos e conhecimentos, um papel secundário. Porém, a travessia do homem nesse palco rompeu com as certezas dos papéis. As certezas deram lugar às incertezas e a liberdade ganhou configurações económicas, culturais e políticas.

Este palco transforma-se: de terra firme passa a areias movediças. Se a modernidade indicava um rumo sem erro ao progresso, a pós-modernidade traz a incerteza e o vazio onde a partida é certa, mas o caminho carregado de aventuras

21 Bauman faz uma distinção entre períodos da modernidade e da pós-modernidade (1998; 1999); ou como tem preferido chamar em seus últimos trabalhos: modernidade sólida e modernidade líquida (2001; 2004; 2006).

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desvirtuam os itinerários, apesar de densos no centro e esfumados nas laterais, que permitem zonas mestiças7, coexistindo aqui e ali, não se verificando um

rompimento claro e estanque entre eles. A modernidade transformou-se em algo diferente, com novas denominações, como pós-modernidade, para exprimir o momento. B. S. Santos (2008: 16) porém discute este termo e entende que a designação pós-moderno é inadequada, pois define negativamente o paradigma e pressupõe uma sequência temporal.

Este debate refere-se à relação do fenómeno com as dinâmicas sociais e seus efeitos. As linhas de argumentação mais frequentes são as que versam pela dialética entre totalidades versus fragmentação.

A crise do socialismo nos anos 50, no contexto da guerra fria, levou ao desenvolvimento da ideologia capitalista neoliberal intensificando-se o processo de globalização de caráter hegemónico. Porém, desvirtuados os ideais da globalização esta transformou-se no que Chesnais (1996) chama de

mundialização do capital.

Carateriza-se pela sustentação do movimento de configuração dos mercados mundiais, governados por oligopólios, revelando claramente que as suas intenções, puramente económicas, não poderiam levar a outro resultado que não o do incremento das diferenças sociais, económicas e culturais dos Povos.

A cultura, pela sua inerência a cada indivíduo, é elemento e elo central das relações económicas e políticas, entre os atores governamentais e empresariais. Com o acirramento das diferenças socioculturais a globalização torna-se um processo de crescente centralização e de eclosão de particularismos Robertson (1992).

Indo mais longe que Ianni e Chesnais, Robertson defende que a análise das dinâmicas sociais varia em função dos ângulos pelos quais são vistas. Se adotarmos a visão capitalista percebemos as dinâmicas sociais repousadas em aspetos políticos e económicos, mas também as podemos ver como processos culturais que utilizam como fio condutor a ideia de totalidade social.

Victor Marques dos Santos (2002) refere-se a um fenómeno “multifacetado que (…) anuncia o fim do sistema nacional enquanto núcleo central de atividades e estratégias humanas organizadas” (p. 26).

Para este autor, vivemos num sistema mundial de transição que exige uma teoria

crítica que englobe todos os processos de globalização, em vez de a analisarmos

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O processo globalizador, de acordo com esta visão, teria como consequências a polarização social, a segregação espacial, a imposição de símbolos e de significados e a erosão das culturas, que mais à frente retomaremos.

A vida moderna corresponde à rutura de um modo de vida assente em tradições e costumes. A partir do século XIX, até aos nossos dias, assiste-se a um aumento de ameaças, inseguranças e conflitos. O caráter ambivalente da modernidade impõe ao homem um ritmo vertiginoso, que a instantaneidade das comunicações permite e fomenta, mas sem que se verifique o desenvolvimento previsto pelos ideais da globalização.

Não é nossa intenção analisar os palcos em que discorre a globalização: se na modernidade ou no palco do pós-modernismo, pós-modernismo celebratório (B.S. Santos, 2008), trans-modernidade (Dussel, 2005), modernidade tardia (Giddens, 1994), ou qualquer outro designado por outros epítetos. Porém, não resta dúvida que o palco atual é fluído instável, incerto e nebuloso. Os cenários sucedem-se a uma velocidade tal que o agora é passado e o futuro não se vislumbra.

A atmosfera social é marcada pela incerteza e pela nebulosidade, e precisa ser organizada para que o hoje não seja passado e se encontre expirado logo ao acontecer.

Neste palco as relações humanas e as identidades são incrustadas de incertezas e pela vontade do que é do outro, numa ambição desmedida e cega, entre os quais se situam os homens escolhidos para governar.

Neste sentido, Rocha-Cunha (2017: 60) escora-se no pensamento de Hume que sustenta que apesar das diferenças entre indivíduos e nações é imprescindível que se assistam mutuamente para que o egoísmo e a paixão de cada um possa ser dirimida.

As ligações estabelecem-se num jogo de conquista de “seguidores/admiradores”, sem que, no entanto, crie amarras, onde os caminhos não estão traçados para a humanidade. De tal modo é frenética a mudança dos cenários que o palco se confunde e, portanto, torna-se difícil determinar qual o palco atual.

O momento atual requer uma atitude reflexiva, sobre quem fomos e o que seremos, para se definir que palco se quer, não para fenómenos, mas sim para a Humanidade. O cenário pode ir mudando em função da representação e da peça, mas é imprescindível que os atores saibam que pisam um palco firme, que os suporta e ampara.

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A velocidade com que vivemos faz-nos, como nota Saramago (2015) num dos personagens de Ensaios sobre a cegueira: “(…) cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.”