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2. Expressões da crise no capitalismo contemporâneo

2.4 O compromisso das classes na luta pela democracia

Neste período, a presença das classes se movimenta no próprio seio da autocracia, afirmando os compromissos de luta pela democracia, advindos do período anterior ao golpe. A resistência, bem ou mal, de ativistas sindicais, operários, trabalhadores rurais, estudantes e intelectuais, promoveu uma atmosfera ideológica no país incompatível com o status quo, irreverentemente crítica, criativa e combativa, o que se traduziu em força material indispensável e determinante para o momento posterior de restauração pró-democrática no país. Elucida mais exatamente Mazzeo,

memória das classes subalternas, que apareceriam como impotentes e incapazes de reivindicar seus direitos elementares por si sós”.

60 Diz Wanderley Guilherme dos SANTOS, em Cidadania e Justiça, (1987, p. 74) “[...] Por

cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal”.

[...] como um elemento contraditório a mais, o padrão de acumulação engendrada no período 1962-1974 possibilitou o desenvolvimento de um proletariado moderno e, particularmente, de uma classe operaria com um poder de reivindicação maior, que acaba por operar, com as mobilizações sindicais realizadas no final dos anos 70 (MAZZEO, 1999, p. 145).

Como analisado anteriormente, a crise do padrão de desenvolvimento por que passa o capitalismo do segundo pós-guerra, que salta aos olhos do mundo e espelha-se no movimento de 68, gestou-se enquanto condição histórica propícia para que o protagonismo da classe trabalhadora se fizesse aparecer no cenário internacional, registrado através das variadas expressões de organização da luta em favor dos sujeitos sociais mais vulneráveis (mulheres, negros, jovens, emigrantes, etc.), por reivindicações de direitos emergentes e pelo combate das amarras imperialistas ditatoriais. Conforme relembra Netto,

[...] aqueles movimentos punham em questão a racionalidade do Estado burguês, suas instituições e, no limite, negavam a ordem burguesa e seu estilo de vida; em todos os casos, recolocavam na agenda as ambivalências da cidadania fundada na propriedade (privada) e redimensionavam a atividade política, multiplicando os seus sujeitos e as suas arenas (2005, p. 07).

Assim, nos circuitos político-culturais progressistas, a resistência democrática cada dia crescia mais, formando uma massa crítica e um novo pensamento social de oposição com inspiração de esquerda e intencionalmente marxista, sobretudo nos espaços acadêmicos.

Porém, é importante também lembrar, que a atuação da esquerda no Brasil, sobretudo, antes de 64, era anêmica em matéria de organização da luta de classes. O grande ícone político da esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), defendia a estratégia de conciliação de classes, inclusive com a formação de

grandes alianças com a burguesia nacional, com objetivos claros de conservar a luta dentro dos limites das reivindicações democráticas. Esta tendência, aliás, tão difundida pelo PCB, tornou-se a própria expressão ideológica da esquerda61 naquele

momento.

Esta observação é importante, apenas para lembrar que o movimento que impulsionou as aspirações da esquerda no pós-64 – e em outros tantos momentos da história do país – se explicitou, tão somente em uma defesa democrática radical, abertamente contra o facismo da ditadura e suas estratégias autoritárias, isto porque já era visível a ausência de um acúmulo teórico do pensamento marxista no Brasil, o que ocasionou um enquadramento político-ideológico da esquerda com irreparáveis implicações táticas e estratégicas. Diz José Paulo Netto,

[...] a freqüente utilização de versões políticas particulares da tradição marxista para legitimar uma prática determinada (nomeadamente o confronto armado com a autocracia) fez do referencial teórico derivado de Marx um repositório de citações e fórmulas rituais. Se for verdade que protagonistas dessa quadra dramática da vida brasileira, sobrevivendo à guerra de extermínio que lhes moveu a ditadura, ulteriormente puderam realizar aportes teóricos e críticos de valia, é igualmente verdadeiro que nestes segmentos da esquerda generalizou-se uma cultura marxista de pacotilha, no seio da qual a petição voluntarista e praticista gestou um simplismo intelectual que se mostra inteiramente vulnerável a qualquer antagonista medianamente informado (1994, p. 110).

Exemplo maior é o protagonismo do Partido dos Trabalhadores (PT), que carregado de força simbólica, se constitui a partir da necessidade sócio-histórica de reconstrução do regime democrático no país, transformando-se em um partido de

61 De acordo com Werneck VIANNA, a linha política da esquerda colocava-se, “[...] a reboque

da burguesia [o PCB] era uma organização deletéria, uma submissão ao revolucionarismo inconseqüente de caudilhos pequeno-burgueses” (1992, p. 52). Para MAZZEO, “[...] O PCB procurará reforçar a imagem de partido da ordem e da tranqüilidade [...] o eixo de ação era permeado por um politicismo taticista, que privilegiava a unidade ampla para a consolidação da democracia, por meio de uma luta “ordeira e pacífica” (1999, p. 73).

coalizão com forte fascínio e poder de persuasão entre os trabalhadores, os intelectuais orgânicos e a massa da população, reivindicando a si a tarefa de organizar o consenso em torno de um projeto que se intitulasse classista, levando a reboque um contingente de aliados e simpatizantes. Abrindo-se assim, uma temporada de utopias.

De fato, os componentes histórico-políticos que movimentaram o cenário social brasileiro naquele momento, pareciam conduzir o PT como o porta-voz da classe trabalhadora em torno da reconstrução democrática do Brasil e do que foi denominado de “nova esquerda”. No seu período de constituição, a tônica do partido girava em torno de tendências socialistas com forte influência do cristianismo radicalizado com base na teologia da libertação, demonstrando já uma clara convergência com a esquerda reformista, ainda que utilizando um discurso de bravatas dos tempos da resistência. Inicialmente compunham nas resoluções oficiais do Partido, teses do tipo:

[...] é impossível supor alianças estratégicas com a burguesia e com as forças políticas que sustentam a dominação e a hegemonia da classe burguesa e a perpetuação do sistema capitalista [...] as alianças da classe trabalhadora com a burguesia só favorecem os interesses desta, e atrasam ou impedem o avanço da organização daquela, bem como o caminho para o socialismo (1986, p. 253).

O PT afirma-se como alternativa de democratização real para os trabalhadores, portanto como partido de luta a favor da liberdade, da autonomia e dos direitos sociais, voltado para conquista do poder político e a construção de um governo dos Trabalhadores62. Com base em princípios socialistas, defendia o fim da

62 Conforme Frederico José FALCÃO, em “As Ligações Perigosas”: O Serviço Social e o

Partido dos Trabalhadores da crise do regime militar ao governo Lula da Silva”, 2006, p. 134, X ENPESS, [...] estas bases programáticas e organizativas conformariam, a partir de então, o que se poderia denominar de “imaginário político” do PT. Com elas, o Partido conseguiu atrair a simpatia de muitos dos que atuavam nos movimentos organizados. Naquele momento, diversos setores sociais construíam ou reconstruíam instrumentos para a conquista de suas reivindicações. Funcionários públicos criam associações e, posteriormente sindicatos desvinculados do Estado e com ampla

opressão do homem e a construção de uma sociedade democrática e solidária com as classes subalternas oprimidas e os trabalhadores explorados do mundo.

Por conseguinte foi esse mesmo clima político e movimento cultural o qual marcou a origem do PT, que alimentou ideológica e politicamente consideráveis segmentos profissionais, fazendo com que várias profissões também passassem a promover certa contestação de suas práticas profissionais, a exemplo das Ciências Sociais, da Pedagogia e de maneira especial, do Serviço Social. Ao fazerem uma revisão crítica de seus projetos profissionais, questionam, portanto, o funcionalismo, o positivismo e o pragmatismo superficial que as impregnavam.

Portanto, esse processo, rico em contradições e com particularidades que já foram exaustivamente aprofundadas na literatura sociológica e política do Brasil, sinaliza para o fato de que a composição da dominação burguesa no país, sempre matreira e afinada com as mudanças do capitalismo mundial, tem forjado a cada tempo histórico, bases políticas com elementos anti-reformadores, que lhes permite a manutenção do poder e a visibilidade na política nacional, ainda que para isso tenham que reconfigurar-se, numa espécie de “transformismo”, para construírem novos blocos hegemônicos.

2.5 As tendências do debate sobre os direitos no Brasil: o constitucionalismo