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Como já mencionamos algumas vezes ao longo do trabalho, o Direito Português possui uma excelente legislação revisionista, talvez a melhor do mundo.

Até o advento do Código Civil de 1966, Portugal não possuía legislação específica sobre o tema. Nem nas Ordenações do Reino de Portugal (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) e nem no Código Civil de 1867 (Código Seabra) havia qualquer previsão legislativa que possibilitasse a revisão ou resolução contratual por alteração superveniente das circunstâncias.

Esse primeiro Código Civil português de 1867, baseado no Código Civil francês trazia como princípio absoluto a irretratabilidade dos contratos, como dizia o artigo 702: “Os contratos, legalmente celebrados, devem ser prontamente cumpridos; nem podem ser revogados ou alterados, senão por mútuo consentimento dos contratantes, salvas as exceções especificadas em lei”.

183 Ainda assim, como ocorreu no Brasil, cita Menezes Cordeiro201, que parte da doutrina e da jurisprudência defendiam a aplicação de revisão ou resolução contratual no Direito Português. Este posicionamento iniciou-se a partir da 1ª Guerra Mundial, mas as divergências de julgamentos semelhantes eram muito grandes:

As primeiras decisões sobre o tema incluem-se num ciclo de alterações econômicas provocadas pela Guerra de 1914-18 e suas seqüelas. Em STJ 28-Nov.-1922, discutia-se o problema posto pela situação do arrematante do fornecimento de carnes ao Conselho de Almeirim, gravemente prejudicado por, estando preso a determinado valor acordado, não poder repercutir a alta do preço do gado. O Supremo, ponderando que a alteração dos preços já havia sido reconhecida por vários diplomas, entendeu ser a ruína financeira que ameaçava o fornecedor-R., para ele, força maior, revelando-o do incumprimento. Mas em STJ 30-Jul.-1926, uma questão praticamente idêntica teve solução contrária. Desta feita, o fornecedor de carnes ao Conselho de Elvas suspendeu os fornecimentos porque, perante uma subida de 50% do valor do gado, não chegara a entendimento com o Conselho para a revisão do contrato. O Supremo vem dizer: “Não o escusa o alegado caso fortuito ou de força maior, porque este só isenta da responsabilidade emergente da falta de cumprimento do contrato, quando impede esse cumprimento e não quando apenas o dificulta ou só o torna mais oneroso, que é a hipótese dos autos”. Abonando-se, ainda, numa citação de PLANIOL/RIPERT, acrescenta que não pode admitir-se a

201 MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e. Da boa-fé no Direito Civil. Dissertação

de Doutoramento em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 2ª Reimpressão, Coimbra: Almedina, 2001, p. 918-919.

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clausula rebus sic stantibus; de outra forma haveria

sempre alterações em perspectiva.

8.1.1 Código Civil de 1966

Não há dúvidas de que na legislação lusitana foi adotada a teoria da base do negócio, desenvolvida por Oertamann e aperfeiçoada por Karl Larenz. A codificação de 1966 possui grande inspiração na doutrina alemã, que à época, apesar de não possuir legislação específica sobre a revisão contratual, possuía doutrina muito vasta, baseada, principalmente na boa-fé objetiva, que foi adotada expressamente pelo art. 437 do Código Civil português, verbis:

1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

Observa-se que a resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente vagos e genéricos, para que no caso concreto, o tribunal possa, atendendo à boa-fé e à base do negócio, verificar a

185 necessidade, ou não, de revisão ou dissolução contratual. Os conceitos informadores do art. 437 são indeterminados, só podendo ser preenchidos em cada caso individualmente.

Para a aplicação do artigo é necessária a presença de alguns requisitos, como explica Pires de Lima e Antunes Varela202, que também já foram analisados no Capítulo V do presente trabalho:

a) Que haja alteração “anormal” das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar. É preciso que essas circunstâncias se tenham “modificado”. Esta providência não se confunde com a teoria do erro acerca das circunstâncias “existentes” à data do contrato, muito embora haja uma estreita afinidade entre elas (uma, relativa à base do negocial “objectiva”; a outra, assente na base negocial “subjetiva”). E, além disso, é necessário que a alteração seja “anormal”. Uma das circunstâncias relevantes pode ser a modificação do valor da moeda. A lei não exige, ao contrário do Código Italiano, que a alteração seja “imprevisível”, mas o requisito da “anormalidade” conduzirá quase aos mesmos resultados.

b) Que a exigência da obrigação à parte lesada afecte gravemente os princípios da boa-fé contratual e não esteja coberta pelos riscos do negócio, como no caso de se tratar de um negócio por sua natureza aleatória.

Não exige a lei que os contratos tenham prestações correspectivas. Pode tratar-se, assim, dum contrato unilateral, como uma doação, um depósito gratuito, um mandato gratuito, etc.

202 PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA. Código Civil Português Anotado. Volume I. 4ª ed.

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Não importa também que a prestação deva ser feita periodicamente ou por uma só vez, isto é, que se trate de um contrato de execução continuada ou periódica, ou de execução diferida. O que é necessário é que o contrato não seja de execução imediata, que alguma das prestações deva ser realizada no futuro.

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