• Nenhum resultado encontrado

A tradição germânica para a admissibilidade de revisão contratual remonta ao tempo do Codex Maximilianeus Bavaricus Civilis203, de 1756 e da

Lei da Terra prussiana, de 1794.

Mas o Código Civil de 1896 não trouxe previsão expressa da adoção da revisão contratual. Os pandectistas do século XIX, que foram os elaboradores do BGB, não eram favoráveis à cláusula rebus sic stantibus, pois a consideravam imperfeita e que poderia comprometer a segurança jurídica.

203 O nº. 3, do § 12, do capítulo 15, do Título IV possuía a seguinte redação: “Todos os vínculos

contêm em si tacitamente a cláusula rebus sic stantibus, assim tornam-se inválidos pela modificação da coisa sobre que recai a obrigação, desde que se verifiquem três requisitos seguintes: 1º.) que a modificação não resulte nem em mora auct facto debitori; 2º.) que não fosse fácil de prever; 3º.) que fosse de tal natureza que, se o devedor a tivesse conhecido, segundo a opinião desinteressada e honesta das pessoas inteligentes, não teria consentido em obrigar-se; restando, todavia, em tais circunstâncias, apreciar juridicamente se a obrigação deve caducar ou somente ser reduzida em proporção da modificação verificada”.

187 Nem mesmo Bernard Windscheid, um dos integrantes do primeiro projeto do Código Civil, em 1887, conseguiu que fosse aprovado um parágrafo que contemplasse a revisão contratual. O segundo projeto, apresentado em 1895 já não contava com a presença de Windscheid, que falecera em 1892, e tampouco possuía qualquer regra específica sobre revisão ou resolução contratual. O terceiro projeto, que era baseado no segundo projeto, mas com modificações que foi o aprovado, sem tratar da modificação do contrato por fato superveniente.

Apesar de não haver essa previsão expressa no Código Civil, logo começou a se desenvolver na jurisprudência os julgados favoráveis à revisão contratual, principalmente após a 1ª Guerra Mundial, que abalou sobremaneira a economia alemã, como ensina Ludwig Enneccerus204:

[...] tuvieran por consecuencia en numerosos casos tan profundas alteraciones de las relaciones económicas que el obligar al deudor a atenerse al contrato hubiera estado en absoluto desacuerdo con la justicia y la equidad. Por ejemplo, al que hubiese comprometido a suministrar fuerza motriz durante largos años a un precio calculado entonces, no podrá ser constreñido a cumplir el contrato, a todo evento, si el precio de los combustibles y de los jornales había subido al céntuplo o incluso ao céntuplo del precio primitivo.

204 ENNECCERUS, Ludwig. Derecho de obligaciones, tradução da 3ª ed. alemã, t. II, p. 206. apud BEZERRA CALVACANTI, Francisco de Queiroz. A teoria da imprevisão. Revista Forense,

188 A jurisprudência alemã se baseou na cláusula geral da boa-fé contida no § 242205 para aplicar a revisão contratual. Um dos primeiros casos importantes foi um aresto do Reichsgericht (Tribunal do Império), de 21 de setembro de 1920, citado por Volkmar206, verbis:

Eis aqui o argumento do alto tribunal: sem dúvida é impossível estender a cláusula rebus sic stantibus, prevista no BGB para casos claramente determinados. Todavia, convém fazer uma exceção para o desequilíbrio econômico oriundo do fim imprevisto da guerra. Esta circunstância dá aparência de legitimidade ao desejo de uma parte faltar às obrigações contratuais, desde que a execução do contrato já não lhe pode, economicamente, ser imposta numa situação totalmente diversa. A este respeito, o Tribunal do Império se referiu às disposições dos arts. 242 e 325 do BGB. Assim, nos termos do art. 242, a boa-fé deve presidir a execução das obrigações do devedor; a mesma boa-fé deve reger também o direito do credor à execução. É por isso que a execução de um contrato não pode já ser devida nem exigida, quando, por força de modificação total das circunstâncias, a prestação contratual passa a ser completamente distinta daquela que as partes haviam primitivamente pensado e querido. Acresce que, se o art. 325 considera a impossibilidade da prestação como uma causa de liberação, esta impossibilidade pode ser não somente material, mas também econômica. Em princípio esse apenas pode justificar uma rescisão de contrato, inexecutável na forma convencionada em virtude da

205 O § 242 do Código Civil alemão possui a seguinte redação: “O devedor está adstrito a

realizar a prestação tal como exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”.

206 VOLKMAR, M. A. A. A revisão dos contratos pelo juiz na Alemanha. Revista Forense, Rio de

189

inflação. Não obstante, o Tribunal do Império foi mais longe na sua citada decisão a respeito dos contratos de execução sucessiva prevista num prazo bastante longo. Admitiu que, se as partes continuavam a execução do contrato apesar da desvalorização, o juiz teria o direito de modificar as contraprestações, tendo em conta as novas circunstâncias”.

8.2.1 A Lei de modernização do Direito das Obrigações de 2001/2002

Em 2001/2002 o BGB foi reformado, passando a conter regra expressa sobre a revisão contratual que vinha sendo elaborada por uma comissão desde 1991. Assim, o § 313 passou a conter a seguinte redação:

1. Quando, depois da conclusão contratual, as circunstâncias que constituíram a base do contrato se tenham consideravelmente alterado e quando as partes, se tivessem previsto esta alteração, não o tivessem concluído ou o tivesse feito com outro conteúdo, pode ser exigida a adaptação do contrato, desde que, sob consideração de todas as circunstâncias do caso concreto, e em especial a repartição contratual ou legal do risco, não possa ser exigível a manutenção inalterada do contrato.

2. Também se verifica a alteração das circunstâncias quando representações essenciais que tenham sido base do contrato se revelem falsas.

3. Quando uma modificação do contrato não seja possível ou surja inexigível para uma das partes, pode a parte prejudicada resolver o contrato. Nas obrigações

190

duradouras, em vez do direito de resolução tem lugar o direito de denúncia.

Esse artigo, segundo a justificativa governamental, § 313 visou apenas positivar os princípios já consagrados pela doutrina e pela jurisprudência. Segundo Menezes Cordeiro207, os pressupostos do instituto da alteração subseqüente de circunstâncias são os seguintes:

1. Determinadas circunstâncias devem modificar-se ponderosamente, após a conclusão do contrato;

2. Tais circunstâncias não pertencem ao conteúdo do contrato, constituindo, porém, a sua base;

3. As partes não previram as alterações;

4. Caso as tivessem previsto, elas não teriam fechado o contrato ou tê-lo-iam feito com outra base;

5. Em conseqüência das alterações, e tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto e, em especial, a repartição, legal ou contratual do risco, seria inexigível, perante uma das partes, a manutenção do contrato.

Documentos relacionados