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3. O MTST E A OCUPAÇÃO URBANA QUE COMUNICA

3.1. HISTÓRIA E CONCEPÇÃO

Na metade da década de 90 do século XX, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) decidiu organizar a luta dos trabalhadores urbanos pela moradia e mobilizou militantes para operacionalizar essa tarefa. Posteriormente, o MST avaliou que seria demasiado complicado pensar a organização na cidade e decidiu encerrar essa experiência. No ano de 1996 quatro pessoas desse grupo de militantes que realizou a

experiência de organização urbana em São Paulo decidiram romper com o MST e fundar o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizando a primeira ocupação na cidade de Campinas, estado de São Paulo.

O núcleo fundador do MTST, ao estudar o grande crescimento de uma massa de trabalhadores urbanos, com clara migração do campo avaliou que era necessário organizar os trabalhadores na cidade. A demanda da luta pela terra rural encontrava semelhanças na urgência pela moradia que não era resolvida nas construções dos grandes centros urbanos no Brasil. Além disso, avaliavam que o movimento sindical se encontrava em refluxo, sem dar conta de aglutinar a grande maioria dos trabalhadores urbanos com o processo de reestruturação produtiva.

Na questão organizativa, o objetivo da fundação do MTST é ser um movimento social de massas, que promova uma organização identitária por território (ou espaço). A referência era baseada nas experiências de luta do MST na década de 90, que ao ocupar os latifúndios rurais tinham como ganho material a conquista da terra e como ganho organizativo, a inserção de novas pessoas ao movimento para que pudessem ampliar e massificar o MST.

A primeira ocupação urbana do MTST ocorreu no mesmo ano em que foi fundado. Chamava-se Ocupação Oziel por conta de um trabalhador rural assassinado no massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará (GOULART, 2011).

O MTST é um movimento que organiza trabalhadores urbanos a partir do local em que vivem: os bairros periféricos. Não é nem nunca foi uma escolha dos trabalhadores morarem nas periferias; ao contrário, o modelo de cidade capitalista é que joga os mais pobres em regiões cada vez mais distantes. Mas isso criou as condições para que os trabalhadores se organizem nos territórios periféricos por uma série de reivindicações comuns. Criou identidades coletivas dos trabalhadores em torno destas reivindicações e de suas lutas. Ao mesmo tempo, a organização sindical, no espaço de trabalho, tem tido enormes dificuldades em organizar um segmento crescente de trabalhadores (desempregados, temporários, terceirizados, trabalhadores por conta própria, etc.), a partir de transformações ocorridas no próprio processo produtivo, que tornaram as relações trabalhistas mais complexas e diversificadas. Assim, o espaço em que milhões de trabalhadores no Brasil e em outros países tem se organizado e lutado é o território. É aí que o MTST se localiza: Somos um movimento territorial dos trabalhadores (MTST, 2017).

O território que a organização identifica como central para seu modo de atuação é a periferia. Isso significa dizer que é onde a maior parte dos problemas das cidades se manifesta para os trabalhadores, seja por falta de aparelhos públicos, seja pela deficiência ou ausência de qualidade dos direitos sociais que deveriam ser garantidos pelo Estado. Ao localizar-se estrategicamente nesses espaços como demonstra a citação acima, o MTST tem a análise que o processo de reestruturação do capital dificulta a formação da identidade de classe, e com o

estágio da urbanização brasileira, a possibilidade de organização desses trabalhadores precarizados é nas periferias (GOULART, 2011).

Com base no argumento de não ser um movimento de moradia, mas um movimento que se organiza a partir da moradia e através da análise sobre o processo de reestruturação produtiva do capital, o MTST reivindica o território como espaço de organização não substituindo o setor de trabalho, mas partindo de uma crítica dos limites das estruturas sindicais nesta atual fase do capitalismo. A organização reivindica a periferia como espaço potencial de formação de identidade de classe e de unificação da luta política dos trabalhadores urbanos.

A periferia sempre foi um espaço de resistência onde o sistema capitalista age para segregar espacialmente os mais pobres, mas também onde os mais pobres conseguem estabelecer relações comunitárias, que trazem a possibilidade da solidariedade entre os sujeitos que compartilham o mesmo espaço, por mais que tenham sua vida material e subjetiva extremamente pautada pela lógica do valor de troca da mercadoria. São nas periferias urbanas do Brasil que também acontecem ações de extermínio da juventude pobre, negra ou indígena, promovido em grande parte pela exclusão social e racismo institucional por parte do Estado Brasileiro e seu braço armado, a instituição polícia militar. (Relato de entrevista com Guilherme Boulos, direção nacional do MTST, 2017)

O movimento não teve pressa em expandir-se para outros Estados e tinha o cuidado de não repetir o mesmo erro que muitos movimentos sociais cometem, de abrir mão dos princípios para poder aglutinar lideranças com outros interesses de classe.

Essas organizações estabelecem uma relação de trocas comercial com os ocupantes, geralmente exigindo uma mensalidade, e funcionando como uma empresa mediadora de conflitos com o Estado, por isso somos bastante criteriosos para a fundação do MTST em outros Estados (relato de entrevista, José Afonso coordenador nacional, 2017)

A nacionalização do movimento ocorreu oficialmente em setembro de 2009, com o I Encontro Nacional do MTST que reuniu representantes de sete estados: Pará, Roraima, Amazonas, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal. Antes disso, diversas ações unificadas e tentativas de diálogo com outros movimentos tinham sido realizadas até a unificação e construção da ferramenta MTST, a partir de uma carta de princípios (GOULART, 2011).

O MTST tem como seu maior objetivo a luta contra o capital e o Estado que representa os interesses capitalistas. Sabemos que na atual forma de organização social não há espaço para a realização dos interesses da maioria, os trabalhadores. Tudo é transformado em mercadoria, inclusive os nossos direitos. Apenas uma

minoria tem acesso a condições dignas de vida. E o Estado atende exatamente a esta minoria. Por isso nossa luta é muito mais ampla do que a conquista de um pedaço de terra. Mas é preciso um intenso e longo acúmulo de forças para atingirmos nossos objetivos principais. Todas nossas ações devem estar voltadas para fortalecer nosso caminho rumo a estes objetivos. Isso significa ampliar nossa referência nas periferias urbanas, nosso número de militantes, nossas conquistas, nossa capacidade de mobilização, dentre muitos outros fatores (MTST, 2017).

Para além da moradia, do direito à cidade o MTST cria e executa outas formas de sociabilidade que possam promover condições dignas de vida.