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O direito à Libras como primeira língua do surdo e as implicações de sua utilização

4.5 Análise e discussão dos resultados

4.5.2 O direito à Libras como primeira língua do surdo e as implicações de sua utilização

O direito à Libras como primeira língua do surdo também recebeu destaque em todas as pesquisas selecionadas para análise deste estudo, assim como as implicações da utilização dessa língua nos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática.

Em seu estudo, Rodrigues (2013) realçou que o ensino deve ser oferecido na língua de sinais e que as características pertinentes ao aluno surdo devem ser respeitadas. Fernandes (2011, p. 107) corrobora essa afirmação e assevera que a maneira mais adequada de estabelecer a comunicação com a pessoa surda é por meio da língua de sinais, “[...] pela modalidade visual- espacial que privilegia suas potencialidades.”

A língua de sinais utilizada pela comunidade surda no Brasil é a Libras, oficializada como meio legal de comunicação e expressão pela Lei nº 10.436/2002. Segundo as pesquisas de Bohm (2018), Castro (2018), Fernando (2015), Leite (2007) e Queiroz (2011), a utilização da Libras é condição para que a aprendizagem da Matemática pelos surdos se efetive de forma mais significativa.

Tanto Leite (2007) quanto Queiroz (2011) ressaltaram que a Libras facilita a compreensão das situações-problema e, por conseguinte, a sua resolução. Leite (2007) constatou que os enunciados das atividades que propõem a resolução de problemas devem estar dispostos em Libras na forma escrita e, se possível, também em Português, respeitando a multiplicidade das identidades dos sujeitos surdos (PERLIN, 1998). Queiroz (2011) verificou que apresentar o enunciado das situações-problema escrito conforme a escrita dos surdos, ou então sinalizado em Libras, resulta num melhor desempenho dos alunos surdos.

Borges e Nogueira (2013), ao tratar desse assunto, revelam que, nessas atividades de resolução de problemas, os professores nem sempre consideram as diferenças linguísticas dos surdos, ocasionando dificuldade de compreensão dos textos escritos. É preciso, pois, ter em vista que a Língua Portuguesa não é a primeira língua dos surdos. Logo, a língua natural desses alunos, a Libras, deve ser utilizada sempre que esse tipo de tarefa for proposto.

Castro (2018) aborda essa questão em sua pesquisa: o uso de instrumentos ou ferramentas educacionais com alunos surdos deve considerar primeiramente a sua língua, a Libras e, em segundo plano, a Língua Portuguesa. Em seu estudo, um tutorial em Libras facilitou a compreensão e o manuseio de um software, possibilitou que os alunos surdos estudassem os conteúdos matemáticos com autonomia e os auxiliou na compreensão das operações de adição, subtração, multiplicação e divisão.

Fernando (2015) e Moura (2015) apontaram que a Libras é fundamental para que os alunos surdos se envolvam e tenham interesse pelas atividades propostas. Fernando (2015) revelou, em sua investigação, que a Libras é utilizada para explicar as regras dos jogos para os alunos surdos. Em alguns casos, as regras dos jogos somente são compreendidas quando explicadas em Libras, devido à sua complexidade. Por sua vez, Moura (2015) detectou que as crianças com maior fluência na língua de sinais se mostraram mais receptivas ao convite para participarem das atividades, ao passo que “[...] as dificuldades com a língua de sinais aparecem como um bloqueador nas formas de expressão e autonomia dos participantes, e as dificuldades com leitura e escrita como um dificultador na manipulação dos softwares e compreensão das tarefas.” (MOURA, 2015, p. 114).

Tais constatações comungam com os resultados da pesquisa de Barbosa (2013), que verificou que as habilidades quantitativo-numéricas das crianças surdas têm forte correlação com seus conhecimentos sobre a Libras. “[...] crianças que têm mais tempo de exposição a Libras e que têm elevado grau de fluência são aquelas que apresentam um desempenho mais elevado nos testes. Isto demonstra uma relação entre linguagem e formação de conceitos.” (BARBOSA, 2013, p. 340).

Considerando essa forte correlação entre a língua e a formação de conceitos, Barbosa (2013) afirma que as crianças surdas se beneficiam de uma educação ministrada em Libras, sua língua natural. A pesquisa realizada por Bohm (2018) culminou em entendimento semelhante: a utilização da Libras entre surdos favoreceu a compreensão dos conceitos matemáticos, dada a estruturação do pensamento na língua materna. Na situação específica pesquisada por Bohm (2018), o fato de um surdo ter realizado a explicação a outro surdo é que favoreceu a compreensão do conceito matemático.

Quadros (1997) explica que a Libras utiliza mecanismos sintáticos diferentes dos utilizados nas línguas orais. Trata-se de uma língua natural, desenvolvida no meio da comunidade surda, dotada de regras gramaticais e altamente complexa. Em razão dessas especificidades, compreende-se que um surdo compreenda um outro surdo com mais facilidade que um ouvinte usuário da Libras.

Diante disso, é importante ressaltar

[...] a necessidade de as escolas contarem com instrutores ou professores de Libras, preferencialmente Surdos, com a finalidade de atuar como modelos para a identificação linguístico-cultural das crianças Surdas e ser responsáveis por difundir e ensinar a língua de sinais na escola e na comunidade. (FERNANDES, 2011, p. 108).

Dessa forma, a apropriação da língua pode ocorrer de maneira natural e espontânea, em meio a adultos e crianças surdas, num contexto significativo. Disso decorre a necessidade de as crianças terem acesso à Libras o mais cedo possível. Barbosa (2013) esclarece que a exposição da criança surda desde pequena à língua de sinais aumenta seu desempenho em funções cognitivas associadas com processamento visual, fator que pode ter impacto no desenvolvimento de conceitos matemáticos.

Em sua investigação, Santos (2018, p. 158) afirma que “[...] é preciso compreender a necessidade de o surdo, em especial daqueles vindos de famílias ouvintes, aprender primeiro a Libras como língua de instrução. Isso só será possível a partir da perspectiva bilíngue nas escolas, desde a educação infantil.”

A educação bilíngue, apesar de assegurada aos alunos surdos pelo Decreto nº 5.626 de 2005, não tem se concretizado na realidade das escolas regulares pelo país. Moura (2015) concluiu, em seu estudo, que as dificuldades apresentadas pelos surdos, tanto com a Libras como com a Língua Portuguesa, estão ligadas à exposição tardia à educação bilíngue. Segundo a pesquisadora, a Libras dificilmente é adquirida de maneira natural pelos surdos, especialmente quando filhos de ouvintes. Usualmente, o ensino da língua de sinais é iniciado quando as crianças surdas ingressam na escola, no mesmo momento em que são introduzidas à Língua Portuguesa.

De acordo com o estudo de Silva (2019), outro complicador pode afetar a qualidade da comunicação dos surdos e, consequentemente, prejudicar sua aprendizagem: a ausência de tradutores/intérpretes de Libras em sala de aula. Apesar de garantida também pelo Decreto nº 5.626 de 2005, a presença do tradutor/intérprete de Libras nem sempre é realidade na escola. Nesses casos, o docente se torna responsável por empregar as duas línguas simultaneamente – Libras e Língua Portuguesa na modalidade oral – e esse processo “[...] para o(a) estudante surdo(a) torna-se mais difícil por não apresentar a sua língua de forma natural, mas, sim, um português sinalizado.” (SILVA, 2019, p. 159).

A investigação de Nassim Júnior (2010), inclusive, constatou que a presença do intérprete foi essencial para garantir o acesso dos alunos surdos às instruções e às interações propostas nas atividades. Nesse sentido, é essencial que intérprete de Libras e docente trabalhem em parceria, em busca de oferecer o ensino bilíngue aos alunos surdos.

Diante disso, no que se refere à língua de sinais, é preciso dirimir as barreiras existentes nas escolas, pois, para que o surdo seja bem sucedido em sua aprendizagem, e mais especificamente, na aprendizagem da Matemática, suas características linguísticas devem ser consideradas e respeitadas.

4.5.3 Metodologias mais apropriadas para ensinar Matemática aos surdos nos primeiros