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1. CONTRA-HEGEMONIA, MEDIAÇÃO E APROPRIAÇÃO SOCIAL

2.7 DIREITO À MORADIA

Sem teto ou sem casa geralmente são as nomenclaturas empregadas para definir as pessoas que não têm onde morar. Mas é preciso partir dos dados oficiais do déficit habitacional calcular também o número de pessoas que vivem de aluguel em habitações precárias ou sem o título legalizado da moradia. O problema habitacional é por causa da alienação espacial relacionado ao problema dos baixos salários e à falta de políticas sociais de Estado.

Na realidade, a burguesia tem apenas um método para resolver o problema habitacional à sua maneira – isto é, resolve de tal modo que a solução reproduz continuamente a questão. Este é o denominado método ―Haussmann‖.Por «Haussmann» entendo não apenas a maneira especificamente bonapartista do Haussmann parisiense de abrir ruas compridas, direitas e largas pelo meio dos apertados bairros operários e de guarnecê-las de ambos os lados com grandes edifícios de luxo, com o que se pretendia não só atingir a finalidade estratégica de dificultar a luta nas barricadas mas também formar um proletariado da construção civil especificamente bonapartista e dependente do governo e transformar a cidade numa pura cidade de luxo. Por «Haussmann» entendo também a prática generalizada de abrir brechas nos bairros operários, especialmente nos de localização central nas nossas grandes cidades, quer essa prática seja seguida por considerações de saúde pública e de embelezamento ou devido à procura de grandes áreas comerciais centralmente localizadas ou por necessidades do trânsito, tais como vias-férreas, ruas, etc. O resultado é em toda a parte o mesmo, por mais diverso que seja o pretexto: as vielas e becos mais escandalosos desaparecem ante grande autoglorificação da burguesia por esse êxito imediato mas... ressuscitam logo de novo em qualquer lugar e frequentemente na vizinhança imediata. (ENGELS, 1887, p. 41).

Georges-Eugène Haussmann era secretário de governo de Napoleão III em 1853, responsável pelas obras públicas de Paris. Foi o responsável pela reestruturação espacial da

capital francesa, logo após a crise econômica de 1848, apostando no processo de urbanização como uma forma de resolver o problema do excedente de capital ocioso. Apostou em gigantes obras públicas de escalas inimagináveis pelos grandes arquitetos e criando instituições financeiras e novos instrumentos de crédito à custa de destruição e remoção dos pobres dos espaços que serviriam diretamente para acumulação de capital para áreas mais longínquas dos locais de trabalho, forçando uma modificação nos modos de vida da classe trabalhadora francesa.

O método Haussmann transformou Paris mundialmente na ―cidade luz‖, usufruindo dos espaços da criação de grandes centros de consumo e prazer e turismo. Mas quinze anos depois, o sistema financeiro e de crédito quebrou, em 1868. Napoleão III acabou se lançando em guerra contra a Alemanha de Bismark e, derrotado, abriu as possibilidades conjunturais para a revolta urbana histórica da classe trabalhadora que foi a Comuna de Paris

A casa, assim como qualquer outra mercadoria, tem uma obsolescência, tem um tempo determinado para uso, antes de depreciar-se e mudar sua qualidade: um amontoado de materiais em lugar de uma casa habitável. É exatamente aqui onde reside a crítica de Engels ao autor proudhoniano: é um grande engano acreditar que a questão da habitação se resolve com a propriedade da terra conferida ao trabalhador, onde o pagamento das ―prestações‖ da casa seria mais útil e menos dispendioso ao trabalhador que o pagamento do aluguel. Mesmo porque o aluguel, que poderia cobrir ―cinco ou dez vezes mais o custo da produção da casa‖, na verdade está cobrindo, ao largo de um grande período de existência da casa, o aumento da renda do solo e os custos com a própria manutenção da casa. Tanto que, ao final do processo, nem o inquilino e nem o proprietário possuem mais a casa, o que resta é o terreno e os materiais que compunham a casa (SILVA, 2009, p.98).

Não é no valor da construção da casa que está a essência do problema habitacional na urbanização do capital, mas em sua localização no contexto urbano. Essa localização influencia no valor do metro quadrado do imóvel porque está articulada ao processo de produção e reprodução do urbano. Exemplos concretos para a burguesia afirmam-se de tempos em tempos na destruição criativa de grandes zonas de interesse do capital para a construção de novos empreendimentos urbanísticos à luz da atualização do seu projeto burguês de cidade. O problema da moradia é apenas transposto à distância dos olhares do capital imobiliário.

Enquanto a propriedade privada da moradia permanecer, articulada à acumulação capitalista no e do espaço, os déficits habitacionais nunca serão plenamente resolvidos ou zerados, pois enquanto se aloja algumas centenas de famílias, geralmente por políticas

públicas ou compensatórias pelo Estado, a própria lógica e lei do sistema desaloja outras dezenas de milhares.

A propriedade privada da terra, paralela à renda fundiária e todos os seus desdobramentos no espaço urbano e rural, é a mais pura expressão das instituições contidas na ―fórmula trinitária‖ proposta por Marx, nos termos da sua analogia com a instituição cristã da Santíssima Trindade e de sua inabalável sacralidade. Os termos da cisão, da separação, da alienação, postos no mundo contemporâneo, conhecem sua raiz e sua principal força a partir dessa unidade na tríade marxiana. É neste momento que urge a elaboração de uma crítica que realmente dê conta de todo esse perverso processo para a grande maioria da humanidade (SILVA, 2009, p.101).

O método Haussmam de política de habitação cria a necessidade permanente de terrenos para a construção, aumentando o valor de troca da terra, somando-se simultaneamente a renda diferencial I e II e de monopólio.

O direito à moradia também não pode ser resumido à simples condição de se ter um teto físico. É necessário levar em conta a qualidade da moradia (seja em sublocações ou locações precárias conhecidas como favelas ou cortiços). A negação efetiva deste direito constitui-se um dos maiores problemas sociais do mundo e do Brasil (MARICATO, 2000).

Segundo pesquisa do IBGE de 2012, o déficit de moradia no Brasil alcança o número de 5,2 milhões de domicílios, com uma expectativa de crescimento para 20 milhões de unidades familiares no ano de 2024, em dados ratificados por estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo dados do IBGE de 2010, existiam 6,07 milhões de domicílios vagos no Brasil, em que se apresentava, na mesma pesquisa deste ano, um déficit de famílias com moradias de 5,8 milhões, mostrando que o real problema da moradia no Brasil não está apenas na construção de casas potencializando o mercado imobiliário, como defendem os gestores públicos populistas alicerçados em pseudossoluções para a classe trabalhadora.

Apesar de haver sido criada uma política de habitação como o Programa Minha Casa, Minha Vida, a mesma mostrou-se deficitária em seu alcance e reprodutora do capital enriquecendo as empreiteiras e não considerando o direito à moradia, mas a capitalização da segregação social.