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Os processos de integração regional – independentemente da etapa em que se encontrem – necessitam de um conjunto de instrumentos jurídicos que regule as suas relações, ou seja, tanto para seu processo de formação quanto para o de funcionamento. Este conjunto normativo vai dar forma ao direito da integração.

Para Pérez Otermin, são duas as características particulares deste direito: não obstante o direito dos processos integrativos se constituírem por meio de tratados, ou seja, de normas de direito internacional público (a partir dos quais emanará o direito originário) nelas não se esgotam. Pelo contrário, terão continuidade através das normas emanadas pelos órgãos criados pelos próprios tratados (destes emanará o direito derivado); a segunda consiste no fato de que, não obstante referido direito emanar dos tratados, suas normas não vão ser dirigidas a regular as relações unicamente entre os Estados, mas vão também dirigir-se às relações entre os particulares, pessoas físicas ou jurídicas dos Estados- Partes. Portanto, deve integrar-se nas ordens jurídicas nacionais.310

Costa vai trazer o mesmo entendimento – referindo-se, porém mais especificamente, ao direito comunitário – quando assevera que os modelos de integração econômica regional pautam-se por duas diretivas. A autora aponta a própria ordem jurídica comunitária como sendo a primeira delas, salientando que tal ordem não deve ficar presa apenas ao seu tratado constitutivo, mas deve levar em consideração também, textos, atos e protocolos celebrados para que se alcance a integração econômica. A segunda diretriz será uma consequência direta da primeira. “Trata-se da inserção da ordem jurídica comunitária no direito interno dos Países membros”311.

Pérez Otermin entende que o direito comunitário surge dentro do direito de integração.312 Afirma que direito comunitário em sentido

309 Quando se fala em direito da integração, aplica-se a mesma lógica vista acima sobre a

abrangência da expressão integração. Assim, direito da integração poderá tem ampla conotação, abrangendo o conjunto normativo de toda e qualquer forma de processo integrativo ou ainda em oposição ao direito comunitário, quando no sentido estrito.

310 PÉREZ OTERMIN, Jorge. El MERCADO COMUN DEL SUR: desde Asunción a Ouro

Preto – aspectos Jurídico-Instituicionales. Montevideo: Fundación de cultura universitaria, 1995. p. 92-93; STERSI DOS SANTOS, 1998, p. 101.

311 COSTA, Ligia Maura. Os tribunais supranacionais e a aplicação do direito comunitário:

aspectos positivos e negativos. (referente à palestra proferida em 20 de novembro de 1996). In: VENTURA, 1997. p. 177.

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estrito está ligado ao direito originário e ao direito derivado, enquanto que em sentido amplo traduz-se:

[...] constituyen derecho comunitario el conjunto de normas de derecho aplicables en el ordenamiento jurídico comunitario, distinguiéndose entre ellas: los principios generales de derecho; la jurisprudencia, emanada de sus respectivos órganos judiciales [...]; o las que tienen un origen exterior al orden jurídico comunitario, como el derecho surgido de las relaciones exteriores del Mercado Común con terceros Estados u organizacones internacionales, o el denominado derecho complementário, de origen convencional, proveniente de los acuerdos celebrados entre los Estados Partes, en la aplicación del Tratado.313 Levando então em conta que o direito comunitário é um estágio mais avançado do direito dos processos de integração, vale ressaltar suas principais características identificadas por Pérez Otermin: a aplicabilidade imediata, que significará que a normativa do direito comunitário adquire de forma automática, na ordem interna dos países, status de direito positivo; efeito direto que vai estar ligada ao fato de a norma comunitária poder criar por ela mesma, direitos e obrigações aos particulares; e por fim, a primazia do direito comunitário, que significará que este tem prevalência em relação à norma nacional.314

O baluarte desta espécie de direito – pois é detentora dessas três características – é a União Europeia. Já no caso do Mercosul, a opinião majoritária é no sentido de que o direito do referido bloco não alcançou ainda tal status.

É certo que os elementos mencionados sobre o direito comunitário estão intrinsecamente ligados à relação existente entre esta nova ordem jurídica (a do processo de integração) que surge e o direito interno de cada país. Trata-se de encontrar um caminho entre um e outro.

313 PÉREZ OTERMIN, 1995, p. 93.

314 PÉREZ OTERMIN, 1995, p. 94. Ligia Maura Costa lembra que a primazia do direito

comunitário também pauta-se pela modificação da legislação nacional em vigor caso esteja em desacordo com aquele. COSTA, 1997, p. 178.

Inicialmente tentou-se resolver o problema por meio das soluções clássicas de direito internacional, de forma que se submeteria ao alvitre do constituinte de cada Estado o alcance que teria o direito comunitário. Porém, com o passar do tempo, ficou claro que esta opção não era apropriada para um processo integracionista.315 A partir da experiência da União Europeia teriam surgido as primeiras concepções das diferenças entre o direito comunitário e o direito internacional:

La concepción del Derecho Comunitario como un orden jurídico nuevo, con características propias que lo diferencian del Derecho Internacional clásico y del derecho interno de los Estados miembros, obedeció a la necesidad percibida por la doctrina y por la Corte de Justicia de crear mecanismos que aseguraran el cumplimiento de las obligaciones contraídas por los Estados em los tratados constitutivos. La consciência de que la integración dependia, fundamentalmente, de la voluntad política de los Estados y que por tal razón la adopción de ciertos principios era esencial para garantizar la independência de las instituciones comunitárias y la autoridad vinculante de sus decisiones está al origen de toda la dogmática comunitaria.316

Ainda sobre este entrelaçamento entre o direito da integração e direito interno, Casella assevera que aquele terá seu ponto de partida neste, bem como, na maneira como o direito interno vai tratar os direitos e obrigações na ordem externa quanto na ordem interna, ou seja, em relação aos cidadãos e pessoas jurídicas de direito privado interno. Assim, o que vai importar, sobretudo, é a forma de “incorporação desses direitos e obrigações, contraídos internacionalmente pelos Estados, em seu ordenamento jurídico interno, criando instância de vigência e aplicação interna imediata de tais direitos e obrigações”317.

Vindo de encontro a tudo que foi dito sobre o direito comunitário, Soares aponta que à Europa comunitária se deve o mérito de ter sido a organização que conseguiu instituir um direito supranacional num grau mais avançado, se comparado com qualquer outra OI da mesma

315 OLIVAR JIMENEZ, 1997, p. 33-34. 316 OLIVAR JIMENEZ, 1997, p. 34. 317

natureza, pois nela convivem os três patamares de sistemas jurídicos que caracterizam a supranacionalidade: a) o Direito Internacional Público que tem por conteúdo os tratados multilaterais típicos – inserido nessa categoria os tratados-fundação, bem como os modificadores da integração europeia. Sua elaboração é tarefa apenas dos Estados-Partes, sem possibilidade de interveniência dos órgãos comunitários, e por isso é chamado de Direito Comunitário Originário ou Primitivo; b) o direito supranacional, que tem por base o direito comunitário originário, de natureza particular e regional. Os próprios Estados conferem poderes normativos supranacionais aos órgãos da Comunidade. A doutrina o denomina Direito Comunitário; e c) o Direito Nacional gerado pelas fontes normativas internas tradicionais dos Estados, e que sofre impacto dos dois direitos mencionados anteriormente.

De acordo com Soares:

No que respeita ao impacto no direito nacional provocado pelo Direito Internacional Público, sobretudo no que se refere às normas constitucionais internas, haverá necessidade de os órgãos internos dos Estados-Membros determinarem a posição hierárquica entre os direitos domésticos e o Direito Internacional Público Geral; quanto ao impacto sofrido pela existência do Direito Supranacional, já existe uma autolimitação nos sistemas jurídicos internos, inclusive de natureza constitucional, no sentido de fazer prevalecer as normas daquele, sobre as normas domésticas.318

A existência de uma ordem jurídica própria é uma característica importante dos processos de integração fazendo com que estes se constituam como comunidades regidas por normas jurídicas. Desta forma vai se criar um espaço de segurança jurídica, no âmbito de atuação da OI, que vai se somar ao espaço de segurança jurídica interna dos Estados-Partes.

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