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Antes de se entender o conceito de boa administração, convém lançarmos luz sobre o que significa uma má administração. Má administração pode ser conceituada como um conjunto de atos emanados do poder público que, por sua ineficiência ou inobservância aos preceitos legais, violam os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.

Para Muñoz (2012, p. 112), “[...] se produz má administração quando um organismo público não atua em conformidade com as normas e princípios que deveriam se ater obrigatoriamente”.

Falar em um “direito à boa administração” implica uma responsabilidade para o suposto garantidor desse direito, no caso, o poder público. Se é direito, pode ser exigido nos tribunais. Todavia, a este respeito há que se considerar as dificuldades que surgirão, tendo em vista a recente construção de algo como o “conteúdo” desse direito à boa administração pública.

Consoante o artigo 43 da Carta de Nice (2002):

Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro, tem o direito de apresentar petições ao Provedor de Justiça da União, respeitantes a casos de má

administração na actuação das instituições ou órgãos comunitários, com

excepção do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância no exercício das respectivas funções jurisdicionais.

Diante disso, é notório que o princípio da eficiência administrativa relaciona-se intimamente com a garantia aos direitos fundamentais dos cidadãos, e, se for respeitado, oportuniza a retirada de colossais barreiras impeditivas ao desenvolvimento humano do país. Esta ideia representa o ideal da boa administração.

Concorda-se com Muñoz (2012) quando o insigne autor defende que o estudo sobre a boa administração deve prezar pela interdisciplinaridade. É nessa linha de intelecção que se resgata a ideia de Amartya Sen (2000) sobre desenvolvimento humano, aplicando-a ao tema ora estudado com as contextualizações devidas.

Amartya Sen teorizou de forma exaustiva sobre o tema Desenvolvimento Humano, lançando por terra a ideia vigente de que o crescimento econômico constituía o único parâmetro definidor de "desenvolvimento”.

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Amartya Sen, juntamente com seu colega paquistanês Mahbub Ul Haq, foi um dos colaboradores na criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medida muito mais fidedigna de mensuração da qualidade de vida de um país do que o Produto Interno Bruto (PIB), propondo um foco maior nas capacidades individuais. O IDH é utilizado como fonte para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e tem por base três dimensões de avaliação, as quais são: a saúde, por meio da mensuração da expectativa de vida ao nascer; a educação, avaliada pelos índices de analfabetismo e porcentagem de matrícula em todos os níveis de ensino; e renda, medida pelo poder de compra da moeda de cada país.

O ideal de desenvolvimento seniano diz respeito à promoção do bem estar social. A liberdade seria o meio e o fim para a conquista do efetivo desenvolvimento. Uma administração púbica eficiente, na medida em que propicia a retirada de barreiras que limitam as liberdades fundamentais dos cidadãos, influi decisivamente no desenvolvimento de um país. Dessa forma, um país que seja economicamente próspero, mas cerceador das liberdades políticas, não pode ser considerado um país desenvolvido.

A ideia da boa administração pública, norteada pela eficiência administrativa, relaciona-se, ainda, com o desenvolvimento humano teorizado por Amartya Sen na medida em que uma máquina pública ineficiente na prestação dos serviços públicos viola, das mais variadas formas, os direitos fundamentais de seus administrados.

É um erro acreditar que existe liberdade em um Estado Democrático de Direito cuja máquina pública é ineficiente. Sem liberdade não existe democracia. Payot (2018) critica a crença de que a ideia da nossa liberdade nos faz livres. Em outros termos, o autor afirma que não basta afirmarmos a liberdade em abstrato para sermos livres. Pelo contrário, a crença infundada em tal liberdade constitui fator limitante à real liberdade. Aqueles que supõem serem muito livres, omitem-se no esforço para conquistar a liberdade que, de fato, poderiam ter.

Uma sociedade que priva sua população de exercer suas liberdades básicas não pode ser considerada desenvolvida ou justa. O próprio Rawls (2000) afirma que a justiça está atrelada à ideia de liberdade. À vista disso, qualquer restrição a ela torna-se injusta por condenar indiscriminadamente pessoas a uma condição de calamidade. A justiça, pois, concretiza-se com o estabelecimento da liberdade.

Ora, direitos como o acesso à educação de qualidade e a um serviço público de saúde razoável, estão passíveis de serem brutalmente violados num cenário de uma administração pública ineficiente. O direito fundamental à boa administração pública

nasce, assim, para todos os setores da sociedade a fim de extirpar tais cerceamentos, ou, não podendo tanto, ao menos minimizá-los.

Não apenas no Brasil, mas no mundo ainda existem diversas formas de privação de liberdades. Fome e miséria assolam diversas partes do globo, negando a possibilidade de sobrevivência a muitas pessoas. Falta de educação ou sistemas educacionais ineficientes negam capacidade de discernimento a outro tanto de desafortunados, provocando sua permanência no analfabetismo político-social. Sistemas de saúde falidos transformam o paciente em mais um número nas infindáveis estatísticas de morbidade/mortalidade, impedindo o acesso a uma vida longeva.

Com as devidas contextualizações, tais problemas podem ser atribuídos de maneira direta ou indireta à inobservância ao direito fundamental à boa administração das pessoas vitimadas por tamanha injustiça. Não restam dúvidas, gestões públicas ineficientes minam as liberdades fundamentais dos seus cidadãos.

Sobre as liberdades, Amartya Sen (2000) analisa a existência de cinco tipos de liberdades, que segundo ele, são instrumentais: a) liberdades políticas, b) facilidades

econômicas, c) oportunidades sociais, d) garantias de transparência e e) segurança protetora. Por meio de encandeamentos, uma liberdade acaba vinculada à outra, fazendo

com que seus diferentes tipos possuam uma intrínseca relação entre si. Uma liberdade pode contribuir para promover outros tipos de liberdade; esse é o enfoque da liberdade instrumental trabalhado por Sen.

O Japão é um exemplo de como as liberdades se suplementam e se fortalecem. Através da educação, esse país teve condições de criar um efetivo corpo de recursos humanos, graças às oportunidades sociais (SEN, 2000), o que foi determinante para seu desenvolvimento econômico. Assim, percebe-se que o crescimento econômico é diretamente favorecido pelas oportunidades sociais.

Todos esses exemplos relacionam-se com a busca por eficiência na gestão pública. Países que entendem que os serviços públicos devem ser prestados de forma eficiente, tendo os indivíduos de sua nação como fim, são tidos como desenvolvidos.

Nessa linha de intelecção, não é necessário um esforço imaginativo hercúleo para prever as consequências do futuro da população de um país que não forneça um serviço educacional de qualidade, ou seja, de forma eficiente.

Dessa forma, o princípio da eficiência não diz respeito uma invenção, advinda dos alvedrios do legislador constituinte originário. Ele sempre esteve latente na própria ideia de administração da coisa pública; é um dever que se impõe e não uma faculdade.

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Sendo assim, da análise do princípio da eficiência no contexto do direito fundamental à boa administração pública, emerge outra relação interessante e bastante lógica: a obrigatoriedade da observância de uma eficiência administrativa atrela-se perfeitamente ao princípio da indisponibilidade do interesse público. O princípio da indisponibilidade do interesse público prescreve que o gestor da coisa pública não a possui, sendo sua ação vinculada às determinações legais.

Em decorrência dessa premissa, coloca-se a eficiência administrativa como norma obrigatória. Assim, aduzir que a observância da eficiência, de algum modo, enquadra-se na discricionariedade dos agentes públicos, contraria frontalmente a ideia de indisponibilidade do interesse público.

De acordo com Muñoz (2012), as instituições públicas numa democracia não pertencem aos seus dirigentes. Significa dizer que os agentes estatais não podem assenhorar-se da máquina pública de forma arbitrária. Devem, antes, servir à sociedade que lhes patrocina, prestando um serviço público de qualidade.

Resta evidente que a busca pela eficiência administrativa simboliza o legítimo anseio por justiça no modo de prestação dos serviços públicos e atuação estatal. A estrutura organizacional do Brasil difere substancialmente da estrutura de outros países, como aqueles do bloco europeu. O serviço público em “terra brasilis” é imprescindível na grande maioria dos casos. Sendo assim, uma “má administração” não traz apenas um “mal-estar”; pode constituir um atroz instrumento cerceador de direitos fundamentais (MUÑOZ, 2012).

6 EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA “NA MEDIDA DO POSSÍVEL”: A

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