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1.3 RELAÇÕES INTERNACIONAIS: COOPERAÇÃO E

1.3.2 O conflito nas relações internacionais

Como já apontado, Hobbes havia expressado o fato de que as paixões mais profundas dos homens os levavam a viver em um estado

de natureza. Neste estado, davam vazão as suas vontades e desejos de

forma inconsequente. Desse modo, tal estado poderia desencadear inúmeras vontades contrapostas de um indivíduo com o outro, e tal situação, por sua vez, acarretaria invariavelmente em situações conflituosas.75 Assim sendo, não obstante Hobbes ter escrito sua obra em 1651, ele abordou um tema que acompanha a humanidade desde seus primórdios: as relações de conflito.

Para Bull, Hobbes discorria sobre a natureza do homem como indivíduo, mas sobrelevou sua teoria para o âmbito dos Estados. Ou seja, como se os Estados fossem os indivíduos no estado natural e necessitassem de uma autoridade acima deles para que pudesse governá- los e lhes subtraísse a possibilidade de agir no estado de natureza. O autor acrescenta:

The Hobbesian prescription for international conduct is that the state is free to pursue its goals in relation to other states without moral or legal restrictions of any kind. Ideas of morality and law, on this view, are valid only in the the context of a society, if any moral or legal goals are to be pursued in international politics, these can only be the moral or legal goals of the state itself. […]

74 ENTELMAN, 2002, p. 107-110. 75

The only rules or principles which, for those in the Hobbesian tradition, may be said to limit or circumscribe the behavior of states in their relations with one another are rules of prudence or expediency.76

Na mesma linha de Hobbes, Tucídides analisou o contexto da Guerra do Peloponeso.77

Na interpretação de Nye, Tucídides aponta um forte motivo que pode levar os Estados a entrarem em conflito: o crescimento de um Estado que leva o outro a temer por sua segurança.78 Para Nye, Tucídides teria demonstrado no seu relato, a dinâmica do jogo

76 Tradução livre: “A descrição hobbesiana de conduta internacional é a que o estado é livre

para buscar seus objetivos em relação a outros estados sem restrições morais ou legais de qualquer tipo. Idéias de moralidade e lei, nesta visão, são válidas somente no contexto de uma sociedade, mas a vida internacional está além dos limites de qualquer sociedade. Se nenhum objetivo moral ou legal deve ser buscado na política internacional, esses só podem ser os objetivos do estado em si. [...] As únicas regras ou princípios que a tradição hobbesiana aceita como limites de circunscrição do comportamento dos estados em suas relações uns com os outros, são regras de prudência e conveniência”. BULL, 2002, p. 24.

77 Veja-se sucintamente do que se trata a guerra que teve como opositores principalmente

Esparta e Atenas: a Guerra do Peloponeso contada por Tucídides. Tal conflito iniciou da seguinte forma. Em 434 a. C, irrompeu uma guerra civil na cidade-estado grega de Epidamno que por sua vez acabou solicitando e obtendo ajuda de outra cidade-estado, Corinto. Porém, como Epidamno havia sido colônia de Córcira (outra cidade-estado grega), tal ajuda foi entendida por esta última como um afronte. Assim Córcira partiu para um conflito contra Corinto, derrotando uma de suas esquadras. Consequentemente os coríntios declararam guerra à Córcira que por sua vez solicitaram ajuda de Atenas. Esta cidade encontrou-se assim num dilema, pois havia prometido trégua, que já durava uma década, mas em contrapartida, temeram que Corinto conquistasse a Córcira e assumisse o controle de sua grande armada, ocasionando deste modo, um desequilíbrio no poder entre os Estados gregos. Assim, Atenas envolveu-se aos poucos, de modo que acabou culminando na entrada de Esparta (outra grande e poderosa cidade-estado grega) na guerra (opondo-se à Atenas). Pois esta última também temia um crescimento demasiado de poder por parte de Atenas. No final, depois de muitos acontecimentos e anos de guerra, como resultado Atenas teve que implorar pela paz e arrancar suas muralhas que representavam seu poder. Restou demonstrado que a guerra nada de vantajoso trouxe para a Grécia em geral. NYE, 2002, p. 15-17.

78 José Paradiso também discorre sobre a questão: o autor realiza uma contextualização da

situação do mundo antes da 1ª Guerra Mundial (época em que Norman Angell escreveu A

grande ilusão). Ou seja, havia uma corrida armamentista, empresas cresciam

consideravelmente na produção de instrumentos de guerra mais sofisticados da época.Assim fomentavam todas as disputas possíveis entre os Estados e se valiam da lógica dos Estados: “Nenhum deles parecia disposto a permitir de bom grado que os outros ficassem mais fortes, e a adoção de armas mais sofisticadas exigia dos rivais um novo esforço para não ficar em posição de inferioridade. A construção de cada um estimulava a dos outros, e todos definiam a sua segurança em termos da posse de uma superioridade de forças que dissuadisse qualquer rival eventual.” Prefácio de ANGELL, 2002, p. 21-22.

denominado “Dilema do Prisioneiro”.79 De acordo com essa dinâmica, a ausência de dois elementos bastante importantes no âmbito internacional - comunicação e credibilidade – poderá resultar em consequências belicosas. Ou seja, no caso dos prisioneiros, se cada um pensar na melhor solução de forma individual e não puder comunicar-se com o outro, poderá (dependerá da atitude do outro) ser prejudicado, e assim, terá um apenamento maior. E mesmo que possam comunicar-se (e chegar a um acordo) ainda haverá a segunda barreira a transpor: a da credibilidade, ou seja, acreditar na palavra do outro sem pensar que tal poderia ser temerário.

Desta forma, a dinâmica de tal Dilema apontado por Nye, traz a compreensão do que ocorria entre os Estados no âmbito internacional na ausência de comunicação e credibilidade. Diferentemente da atualidade, os séculos passados remontam época de comunicação precária e demorada, por isso, decisões dos dirigentes em favor da guerra eram muitas vezes tomadas antes de se obter respostas relevantes. Esses mesmos tempos também retratam uma era de falta de credibilidade, com tréguas frágeis, que podiam ser interrompidas a qualquer momento sob qualquer pretexto.

Para Nye ficou claro que a visão de Tucídides sobre a inevitabilidade de guerra traduzia-se na capacidade do homem de enredar-se no mencionado Dilema do prisioneiro. Conforme Nye a eclosão dos três grandes conflitos por ele analisados, contaram com o auxilio desta crença.80 Tal crença tem como núcleo o supra mencionado

justo temor. Nye assevera que tanto esta mencionada guerra – analisada

pelo historiador grego, quanto muitas das que lhe sobrevieram foram justificadas por este justo temor.81 Essa constatação leva o autor a questionar-se sobre os motivos que levam os Estados a temerem demasiadamente por sua segurança quando há o crescimento significativo de outro Estado, bem como as razões de os Estados investirem tanto para desenvolverem suas defesas quando poderiam simplesmente entrar em um acordo para evitar esse dilema de segurança, situação que para todos seria a melhor.82

79 O enredo do Dilema do Prisioneiro consiste basicamente no seguinte: dois prisioneiros x e y

vão parar na prisão e encaram (sem poderem comunicar-se) as seguintes opções: x poderá testemunhar contra y ganhando assim sua liberdade enquanto y pega pena máxima de 25 anos; ou vice-versa; ou se os dois testemunharem (um contra o outro), ambos pegam dez anos de cadeia; ou ainda, se nenhum dos dois falar, cada um será condenado apenas a um ano de cadeia (esta seria a segunda melhor opção para ambos).

80 NYE, 2002, p. 21. 81 NYE, 2002, p. 18. 82

Conforme já dito, “a ausência de comunicação e confiança, na política internacional encoraja os estados a garantirem a sua própria segurança, mesmo que isso possa conduzir todos os Estados à insegurança mútua”83. Como bem demonstra a história, esse pensamento não trouxe consequências favoráveis para as relações entre os Estados, os guiou sim a conflitos, que por vezes foram resolvidos, ou não, por meio de sangrentas guerras.

1.4 FORMAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE