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O dirigismo contratual é uma das facetas do dirigismo econômico, já que este tem assento em várias áreas do conhecimento jurídico, tanto públicas quanto privadas. Assim, Carlos Alberto Bittar32 assinala “[...] que dirigismo econômico é a expressão que designa a condução, pelo Estado, dos negócios da economia”. Segundo Josserand, citado por Anísio José de Oliveira33, já o dirigismo contratual representa um esforço para a adaptação do acordado aos fenômenos econômicos e sociais inesperados, devendo corresponder às razões de oportunidade e às necessidades práticas.

Há, sem dúvida, um limite ao princípio da autonomia privada no que concerne aos contratos. A igualdade, base para a sustentação da autonomia privada vem mudando de sentido. Antes, era aquela formal, que não distinguia os indivíduos em categorias ou por características diferentes. Assim, todos eram iguais para contratar livremente. Era uma igualdade política, mas não estava garantida a paridade econômico-financeira. Mas, durante o século XX, a igualdade almejada passa a ser material, aquela que considera diferentes características individuais antes de igualar os cidadãos. Os diferentes, em situações de desvantagem, mais fracos, são protegidos, podendo participar da vida civil em condições mais favoráveis.

32 BITTAR, Carlos Alberto. O dirigismo econômico e o Direito Contratual. Revista dos Tribunais,

São Paulo: RT, v. 526, p.20-32, agosto de 1979.

33 OLIVEIRA, Anísio José de. A Teoria da Imprevisão nos Contratos. 3ª ed. São Paulo:

35 A liberdade, outro pilar de sustentação da autonomia privada também é cerceada, caso seja necessário para a proteção de direitos individuais, difusos e coletivos imprescindíveis. Pode-se dizer que essa igualdade material é supressora da liberdade, ao reivindicar parte da autonomia individual em troca de uma sociedade mais padronizada. Essa idéia é facilmente percebida, atualmente, pela disseminação dos contratos de massa, que são concretizados por adesão, que não dão margem a grande, ou mesmo nenhuma autonomia privada como consideram alguns dos mais críticos juristas34.

Essa proteção dos menos providos é dada pela idéia de ordem pública, já que esses, considerados como um grupo, terão seu interesse preservado em caso de colisão com um interesse individual. Silvio Rodrigues35 tece excelentes palavras ao dizer que:

34 Segundo Fernando Noronha (in O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais (autonomia privada, boa-fé, justiça contratual). São Paulo: Saraiva, 1994, p. 70 e ss.), as

modificações hoje percebidas nos contratos se devem à grande importância gerada pelos contratos de massa, já que eles são frutos da Revolução Industrial, que gerou a exponencial urbanização (“[...] é conseqüência do crescimento exponencial da população, da migração do campo para as cidades, das melhores condições de vida que o desenvolvimento econômico propicia [...]”) e da concentração de capital (“[...] é essencialmente conseqüência da concorrência econômica – e da luta, por esta engendrada, pela competitividade, pela racionalização, por melhores condições de produção e distribuição”.) Segundo Noronha: “Realmente, se existe uma palavra que possa sintetizar tudo o que aconteceu, e ainda esclarecer o sentido das tão profundas transformações havidas, tanto políticas como jurídicas, inclusive no âmbito que aqui interessa, que são os contratos, tal palavra é a massificação: massificações nas cidades, transformadas em gigantescas colméias; nas fábricas, com a produção em série; nas comunicações, com os jornais, o rádio e a televisão; [...] nas relações de consumo, finalmente, com os contratos padronizados e de adesão e até com as convenções coletivas de consumo, previstas no Código de Defesa do Consumidor (art. 107)!”

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A idéia de ordem pública é constituída por aquele conjunto de interesses jurídicos e morais que incumbe à sociedade preservar. Por conseguinte, os princípios de ordem pública não podem ser alterados por convenção entre os particulares. Jus publicum privatorum pactis

derrogare non potest. Algumas legislações, v. g., a

francesa, consignam expressamente o preceito.

O Estado passou a legislar, usando preceitos de ordem pública, limitando a liberdade contratual das partes. Foram criadas leis como a da Usura, da Economia Popular, do Reajustamento Econômico, de Luvas, do inquilinato. O que sempre se busca nessas leis, é evitar vantagens indevidas por parte do mais forte, que poderia se valer da sua condição para impor termos prejudiciais à outra parte, que necessitada de tal pacto, se submeteria. Sobre essa intervenção estatal na vida privada do cidadão, Nelson Borges36 ensina que:

Destaque-se que o intervencionismo governamental, aos poucos, foi ocupando o papel principal no tecido social, protagonizado até então pelos indivíduos. O primitivo modelo liberal de dirigismo, de repente, em determinada época foi considerado ultrapassado, dando lugar ao que, então, foi tido e havido como ideal. Por dever de justiça, registre-se que a ele se devem algumas conquistas fundamentais, como a dos direitos e garantias individuais, a separação dos Poderes, a independência da Magistratura, a subordinação do poder à lei – ou, por outras palavras, o chamado Estado de Direito, no qual a lei passou a ser a única soberana.

36 BORGES, Nelson. A Teoria da Imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo:

37 Não só a autonomia privada foi limitada pela idéia de ordem pública, mas também a obrigatoriedade das convenções, que diz que, uma vez obedecidos os requisitos legais, o contrato torna-se obrigatório entre as partes, que dele só se desliga pelo seu adimplemento ou por uma nova comunhão de vontades por parte dos contratantes.

O princípio da obrigatoriedade das convenções começou a ser infirmado a partir do final do século XIX, quando apareceu na doutrina uma tendência ao ressurgimento da velha cláusula implícita rebus sic stantibus, que é a inspiradora das “modernas” teorias revisionistas.

Assim, o dirigismo contratual ocorre em três momentos: i) o anterior à celebração do contrato, que atinge o pré-contrato, que no ensinamento de Anísio José de Oliveira37 se manifesta com a crescente

[...] intensidade das normas de ordem pública possibilitando ao Estado, através do Poder Legislativo, regulamentar as relações contratuais, regulando até que ponto se dirige a liberdade dos contratantes para, por fim, estabelecer os limites a que deve seguir a atividade dos indivíduos, ou grupos, e a intervenção do Poder Executivo, como orientador, e a do Poder Judiciário a fim de reprimir os infratores da regra.

ii) durante a realização do contrato, com o acordo de vontades;

37 OLIVEIRA, Anísio José de. A Teoria da Imprevisão nos Contratos. 3ª ed. São Paulo:

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e iii) posterior à celebração do contrato38, quando pode se aplicar, por

exemplo, durante a sua execução diferida ou continuada, o princípio da revisão dos contratos, doutrina inspirada na supra mencionada cláusula rebus sic

stantitbus.

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