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1.1 OS DELINEAMENTOS INICIAIS: PERSONALISMO JURÍDICO

1.1.1 Direitos Subjetivos e o Estado

Esta incapacidade de dissociar por critérios outros que não o de direitos públicos versus direitos privados, típica do movimento revolucionário francês, acarreta, para além da inexata conceituação do Estado, a confusão (falta/ausência de compreensão) acerca da classificação dos próprios direitos públicos, equívoco no qual sequer61

Hauriou conseguira não incorrer ao realizar a distinção dos direitos públicos62.

Não apenas a premissa da soberania é avocada aqui como elemento caracterizador do Estado e, além, do direito público, como dela também decorrem, por necessário, as relações dos indivíduos na condição de pertencentes/titulares de direitos, é dizer, dos direitos subjetivos. Assim, a soberania seria também o elemento caracterizador negativo do Estado no sentido de se lhe exigir, o indivíduo, prestações positivas63.

Importa registrar que Romano utiliza-se, não sem antes submetê- la à severa crítica, dessa classificação para o aperfeiçoamento, então por ele realizado, quando da teorização da presente obra.

Assevera, nesse sentido, que a distinção utilizada por Hauriou64,

para além da inexatidão da terminologia – ao confundir indiferentemente

61 Limitou-se aqui, na seara dos direitos subjetivos, a apresentar as críticas

pontuais erigidas por Romano em relação a Hauriou, essencialmente para fins metodológicos. É, entretanto, analisada de forma um pouco mais esmiuçada – em perspectiva comparativa – a teoria de Hauriou em algumas de suas variantes no segundo capítulo do presente trabalho; vide 2.2.1.

62 Cf. HAURIOU, Maurice Précis de droit administratif : contenant le droit

public et le droit administratif. 2. ed. Paris: L. Larose & Forcel éditeurs, 1893.

63 Vide ROMANO, 1898, p. 22.

64 HAURIOU, op. cit., p. 79-80. No original, afirma que “Les droits publics sont les droits reconnus à l’individu vis-à-vis de l’État et garantis par l’ensemble de la Constitution. Leur nombre et leur qualité varient avec l’état social. Nous n’avons à nous occuper ici que de la législation française actuelle. Le non des droits publics leur a été donné dans le charte de 1814, ils l’ont gardé depuis ; quant à leur liste, on la trouve dans célèbre Déclaration des droits de l’homme des 3-14 septembre 1791. On peut dire que ce texte est encore en vigueur ; en effet, la constitutio du 25 février 1875 ne parle pas des droits publics ; comme elle n’a certainement pas eu l’intention de les supprimer. Il faut admettre qu’elle s’en réfère ici à la constitution précédente, celle du 14 janvier 1852, qui elle, dans son art. 1er, contient un renvoi formel à la Déclaration de 1791. Nous

donnerons plus tard la liste complète des droits publics, pour le moment, remarquons qu’on peut les diviser en trois groupes: 1º Le groupe des droit

direitos políticos e direitos civis que, para Romano tratam-se da mesma categoria de direitos –, incorre também na “bizarra”65 classificação

francesa erigida da fórmula liberté, fraternité, égalité.

Nesse sentido, ao dividir os direitos em três classes, a saber: (I) direitos políticos ou civis; (II) direitos de liberdade; e (III) direitos ao serviço do Estado, Hauriou teria inserido suas duas primeiras classes na palavra (conceito) liberté e a terceira classe na palavra (conceito) fraternité. Não restando, conforme Romano, pela vacuidade da classificação, uma classe a inserir na palavra (conceito) égalité, inseriu- se, forçosamente, o princípio segundo o qual todos os homens são iguais diante da lei.

O legislador ‘iluminado’, por conseguinte, consoante a equivocada tradição, seguira a distinção entre direitos públicos e privados designando a estes últimos como os direitos civis e àqueles como direitos políticos.

Utiliza-se, assim, da teoria exposta por Jellinek acerca do status66 compreendido esse em paridade à tradição romana para, então, refutada, explicitar o que seriam os direitos. De forma sucinta: o status subjectionis que pertine ao súdito em relação de dever e acatamento à vontade soberana do Estado. Tal status é comparado, por Romano, ao instituto já então extinto do direito privado de servidão pessoal e que, mais, conforme já exposto quando da crítica à tradição germânica, capta o cidadão

constitution et au fonctionnement de l’État lui-même ; le principal de ces droits est le droit de suffrage; 2º Le groupe des libertés, qui donnent à l’individu le droit d’exercer librement en tout sens sa propre activité, liberté de conscience, liberté du travail, liberté de la propriété, etc.; 3º Le groupe des droits aux services de

l’État ou bien aux bénéfices de la loi, dont les plus intéressants par les questions

qu’ils soulèvent sont les droits à l’assistance".

65 Cf. ROMANO, 1897, p.28. Do original: “È cosa però assai bizzarra e che dimostra la tenacia dei Francesi nel tenersi stretti a metodi e ad idee presso di noi tramontare, anche da parte di coloro che più di tutti mostrano di volersene emancipare come l’Hauriou, il fatto che una tale classificazione sia stata, non diremo desunta, ma suggerita e, fino ad un certo punto, adattata alla celebre formula: liberté, fraternité, égalité”.

66 Limitou-se aqui, novamente, a apresentar as críticas pontuais realizadas por

Romano, conforme os fins teóricos por ele pretendidos. Para fins metodológicos, optou-se por preservar os elementos apresentados por Romano, muito embora a análise acerca da teoria dos status tenha sido retomada no segundo capítulo do presente trabalho; vide 2.1.1. Veja-se, ainda, para uma análise direta, mais aprofundada, JELLINEK, Georg. Teoria general del Estado. México: FCE, 2000, p. 378 et seq.

enquanto objeto e não sujeito de direito – o que é incompatível com o direito.

Porém, Jellinek apregoa que o status subjectionis não se estende a todo o campo de atuação dos súditos, pelo que há também a coexistência de uma esfera livre de ação do indivíduo sujeita tão somente à sua própria vontade – no sentido propriamente negativo de que o Estado abstenha-se de intervir em determinadas searas. Disso surge o status libertatis.

Em sentido contrário – ao negativo de abstenção de intervenção –, há também a obrigação do Estado, em sentido positivo, em muitas das relações com os súditos. Essa auto-obrigação de realizar prestações positivas faz surgir o status civitatis.

Por fim, para a regular atuação do Estado-pessoa, pode-se verificar que este se sirva da vontade de pessoas físicas para a consecução da sua própria vontade, o que se realiza mediante o constrangimento ou mediante a autorização; no caso desta última, verifica-se o status activae civitatis e, por corolário, assoma a noção de direito político.67

Surge, portanto, em oposição à genialidade teórica de Jellinek, a teoria de Santi Romano dos direitos subjetivos. Dada já a premissa de que, enquanto jurídica, as relações implicam dois sujeitos de direito, apresenta ainda a questão patrimonial do Estado como titular de bens de domínio público – finalidade pública – e os bens cuja titularidade se verifica tão somente como patrimonial.

Assim, os direitos meramente reais não se enquadrariam em quaisquer dos status expostos por Jellinek. No mesmo sentido, Romano traz o imposto fundiário cuja incidência e cogência aos cidadãos não se justificaria pelo status subjectionis68, pois considerados estes como proprietários de um fundo em um território sobre o qual o Estado impera; mesma sorte ao direito de expropriação por utilidade pública que engloba o direito patrimonial real e o público ao mesmo tempo.

67 ROMANO, op. cit., p. 33.

68 Id., loc cit., Do original: “E procediamo ancora nell’osservazione. Lo Stato pretende dai suoi cittadini, ad esempio, l’imposta fondiaria. Ma errerebbe grandemente chi credesse che i cittadini, in quanto ubbidiscono a tale comando dello Stato, entrano nello status subiectionis. Non si confonda il generale dovere d’ubbidire che hanno i sudditi, ma perché proprietari d’un fondo situato nel territorio su cui lo Stato impera. Del resto questi concetti elementarissimi sono quelli che informano la nota distinzione fra imposte reali e imposte personali. Ecco dunque un altro esempio di diritti patrimoniali e pubblici nello stesso tempo, poiché sul carattere pubblico dell’imposta non crediamo possa cadere alcun dubbio: essa implica necessariamente un atto d’impero”.

Portanto, por possuir o conceito germânico uma inexatidão inadmissível, Romano sugere uma via alternativa quanto à classificação; divide os direitos públicos em cinco categorias, a saber: (I) direito de supremacia; (II) direito de liberdade; (III) direitos civis; (IV) direitos políticos; (V) direitos públicos patrimoniais.

Quanto aos primeiros, especifica que cabem tão somente à administração direta ou indireta do Estado, é dizer, aos corpos autárquicos que possuem personalidade própria. Todos os demais pertinem tanto a pessoas físicas como jurídicas.

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