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1.1 OS DELINEAMENTOS INICIAIS: PERSONALISMO JURÍDICO

1.1.2 Direito de Supremacia

Mantidas as premissas anteriormente expostas, especialmente a que se refere à teoria geral do direito – que avoca a imprescindibilidade de dois sujeitos ‘de direito’ para a perfectibilidade da relação jurídica – e, também, a da completude do Estado, são esboçadas as premissas acerca do direito de supremacia.

Refutação teórica inicial imprescindível para a compreensão do direito de supremacia é a erigida pelos contratualistas, neste específico, em relação à soberania popular e a teoria da representação. O povo, que, para fins de direito, não é dotado de personalidade jurídica nem tampouco se pode personificar senão no próprio Estado, não pode, outrossim, ser titular de qualquer direito enquanto ‘povo’. Certo de que aquele que nada possui nada pode ceder/transmitir, não há que se falar, para Romano, consequentemente, em soberania popular69.

Trata-se, por conseguinte, de direito público daquele cuja participação para caracterizar este último como tal faz-se imperiosa: o Estado.

O Estado, pois, na condição de pessoa jurídica, ao realizar, através de seus órgãos/ofícios administrativos – que não constituem pessoas jurídicas autônomas – as atividades a estes últimos inerentes, cria/mantém não uma relação de superioridade/supremacia, mas de delimitação de competência. Ou seja, os órgãos da administração direta, por agirem conforme a finalidade do próprio Estado, atuam com parcela de competência por este definida e não constituem, assim, relações jurídicas outras porquanto inexistente a premissa de pessoas jurídicas.

69 Duguit apresenta, em similitude crítica, embora de forma mais esmiuçada no

tocante à soberania, os elementos analisados por Romano, nesse sentido vide 2.2.2 do presente trabalho.

Entretanto, grupos coletivos – pessoas jurídicas – que possuam interesses próprios no exercício de algumas funções públicas poderiam vir a ser constituídas/reconhecidas pelo próprio Estado. Enquanto pessoas com finalidades próprias – que não a do próprio Estado –, mas no exercício de funções públicas, seriam constituídos os corpos autárquicos da administração indireta.

O Estado pode, consequentemente, no que pertine às relações dos corpos autárquicos com seus membros singulares, e, inclusive, com corpos autárquicos menores, conceder direitos próprios de supremacia a serem por estes exercidos70.

Ou seja, considerado sempre o Estado enquanto totalidade – grande edifício – não se pode atribuir a soberania à pessoa outra que não a ele próprio e, assim, quando diante dos corpos autárquicos que integram o Estado e exercem finalidades públicas, estes ‘repetem’ tão somente a soberania apenas em relação às pessoas físicas e aos corpos autárquicos menores a eles subordinados; jamais, porém, em relação ao próprio Estado.

Nesse sentido, afirma tratar-se a soberania71 de elemento

indissociável; pressuposto necessário de existência do Estado:

70 Cf. ROMANO, 1897, p. 38-39. Esclareça-se, nesse sentido: “Senonchè può darsi il caso che lo Stato conferisca ad una persona collettiva, alla quale appartenga un numero più o meno stesso dei suoi sudditi, il diritto subbiettivo di esercitare, nell’interesse dell’ente medesimo, alcune funzioni pubbliche. Quando tale concessione avviene, allora siamo in presenza di quelli che comunemente sogliono denominarsi corpi autarchici […] Questi, da un lato, debbono sempre considerarsi come parte del grande edificio dello Stato, in quanto che esercitano funzioni statuali e sono dotati d’imperium statuale: senonchè, per il fatto che a tale esercizio essi hanno un diritto subbiettivo che conferisce loro la qualità di persone giuridiche pubbliche, non possono rientrare nel concetto d’amministrazione diretta dello Stato, ma in quello di amministrazione indiretta”.

71 Vide, por elucidativa, quando do discurso de inauguração do ano acadêmico da

Universidade de Pisa 1890/1891, a esclarecedora lição de CODACCI- PISANELLI, Alfredo. Scritti di diritto pubblico. Castello: S. Lapi, 1900, p.145: “Il concetto giuridico formale della sovranità dello Stato è al di sopra d’ogni

dissenso. Esso non preclude la via ad una discussione diversa; la quale può essere sociologica o politica. Sociologica quando tenda a stabilire quali elementi sociali si fanno, nei diversi casi, valere in quella forma giuridica che è lo Stato. Politica quando voglia ricercare per un dato paese il miglior modo di distribuzione della sovranità. Ma qualunque sia il risultato cui queste discussioni possono condurre, esso non infirmerà mai il valore di quello cui condusse l’indagine giuridica. Comunque costituito, sovrano sarà sempre lo Stato.

E basta considerar a índole, a natureza, a definição mesma do Estado para concluir a mais óbvia consequência de que este, antes de tudo, detém o direito à obediência das pessoas que a ele estão sujeitas/subordinadas. Tal direito, que a todos os outros compreende e absorve, é o pressuposto necessário, a condição indispensável da existência do Estado mesmo, do seu, por assim dizer, funcionamento. Isso que, em outros termos, é o direito de soberania, está de tal forma implícito na ideia de Estado que a qualquer um parece ser inútil coloca-la em evidência e fazê-la objeto de uma teorização especial.72

Ocorre que – e esta é sem dúvida alguma, senão a maior, a mais marcante qualidade do jurista italiano –, para além de ater-se ao concreto, afina-o com esmiuçada análise jurídica por vezes inovadora, pelo que a soberania, como elemento jurídico, é submetida ao crivo crítico aliada ao desprezo seletivo já outrora registrado73.

Nessuno in un paese che ha sempre aspirato alla libertà potrà supporre che chi sostiene il concetto giuridico della sovranità politica nasconda intenzioni antiliberali. È, anzi, il desiderio della libertà vera e reale che fa sostenere questo concetto, la cui esattezza appare più chiaramente che altrove in uno Stato libero moderno, nel quale, eliminata ogni tendenza alla impossibile e pericolosa concentrazione della sovranità nelle mani di un solo, le attribuzioni in essa contenute furon distribuite tra diverse autorità coordinate tra loro. Nessuna parte della piramide politica, comunque la si disegni e rigiri, assorbe più tutti i diritti della sovranità, la quale si è diffusa in modo che nessuno può più pretenderne il monopolio”.

72 ROMANO, op. cit., p. 39-40. Do original: “E basta guardare un poco all’indole, alla natura, alla definizione stessa dello Stato, per trarne la assai ovvia conseguenza che esso anzitutto ha il diritto all’obbedienza delle persone che gli sono sottoposte. Tale diritto, che tutti gli altri comprende ed assorbe, è il presupposto necessario, la condizione indispensabile dell’esistenza dello Stato medesimo, del suo, per dir così, funzionamento. Esso che, in altri termini, è il diritto di sovranità, è così implicito nell’idea di Stato che a taluno è sembrato perfino inutile il metterlo in evidenza e farne obbietto di una speciale teorica”. 73 Neste sentido, registre-se a análise histórica realizada pelo jurista italiano

acerca dos institutos assimilados à soberania, seja no direito romano, no que pertine ao instituto da professio compreendida não como corolário de uma obrigação contratual típica do direito privado, mas como elemento dotado de poder e cuja sanção era plenamente verificada, seja através da deminutio capitis,

Logo, sem rejeitar o conceito, sob pena de colocar em dúvida a base jurídica do Estado, Santi Romano parte da justificação potestativa da soberania como elemento adquirido da natureza mesma do Estado, é dizer, como força. Porém, enquanto força, abstratamente concebida, restaria implícita, ao menos potencialmente, a inexistência de limites; consequentemente: força potestativa fática ou mera força brutal.

O direito, que por definição não existe se inexistente um seu limite, seria, portanto, incompatível com a ideia de soberania, do que decorre, de forma conclusiva, que a força a que se refere a soberania é, essencialmente, “força do direito”74 e, por corolário, delimitada.

Inerente relação com a teoria dos direitos públicos subjetivos guarda a questão da soberania do Estado, à medida em que consideradas as relações jurídicas. É dizer, conforme já exposto, não apenas quando diante do status subjectionis na condição de ter impostos deveres pelo Estado, mas também quando o Estado atua de forma positiva – alargando ou criando a esfera de direitos individuais –, os cidadãos, pessoas jurídicas privadas e corpos autárquicos, na condição de sujeitos de direito,

seja ainda através da renditio trans Tiberim. Analisa, também, a teórica do surgimento reflexo baseado no direito da família, considerado o soberano como

pater famílias. Cf., ROMANO, op. cit., p. 45: “Ciò pertanto è vero solo parzialmente. Certo noi non vogliamo dubbitare della verità di quelle recenti ricerche sociologiche, secondo le quali l’origine degli Stati dovrebbe ricercarsi appunto nelle prime associazioni familiari ; non vogliamo nemmeno negare, riguardo al diritto romano, che esso, frutto di un’evoluzione giammai interrotta, portò sempre in sé le traccie delle istituzioni precedenti e perciò anche delle familiari ; ma crediamo ciò nonpertanto che il valore grandissimo di siffatte verità sia semplicemente storico e sociologico, se cosí piace. Quando noi vogliamo studiare dal punto di vista del diritto vigente il rapporto di sudditanza e indagare la sua indole giuridica, è vano ricorrere a delle analogie che indubbiamente esistono, ma che lungi dal condurre a pratiche conseguenze impediscono la visione netta e limpida del rapporto medesimo.”

74 Ibid., p. 40. No original: “Senonchè lo Stengel ha recentemente osservato come impropriamente si dia il nome di diritto a questa, per dir così, supremazia dello Stato. Questo, egli dice, non acquista la sua sovranità sul fondamento di un precetto giuridico, ma per la sua stessa natura: esso si presente innanzi tutto come forza. Il combattere un cosifatto sofisma ci trarrebbe molto lontano. Ma per avventura noi crediamo che, nelle attuali condizioni della scienza, non possano mettersi più in dubbio le basi giuridiche dello Stato. Se questo appare, innanzi tutto, come forza, egli è certo che tale sua forza è appunto quella del diritto”.

vivenciam similarmente, de forma implícita, o comando a terceiros no respeito e observação aos referidos direitos.75

Ou seja, ainda quando diante de prestações positivas pelo Estado realizadas, há a prevalência da força do direito no que tange à observação destes direitos individuais pelos demais indivíduos; há aí também a soberania como relação jurídica devidamente conformada.

Tanto verdadeiro que, refutando novamente a teoria contratualista e a compreensão dos direitos e deveres enquanto correlação, desnatura o jurista a percepção negativa dos indivíduos de submeterem-se todos ao abstrato e metafísico poder do Estado, segundo o qual, em fazendo-o, receberiam, desta feita, as prestações positivas enquanto cidadãos de uma coletividade.

Bastaria, em tal contexto, o não adimplemento pelo Estado de quaisquer destas prestações para que os súditos se negassem, legitimamente, ao cumprimento dos deveres respectivos, afinal:

O direito público tem sua razão de ser bem mais alto: ela repousa sobre o interesse do Estado, não se trata de uma concessão piedosa ou de uma generosa liberalidade, mas de uma necessidade sentida principalmente a partir do/pelo próprio Estado.76

Afastam-se, da mesma forma, as associações doutrinárias que buscam assimilar a soberania aos institutos do direito privado. Estas, que buscam, regra geral, na assimilação ao poder familiar exercido pelo varão, projetariam-se, consequentemente, em esferas maiores e.g. o príncipe como pater famílias do seu povo, e possuiriam também valor sociológico, filosófico, etc.; não, porém, valor jurídico.

Já as associações de direito privado apareceriam, consoante o jurista italiano, como modelos que, historicamente, modelaram e conceberam o Estado – formas primordiais do Estado77;

75 Id., loc. cit.

76 Ibid., p. 42. Do original: “Il diritto pubblico invece ha la sua ragion d’essere ben più in alto: esso riposa sull’interesse stesso dello Stato, non è una pietosa concessione o una generosa liberalità, ma una necessità sentita principalmente dallo Stato”.

77 Ibid., p. 46. No original: “Certo anche qui delle analogie se ne possono, sottilizzando, trovare ma ci sembra del tutto erroneo il dar loro tanta importanza da creder possibile una ricostruzione, in base a tali concetti, del diritto pubblico,

consequentemente, ilógico restaria retornar à fundamentação anteriormente esboçada.

Pontua, pois, que a ‘subordinação’ seria uma espécie de direito sui generis na medida em que apresenta o súdito ora como objeto da soberania tão somente no que concerne a algumas relações, fora das quais, então, retornaria à condição de sujeito – direitos reflexivos78.

Distingue, nessa perspectiva, o dever de obediência geral cuja observância imperiosa afeta a todos os súditos e aquele cuja observância se aplica somente aos súditos que passam a integrar os órgãos constitucionais do Estado – consoante explicitado adiante. Quanto a estes segundos, importa registrar a percepção de que devem observar os preceitos já devidamente traçados, mas que, entretanto, devem ter como matriz direcionadora “sempre o maior bem do Estado”79; logo, os súditos

detentores de poder discricionário – e inclusive as autarquias – possuem, sobretudo um dever, que é o interesse do Estado80.

Neste peculiar, a compreensão do direito quanto aos súditos torna- se clara na medida em que postula – diante da refutação de que a todo o dever corresponde um direito – a especificidade lacunar quanto a determinados ‘súditos’ que, em descumprindo determinadas orientações – e.g. o rei que se recusa a promulgar uma lei sancionada –, não lhes

che si vorrebbe far divenire parte di un generale diritto corporativo o associativo, che dir si voglia (Genossenschaftrecht).”

78 Ibid., p.48.

79 Ibid., p. 50. Do original: “[Allora, oltre l’immancabile dovere d’ubbidire, essi hanno, secondo noi, l’altro dovere, così importante, di procurare] sempre il maggior bene dello Stato”.

80 Esclarecedora, nesse sentido, a totalidade do pensamento naquilo que pertine à

abordagem do interesse do Estado; vide Id., loc. cit.: “Allora, oltre l’immancabile

dovere d’ubbidire, essi hanno, secondo noi, l’altro dovere, così importante, di procurare sempre il maggior bene dello Stato. Tale obbligo, naturalmente può riscontrarsi, non già quando la loro condotta è tracciata, totalmente e rigorosamente, dalle leggi e dai regolamenti, sulle cui rotaie essi debbono muoversi, nel qual caso essi non fanno che ubbidire ad espliciti precetti, ma quando sono loro conferiti dei poteri discrezionali. Nei limiti di questi, i pubblici funzionari e i corpi autarchici possono liberalmente muoversi, ma loro stella polare, loro punto d’orientamento dev’essere sempre il bene dello Stato. Per modo che il potere discrezionale, sulla cui nozione dovremo, per quanto brevemente, insistere appresso, è innanzi tutto un dovere, tanto più grave, quanto più indeterminato e complesso nel suo contenuto, che non si lascia specializzare ed esprimere altrimenti che con la parola «interesse», dello Stato”.

restariam ações respectivas a serem tomadas pelo próprio Estado, não obstante a existência – própria – do direito81.

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