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DIOGO: Porque um metro tem 100 centímetros, e divido por 4, dá

centímetros.

Quadro 14 – Turno de falas

Os turnos 29, 31 e 32 demonstram um "embate" entre Diogo e Diene. Antes de analisá-lo, é preciso contar um pouco sobre o aluno Diogo, descrevendo a sua participação na comunidade de aprendizes do 6º ano B. Ele era um garoto de 11 anos, muito falante e atuante entre seus pares, mas, por não se dispor a ajudá-los, diferente de Diene. No trabalho em grupo, ele assumia a liderança, distribuindo tarefas e determinando os papéis de seus colegas, o que gerava, em alguns momentos, certa tensão entre eles e ao longo da atividade concentrava consigo a parte mais complexa dela, atribuindo aos seus pares ações que julgava mais simples68.

Como aprendiz de matemática, considerava Diogo como um dos melhores de 6º ano, desde a minha chegada naquela escola. Ao comentar os procedimentos que adotava para resolver problemas, fazia-o de maneira clara e, algumas vezes, propunha mais de uma maneira de resolvê-los. Demonstrava também certo domínio linguístico da matemática e, ao falar sobre ela, mobilizava um discurso tipicamente escolar, sem aproximações com a fala cotidiana. É possível observar esse fato, por exemplo, através de sua participação expressa nos turnos 32 e 34, nos quais respondeu a minha pergunta mobilizando as

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Na atividade da elaboração da planta baixa da escola, pude presenciar e intervir em uma discussão no grupo do qual Diogo participava, em que ele atribuiu a suas colegas a tarefa de colorir a planta, e ele a desenhou por completo. Naquela situação, seus pares ficaram revoltados e se sentiram menosprezados por ele, pois argumentavam que também conseguiam elaborar a planta. Fiz algumas intervenções, conversando com todos no grupo, e mesmo assim a vontade de Diogo prevaleceu, deixando suas colegas muito revoltadas.

unidades de medida e os procedimentos adequados para se chegar àquela resposta. Considerava essa participação de Diogo extremamente importante à comunidade de aprendizes do 6ºB, pois acreditava que os demais alunos, ao presenciá-lo falar sobre a matemática com desenvoltura, poderiam, gradualmente, não enxergá-la como uma barreira intransponível, somente acessível pelos professores, como, infelizmente, alguns ainda achavam. Acreditava (e acredito) que poderiam se inspirar em Diogo e se arriscarem a comunicar-se matematicamente69.

Ao rever as videogravações para o trabalho de campo desta pesquisa, verifiquei que Diogo e Diene não interagiram entre si nas atividades e, resgatando as minhas reminiscências de sala de aula, percebi que ambos não conversavam entre si durante a aula. É leviano de minha parte afirmar que a distância entre ambos era causada por algum problema de convivência que tiveram, pois não possuo informações para tanto. Entretanto, observei, através dos turnos 29, 31 e 32, que havia uma competição entre esses dois alunos. Diene, que permanecia quieta, desde o erro cometido, ao ver que Diogo começara a participar da leitura, decidiu reingressar no processo (turno 29). Por outro lado, Diogo, ao notar que Diene tentava o reingresso, demonstrou certa exaltação e incômodo, a ponto de interrompê-la (turno 31) e responder (turno 32), quase aos gritos, a pergunta que eu havia feito (turno 30).

Essa situação protagonizada por Diogo e Diene demonstrou que, no interior daquela comunidade de aprendizes, assim como em outras, as relações entre os sujeitos nem sempre são harmoniosas. As pessoas participam dessas comunidades munidas de seus valores, de

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suas ideias, de seu jeito de ser. Como demonstram Lave e Wenger (1991), participam como totalidades humanas. Nesse sentindo, quando estão engajadas em um empreendimento, em um projeto comum, contribuem com ações específicas, baseadas em seus arcabouços de prática. A participação de cada um nas comunidades pode gerar identificação ou desidentificação (Wenger, 2010) entre os pares.

No caso de Diene e Diogo, acredito que havia uma desidentificação entre os dois, gerada por uma identificação. Estes dois alunos tinham como fator de identificação serem ótimos estudantes de matemática. Isso os tornava participantes plenos naquela comunidade de aprendizes. Porém, essa participação proeminente gerou uma competição entre os dois alunos, pois, acredito, almejavam o título de o/a melhor aluno/a da turma e isso os afastava, gerando o fator de desidentificação, à medida que evidenciava certa tensão entre ambos. Os processos de identificação e desidentificação contribuem para a organização e reorganização de uma comunidade de prática, ou neste caso, de aprendizes, pois exige que os sujeitos se apropriem de outras práticas e negociem outros significados para poderem legitimar a sua atuação dentro dessas comunidades. A negociação de significados não acontece somente em espaços e momentos pacíficos. Acontece também em meio a conflitos e fatos "desestabilizantes". Sendo assim, sem querer ser cruel, percebi que a entrada de Diogo no processo exigia de Diene formas novas para reingressar na leitura compartilhada. Percebia que a participação do seu colega era um obstáculo a ser enfrentado, pois ele sabia tanto quanto ela. Trata-se, portanto, de uma interação entre dois sujeitos de participação

Após a contribuição dada por Diogo acerca de quantos centímetros equivalem a 1/4 de metro (turno 34), reassumi a direção da interação com a sala, pois percebi pelas expressões nos rostos de alguns alunos que havia dúvidas em relação a isso. Achei importante também retomar com a turma a representação em centímetros de um metro, pois, em outra atividade realizada, notei que vários alunos demonstraram não conhecer essa informação. Dessa maneira, tomei o comando da fala e questionei a turma, conforme o turno 35:

Turno 35. PROFa. ADRIANA: -Todo mundo concorda com ele que um metro tem 100

centímetros? Alguém tinha alguma dúvida de que um metro não tem 100 centímetros?

Quadro 15 – Turno de falas

Após alguns alunos levantarem timidamente as mãos, demonstrando que não sabiam que um metro contém cem centímetros, decidi fazer uma pausa na leitura compartilhada e realizar a medição, solicitando o auxílio de algum aluno da turma:

Turno 36. PROFa. ADRIANA: -Pega alguém para mim, por favor... [Antes de terminar de

falar, a aluna Talita se levanta e vai até a frente da sala]. Talita... Isso... pega essa fita métrica [eu aponto para a mesa].

Quadro 16 – Turno de falas

A disposição em ajudar era comum naquela comunidade de aprendizagem e, nesse episódio, Talita demonstrou isso ao se levantar, após perceber o breve movimento que fiz em direção à minha mesa e ao escutar o meu pedido de ajuda, como está expresso no turno 36. É interessante observar que antes mesmo que terminasse de falar, a aluna Talita já estava em pé, na minha frente, disposta a me auxiliar.

A aluna Talita tinha um papel importante na comunidade de aprendizagem do 6ºB, mas diferente de Diogo e Diene. Ela era uma estudante de 14 anos, que havia reprovado algumas vezes o 5º e o 6º ano, e que possuía muitas dificuldades de leitura e escrita. Talita, entretanto, era muito ativa, prestativa, divertida, e se empenhava em todas as atividades. Circulava com desenvoltura entre todos os grupos e aparentemente era querida por seus colegas. Em relação às aulas de matemática70, participava das atividades e concentrava consigo as tarefas de organização e supervisão das ações dentro do seu grupo de trabalho. Gostava muito de expor suas ideias oralmente e era muito criativa em suas repostas. Em alguns momentos me auxiliava, inclusive, controlando a "bagunça" que seus colegas, vez por outra, faziam, dando-lhes broncas ou me comunicando quando havia conflito em algum grupo.

Afirmei que a participação de Talita era diferente das de Diogo e Diene, pois os últimos contribuíam com a comunidade de aprendizes do 6ºB através do domínio do conhecimento matemático escolar que possuíam. Era através desse domínio que interagiam com seus pares e os auxiliavam. Por outro lado, Talita ajudava seus colegas ao me auxiliar a gerir a sala de aula com suas medidas "disciplinares", ao dar sugestões acerca de locais para a realização das atividades (pátio, sala de informática etc), ou ao organizar os grupos de trabalho, entre outras ações. Analiso que as participações desses três alunos eram

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Em uma atividade, na qual os alunos elaboraram problemas, Talita teve papel essencial em seu grupo, pois mesmo não escrevendo os enunciados, elaborava-os oralmente e ditava-os para as colegas escreverem. Os enunciados foram elaborados a partir de situações vivenciadas por Talita e suas colegas, como o churrasco de Natal, e foram muito bem aceitos pelos demais alunos do 6ºB, os quais, ao serem questionados por mim sobre o porquê haviam gostado tanto, responderam que era porque se tratava de "coisas que aconteciam mesmo", ou seja, eram recortes de situações comuns àqueles sujeitos, vivenciadas em outras comunidades de prática às quais pertenciam.

igualmente essenciais àquela comunidade, pois cada um deles contribuía para a organização e existência da mesma. Analiso também que aquelas participações se entrecruzavam e estavam ligadas a um propósito comum, o de aprender matemática de uma maneira diferente. Talita dominava um tipo de conhecimento que não era comum a Diene e Diogo e contribuía para que ambos se apropriassem dele e vice e versa.

Após Talita apanhar a fita métrica, dei prosseguimento à atividade, contando com a sua participação no processo de medição do metro, conforme o turno 37:

Turno 37. PROFa. ADRIANA: -Agora Talita, vai até a lousa e mede dessa ponta da