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DIMENSÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DAS PERGUNTAS INVESTIGADAS

1 UMA CAMINHADA AO ENCONTRO DAS QUESTÕES INVESTIGADAS: CONTEXTUALIZANDO A PROBLEMÁTICA DA PESQUISA

Na verdade, se tudo na vida são trocas e interações, conosco mesmos, com nossos outros, com a vida e com o mundo, se tudo são diálogos contínuos, múltiplos e crescentes, então na verdade conhecemos e compreendemos algo quando fazemos parte dos círculos de vida e de saber em que ‘aquilo’ é compreendido (CARLOS RODRIGUES BRANDÃO).

A análise da conjuntura, cenário do surgimento de Escola Família Agrícola de Olivânia, necessita ser aprofundada para compreendermos o real significado dos movimentos de resistência (ou aceitação) do campesinato capixaba e, em particular, das famílias camponesas do Vale do rio Coryndiba, ao novo padrão de ocupação das terras, das novas relações de trabalho e formas de produção instituídas. A questão que emerge desse cenário é se, em razão dessa nova conjuntura, foram modificadas as relações e os níveis de participação das famílias camponesas nos seus espaços de representatividades comunitárias, em sua presença no ambiente escolar da Alternância e nos momentos de convivência dos períodos familiares e escolares vivenciados pelos pais e por seus filhos nos seus respectivos tempos de alternante.111 Temos a pretensão de analisar esses momentos a partir de reflexões que envolvam a família camponesa na lógica modernizante em que emergem novos espaços para novas racionalidades produtivas no campo. Também discutiremos as lógicas e lugares do campesinato em frente à questão de uma modernização nitidamente excludente.

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Em algumas ocasiões, utilizaremos o termo a partir do entendimento de Gimonet (2007). É o jovem que alterna sua base formativa e educativa no espaço-tempo familiar e espaço-tempo escolar. Esses tempos correspondem, na Escola Família Agrícola de Olivânia, atualmente, ao intervalo de alternância que corresponde a nove dias na família e cinco dias na Escola. Outros espaços escolares de formação em Alternância adotam o intervalo de 16 dias na família e 12 dias na escola.

Os movimentos de criação das Escolas Família Agrícolas no Espírito Santo, conforme estudos realizados por Nosella (1977), Pessoti (1978), Caliari (2002, 2012) e Queiroz (2004), entre outros, são apresentados como um movimento de resistência ao novo padrão de produção agrícola arquitetado pelo Estado e em consonância com os interesses do grande latifúndio exportador e das empresas transnacionais. Consideramos pertinente essa observação, não somente para entendermos os finais dos anos 60 e décadas seguintes do século passado, mas também para identificarmos a nova arquitetura e os desenhos existentes da produção agrícola camponesa no seu cotidiano de inclusões e marginalizações diante do sistema de produção capitalista.

As diferentes abordagens que exploram e expõem o processo de transformação da agricultura brasileira tem se subsidiado na confrontação entre dois padrões distintos de ocupação da terra, de utilização da força de trabalho e do destino final da produção. Ambos, com maior ou menor intensidade, aproximam-se dos mercados internos ou vinculam-se às cadeias produtivas agroexportadoras. A família camponesa e sua materialidade na produção e consumo percorrem caminhos que, em seus aspectos principais, possibilitam ampliar o entendimento da sua racionalidade produtiva e seu relacionamento com a terra e os grupos que compõem suas redes de relacionamentos.

Por isso, faz-se necessário refletir sobre as conjunturas sociais e históricas dos períodos com os quais pretendemos desenvolver a pesquisa. Procuraremos entender se o processo de discussões, para a criação da Escola Família Agrícola de Olivânia, tem, nas suas origens, elementos de contraposição ao projeto de desenvolvimento agrícola. Ambicionamos perceber se os desenhos da produção agrícola camponesa no Vale estão caracterizados por inclusões e/ou marginalizações em frente ao sistema de produção capitalista.

Queremos também entender a arquitetura da lógica camponesa, observando se ela garante uma racionalidade própria, como também se confere respostas satisfatórias à adoção de inovações técnicas e à produção de gêneros alimentícios com reduzidos custos. As estratégias adotadas nas unidades de produção camponesas pesquisadas seguem um ritual lógico e racional que perpassa questões, como a

divisão do trabalho familiar, posse e uso dos fatores de produção e objetivos estabelecidos nos processos de produção.

Nos aspectos relacionados com o acesso do camponês à escolarização, a História nos mostra que é na concepção do domínio e em beneficio de poucos que se desenvolverão e, são desenvolvidos, os programas educacionais governamentais para os contextos camponeses no Brasil. Os estudos de Calazans (1979, 1981, 1981a, 1993), Szmrecsányi e Queda (1979), Sousa (1944, 1944a, 1950, 1963), Moreira (1949), Saviani (2006, 2007), Romanelli (1999), Mendonça (1997), Zotti (2004) e Freitag (1980) procuram demonstrar que, historicamente, o desenvolvimento de projetos educacionais para o campo esteve, sucessivamente, atrelado às concepções de um desenvolvimento exclusivamente econômico, que objetivava o fortalecimento do capital industrial e a grande produção agroexportadora.

A escolarização pública destinada aos povos do campo, decorrente de um modelo excludente, está direcionada a programas pontuais e marginais e compõe uma pequena fatia das iniciativas do setor público para essa parcela expressiva da população. A educação escolar oficial112 proposta para o campo materializa-se na reprodução do sistema no qual seus propósitos e resultados devem se submeter aos programas de desenvolvimento ditados pelos interesses de grupos dominantes e correntes ideológicas que debatiam sobre o desenvolvimento econômico das populações excluídas e sobre como transformar a mentalidade tradicional camponesa para melhor absorver as situações instituídas e com ela conviver, tendo por finalidade,

[...] proporcionar condições para uma melhor adaptação das populações rurais ao setor produtivo, o que significa dizer, maior submissão destas populações ao Modo de Produção Capitalista e às suas contradições específicas (CALAZANS, 1981, p. 163).

Em resumo, a maioria das ações governamentais educacionais, assinaladas por campanhas de alfabetização, ensino complementar e cursos profissionalizantes, caracterizava-se por não resultar em ações transformadoras dessa realidade de exclusão do campesinato. Não se processa como espaços de questionamentos,

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mas de materialização dessa conjuntura, ao legitimar as ações externas e ao subordinar a lógica da produção camponesa ao setor agrícola produtor de artigos exportáveis. Conforme afirma Brandão (1980, p. 6), as ações

[...] partiam da ideia que era preciso ‘melhorar’, ‘modificar’, ‘desenvolver’, ‘reformar’ ou ‘modernizar’ as estruturas sociais, ou pelo menos, a de alguns setores, os responsáveis pelos problemas sociais mais graves ou mais evidentes. De outro lado, partiam da proposta de que ‘o povo’, ‘as comunidades’ deveriam ser convocadas a ‘ajudar’, ‘colaborar’, ‘participar’ ou ‘assumir’ esse processo coletivo de modificações sociais [...].

Sobre o assunto, Fernandes (1976, p. 194-195) diz em outras palavras:

[...] as instituições educacionais brasileiras apenas satisfazem, de modo parcial, irregular e insuficiente, as necessidades escolares de setores semiletrados e letrados, com características ou com aspirações urbanas, [...] não são instituições organizadas para servir às comunidades, em interação construtiva com seus centros de interesses e de atividades; elas visam, ao contrário, desenvolver aptidões e um estado de espírito que dá, ao brasileiro letrado, a convicção de que ele não está à margem da ‘civilização’ e do ‘progresso’. Com isso, empobrecem-se as funções potenciais da educação sistemática, em todos os níveis do ensino, e a escola passa a operar, indistintamente, como mero fator de transmissão o de preservação da parcela da ‘cultura’ herdada, através do complexo processo de colonização. A primeira década do século XXI viu a inserção, motivada pelos movimentos sociais camponeses, nas agendas públicas, da pauta de reivindicações na busca do acesso ao conhecimento e a uma escolarização que mantivesse um diálogo permanente com sua realidade de inserção. Nessa realidade, observa-se a vida cotidiana escolar e rural, a vida sociocultural da comunidade, o desenvolvimento de um desenho do relacionamento com o meio de inserção, suas aproximações com o ambiente escolar rural e as formas de absorção das transformações no mundo rural, além das manifestações de saberes elaborados e reelaborados no seu cotidiano.

As práticas educacionais alternativas, em suas propostas pedagógicas, estimulam a ampliação dos espaços de ações para o alternante e sua família? Outras questões emergem dessa pergunta: quais são esses espaços? Quando e como são ocupados? Os espaços de formação em Alternância, pelo que eles representam, não deixaram de sofrer influências; desdobram-se e passam a influenciar esse espaço/tempo histórico em dinâmica construção e reelaboração.

No capítulo seguinte, buscaremos apresentar e traçar alguns aspectos da produção acadêmica no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo e em outras instituições de ensino superior que tratam de

temáticas relacionadas com o objeto deste estudo. O capítulo apresenta, de maneira abreviada, as aproximações da Universidade Federal do Espírito Santo com práticas de formação dos educadores que atuam nos contextos camponeses por intermédio de variadas formas de capacitação desses profissionais, bem como destaca a produção das dissertações e teses no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/Ufes) que abordam as práticas educacionais desenvolvidas no campo no Estado do Espírito Santo, sobre a Pedagogia da Alternância e Escola Família Agrícola. Especificamente, sobre a Escola Família Agrícola de Olivânia, além dos trabalhos defendidos no PPGE/Ufes, identificamos e analisamos trabalhos acadêmicos produzidos em outras instituições. É finalizado o capítulo com um levantamento de monografias, dissertações e teses, realizadas em diferentes instituições de ensino superior, tratando da Pedagogia da Alternância e das diferentes temáticas com ela relacionadas.

2 “ESTADO DA ARTE” SOBRE A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E A ESCOLA