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4.1 TEORIAS INTERNAS OU INTRÍNSECAS

4.1.1 Teorias com base na vontade

4.1.1.4 Teoria da Base do Negócio

A teoria da base do negócio jurídico, formulada por Paul Oertmann, é fortemente aceita, tanto doutrinária quanto jurisprudencialmente, na Alemanha.

80 OLIVEIRA, Anísio José de. A Teoria da Imprevisão nos Contratos. 3ª ed. São Paulo:

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Segundo o próprio Oertmann81, a base do negócio jurídico

(Geschäftsgrundlage) é “[...] a representação de uma parte, patente na conclusão de um negócio e reconhecida pela contraparte eventual, no seu significado, ou a representação comum de várias partes da existência ou do surgimento futuro de certas circunstâncias sobre cuja base se firma a vontade negocial”.

Ao concluir um pacto, as partes fazem uma representação metal de como deverão prosseguir as condições durante a execução. Essa representação mental é conhecida e consentida pela outra parte. Diferencia-se da teoria da pressuposição de Windschied pela característica de que nesta, há uma declaração isolada, independente, enquanto que naquela, a declaração se refere ao negócio como um todo, bilateralmente. “A essência da formulação de Oertmann é o equilíbrio entre prestação e contraprestação, fixadas de forma subjetiva pelas partes, em atenção à bilateralidade indispensável na formação de todo contrato comutativo” 82. Se esse equilíbrio entre as prestações, que dá sentido ao contrato bilateral, for destruído é necessário que seja feita uma

81 OERTMANN, Paul. Geschäftsgrundlage, 1927, cit. 37 apud MENEZES CORDEIRO, Antonio

Manuel da Rocha e. Da boa-fé no Direito Civil. Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 2ª Reimpressão, Coimbra: Almedina, 2001, p. 1033. Para melhor compreensão transcrevemos outro trecho de Oertmann: “A base do negócio não é, porém algo de unilateral existente apenas numa parte; nesta medida, não se distingue de modo algum do autêntico conteúdo do negócio: para ser eficaz, ela deve ser comum a ambas as partes, ou melhor, ao seu convênio recíproco. A sua oposição ao conteúdo do negócio não é de procurar nessa direção, mas antes em que ela não pertence ao processo de vontade e às declarações das partes, sendo apenas a base, o fundamento sobre o qual estas, de ambos os lados, se erguem” (cit. 39).

82 BORGES, Nelson. A Teoria da Imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo:

75 revisão do mesmo. O contrato deixa de corresponder à vontade das partes, devendo ser adaptado à vontade das partes ou mesmo resolvido.

É uma teoria baseada na vontade das partes porque essa base do negócio é formulada subjetivamente, mas explicitada para a outra parte. A representação do futuro previsto é psicológica.

Segundo Anísio José de Oliveira83, o próprio Oertmann forneceu um exemplo para facilitar o entendimento, verbis:

A e B comerciam na mesma praça e no mesmo ramo. Todavia A não quer concorrente e propõe a B o afastamento deste comércio, mediante certa quantia paga periodicamente. Fechado o negócio, B retira-se do negócio e começa a receber o prometido. Acontece que A resolve deixar suas atividades comerciais. “Quid júris?” Consoante Oertmann, A não é mais obrigado a pagar suas prestações prometidas e B não pode voltar a comerciar porque houve modificação das circunstancias que os levaram a contratar e a avença não mais representa o que era querido pelas partes: evitar a concorrência.

Marcio Klang84 observa que para essa teoria de Oertmann o contrato não perde sua validade no momento em que a base do negócio é diminuída. Afirma que: “Há, contudo, a faculdade do devedor de propor ao credor a

83 OLIVEIRA, Anísio José de. A Teoria da Imprevisão nos Contratos. 3ª ed. São Paulo:

Universitária de Direito, 2002, p. 151.

84 KLANG, Marcio. A Teoria da Imprevisão e a Revisão dos Contratos. São Paulo: RT, 1983. p.

76 manutenção do pacto com uma contraprestação aumentada, para que o credor faça a opção entre aumentar sua prestação ou submeter o conflito de interesses à tutela jurisdicional”.

Karl Larenz reformulou essa teoria da base do negócio, pois ela seria gravemente perigosa para a segurança jurídica. Assim, disse que a teoria da base do negócio deve ser entendida em dois aspectos, o subjetivo e o objetivo. Segundo ele a base negocial subjetiva deve tomada em um sentido restrito, diminuindo a sua amplitude. A base objetiva seria caracterizada pelas circunstancias fáticas que pressupõem o próprio contrato, que se não existissem, a própria base subjetiva (representação mental), deixariam de ter sentido e objetivo. Há uma diminuição do papel da vontade, que diferentemente das outras teorias até então formuladas, não é mais absoluta. Segundo Paulo R. Roque A. Khouri85:

Ao contrário da base subjetiva, a base objetiva não tem como critério essencial para a sua identificação e relevância a vontade das partes, o que elas pensaram e aceitaram explícita ou implicitamente. As partes podem, inclusive, simplesmente nada ter pensado sobre o conjunto de circunstâncias, que são relevantes para o contrato, mas cuja alteração deve ser considerada juridicamente relevante para a consecução do fim contratual.

85 KHOURI, Paulo R. Roque A. A revisão judicial dos contratos no novo Código Civil, Código do

Consumidor e Lei nº. 8.666/93 – A onerosidade excessiva superveniente. São Paulo: Atlas, 2006, p. 19-20.

77 Clóvis do Couto e Silva86, diz que Larenz afirma: “[...] que o conceito objetivo da base do negócio jurídico se vincula com a finalidade real do contrato e procura responder à questão de saber se a intenção geral dos contratantes pode ainda efetivar-se, em face das modificações econômicas sobrevindas. Por isso, ela se vincula com a teoria da impossibilidade”.

Como não poderia deixar de ser, essa teoria foi criticada, acusada de ser muito ampla e pouco objetiva. Ela ainda se vale da vontade para encontrar uma solução para o problema da modificação superveniente das circunstâncias. Nas palavras de Menezes Cordeiro87:

No seu esquematismo claro, a construção de Larenz é pouco satisfatória, tendo merecido uma crítica generalizada. De entre as várias censuras que lhe têm sido dirigidas, salienta-se a principal: a ‘base objetiva’ só pode ser determinada com recurso ao próprio contrato, à sua interpretação e, logo, à vontade das partes, uma vez que a estas compete determinar o tipo de equivalência existente entre a prestação e a contraprestação e, de igual modo, firmar a margem do risco que considerem aceitável, enquanto que o escopo contratual é, por definição, função de cada contrato e das vontades nele corporizadas; na ‘base subjetiva’, o recurso a intenções e a pressuposições comuns das partes torna-se impraticável sem a introdução de critérios objetivos.

86 COUTO e SILVA, Clóvis V. A Teoria da Base do Negócio Jurídico no Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 655, p. 9, maio de 1990.

87 MENEZES CORDEIRO, Antonio. Da alteração das circunstâncias, separata dos Estudos em memória do prof. Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1997, p. 29 apud AZEVEDO, Antonio Junqueira

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Pode considerar-se que a construção de Larenz está abandonada na sua terra de origem.

A teoria, entretanto, foi adotada pela reforma de 2001/2002 do Código Civil Alemão, sendo o fundamento teórico da revisão contratual do § 313. O art. 437 do Código Civil Português de 1966 também foi criado sob forte influência dessa teoria reformulada por Larenz.

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