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2. Expressões da crise no capitalismo contemporâneo

2.5 As tendências do debate sobre os direitos no Brasil: o constitucionalismo democrático

2.5.2 Direito alternativo: o debate jurídico brasileiro

Este crescente processo de normatização da vida jurídica nas diversas esferas da vida social, que tem se constituído como movimento “de retorno ao direito”, também tem mobilizado intelectuais e agentes do direito no Brasil em torno

de uma proposta jurídica alternativa que possa ir de encontro à racionalidade estratégica e instrumental do positivismo jurídico burguês.

Denominado de “direito alternativo” duas correntes destacam-se no campo jurídico brasileiro: uma designada de “uso alternativo do direito” que se propõe a flexibilizar o arcabouço legal jurídico e outra que se intitula também alternativa, só que sugerindo uma radicalidade no campo normativo vigente, com a substituição e/ou constituição de um novo direito, nomeado de “insurgente” ou “achado na rua”. Explica Ricardo Guanabara,

[...] O direito alternativo no Brasil, busca de certa forma, uma subversão do ordenamento jurídico existente, seja a partir de dentro do Estado, seja a partir de fora, com a mobilização de setores organizados da sociedade. Assim, a proposta do “uso alternativo do direito”, de reconhecida influência européia, parte da própria prática judicial e coloca a magistratura no centro do movimento. Vários magistrados utilizam-se do direito oficial vigente para colocar a Justiça “ao lado dos oprimidos”. A segunda perspectiva, de matriz latino-americana, coloca não os juízes, mas as próprias comunidades como atores principais na luta pelos seus direitos, reivindicando um maior grau de educação para os segmentos populares para que possam demandar soluções para seus problemas (1996, p. 01).

Tomarei como referência para estudo, o uso alternativo do direito. A perspectiva apontada se fundamenta a partir de princípios democráticos e através do apelo a uma atitude pluralista reclamada por magistrados que buscam superar as estreitas e tortuosas dimensões da ortodoxia e dogmática jurídica, colocando o aparato normativo e o direito vigente a serviço de uma sociedade mais justa e comprometida com a emancipação dos trabalhadores.

Tecendo uma apropriada crítica a estrutura jurídica enquanto fenômeno ideológico e a serviço da classe dominante, o defensores do uso alternativo do direito, negam a validade indiscriminada da lei, sobretudo se elas expressarem injustiças flagrantes. Propõe que ela [a lei] seja um referencial concordante com os princípios norteadores universais da humanidade, como o são os direitos que

defendem a vida, a liberdade, a igualdade, etc. Se uma lei agrava tais princípios sua nulidade deve ser considerada pelo agente da lei, de maneira especial, pelo juiz, que ao dispor do aparato jurídico positivado deve recorrer as “[...] contradições, ambigüidades e lacunas do direito legislado, sob uma ótica democratizante com vistas a buscar [...] espaços que possibilitem o avanço das lutas populares e permitam uma democratização das normas” (CARVALHO, 1993, p. 11).

A concepção norteadora desta perspectiva alternativa do direito recusa a suposta neutralidade do direito positivo e de uma idéia de justiça descomprometida com as classes subalternas. Defende o acesso à justiça como forma de democratização do Estado para que este possa estabelecer condições reais de efetivar direitos, realizando a cidadania em sua plenitude. De acordo com Tarso Genro, defensor desta proposta alternativa do direito, o seu uso faz parte de um,

[...] ato de construção de valores que já estão postos pela história no sentido da afirmação da liberdade humana, do direito à vida, da luta pela repartição do produto social, pela redução da desigualdade e pela defesa do produto do homem, preservando-lhe o ambiente e a natureza (1996, p. 26).

Neste sentido, o uso alternativo do direito não descarta os valores constitutivos dessa sociabilidade, ao contrário, reclama a construção de uma dogmática jurídica que potencialize os valores libertários e comunitários circunscritos na Constituição, alargando assim, os aparatos normativos legais que possibilitem concretude a tais valores, segundo o entendimento de que é em si mesmo, a melhor opção para se construir um sistema jurídico verdadeiramente democrático, portanto, capaz de produzir um bom direito, que ofereça a todos uma vida mais justa e civilizada.

É importante referir que uma certa leitura de Gramsci no Brasil, tem estimulado os operadores jurídicos a refletir e tematizar sobre o uso alternativo do direito, sobretudo quando se pensa na possibilidade de se construir um novo

fundamento ético-político que regule socialmente o mundo em processo de emancipação. Categorias gramscianas como “intelectual orgânico”, “guerra de posição” e “hegemonia” são largamente utilizadas para fundamentar o arcabouço teórico desta perspectiva alternativa do direito. O representante mais importante no Brasil, desta concepção teórica sobre o direito, explica:

[...] O que nos parece fundamental é indagar sobre a estratégia geral de intercâmbio social concebida por Gramsci, aceitando-a enquanto processualidade dentro da qual a instância jurídica, aqui definida como conjunto de operadores jurídicos e Instituições jurídico- políticas, tem papel não negligenciável nas lutas construtivas de democracia e de transição ao socialismo, enquanto co-constituinte de relações sócio-culturais umbilicalmente articuladas com a questão da explicitação da cidadania, sinônima de democracia (ARRUDA JÚNIOR, 1995, p. 31).

Esta tendência toma como pressuposto, o entendimento de que o terreno da cultura se constitui no lócus privilegiado para a deflagração de ações que visem o controle ou a negação de qualquer poder estabelecido, exercido este em nome da democracia ou de um projeto autocrático. Para os defensores do uso alternativo do direito, o jacobinismo não é, em absoluto, a estratégia mais contundente para a conquista/manutenção do poder em sociedades modernas. Desta forma, aceita-se como válida a proposta do “reformismo-revolucionário” de Carlos Nelson Coutinho, cunhada para designar o caráter processual da estratégia revolucionária. Explica Arruda Júnior (idem; p. 32), “[...] ela é extremamente oportuna e rica para a artesania dos canais institucionais de mediação social, base e expressão de democracia, visualizada enquanto método e projeto-fim e não projeto-meio”.

A “guerra de posição” é tomada como a busca de ampliação dos espaços hegemônicos, que deve ser articulada através da luta política em várias frentes, envolvendo trabalhadores os mais diferenciados, notadamente grupos sócio- profissionais comprometidos com pautas políticas voltadas para um projeto emancipador. Esta escolha exige a compreensão do conceito de “intelectuais

orgânicos” proposto a partir de Gramsci (relido nas teses do uso alternativo do direito, por Poulantzas) que o define como “representante da hegemonia”, ou seja “[...] aquele que assegura o consenso idelológico da massa em torno do grupo dirigente, que serve de elo entre a superestrutura e a infraestrutura” (MALISKA, 1995, p. 80).

Sendo assim, para o movimento do uso alternativo do direito é fundamental o papel do operador jurídico como intelectual orgânico, uma vez que sua prática politizada pode ser favorecedora no rompimento de dogmas estabelecidos pelo direito positivo, dirimindo as discrepâncias entre o mundo jurídico e os problemas sociais, sobretudo “[...] tentando transformar um dos mais eficazes aparelhos ideológicos e repressivos do Estado, o Poder Judiciário, num mecanismo que contribua para construir a democracia e a emancipação” (ANDRADE, 1995, p. 131).

A julgar pelo caráter extremante conservador, burocrático e anti-democrático das instituições brasileiras, que na maioria das vezes não salvaguarda os direitos consagrados na Constituição Federal, antes, toma a democracia como algo formal diante da manipulação ideológica dos dirigentes políticos; talvez nessa medida, o movimento do uso alternativo do direito considere fundamental investir em soluções que impliquem no real impedimento da reprodução dessa lógica, apostando no modelo reformista-legal das lutas institucionais e no potencial da racionalidade jurídica como instrumento de transformação.

III C

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ULTURA DE DIREITOS E SERVIÇO SOCIAL:

TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS

“É preciso acumular força com a crítica. A história dos nossos desastres não começou ontem. Esse país tem cinco séculos de existência. a dívida social não se salda em um ou outro governo, é uma tarefa de geração. Nós temos que ser uma ponte para o futuro”.

José Paulo Netto – 2005.