• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2. O PENSAMENTO DE GIORGIO DEL VECCHIO

2.4.4 Direito e Moral

Em seu conceito do Direito, DEL VECCHIO menciona o

princípio ético que determina a coordenação objetiva das ações possíveis,

num contexto de alteridade.

Destarte, ao explicar no que consiste esse princípio ético 161, não pôde deixar de enfrentar a tormentosa questão da distinção e da correlação entre Moral e Direito 162 .

E o fez de maneira escorreita.

Considera, de início, que o princípio ético desdobra-se em duas ordens de valoração, em conformidade com dois aspectos distintos que conformam a ação humana: as ações consideradas em relação ao próprio sujeito ativo – a esfera moral – e também as ações confrontadas com ações de outro sujeito, numa consideração objetiva do agir – ou seja, o Direito 163.

Segundo ensina, o critério moral e o critério jurídico de avaliação das condutas são os únicos logicamente possíveis; por isso, as normas advindas do costume, as normas de decoro, etiqueta e cortesia, as

161

DEL VECCHIO considera-o “um princípio que seja proposto como tipo do agir, uma idéia segundo a

qual a atividade deva ser regulada”. Cf. Lezioni cit., p. 212. (Tradução do autor). 162 O próprio D

EL VECCHIO aponta a dificuldade de tal tarefa: “O problema das relações entre Moral

e Direito, estando entre os mais importantes da Filosofia do Direito, ocupou muito os teóricos, e constitui um ponto característico de comparação entre os vários sistemas. Já foi dito que esse é ‘o Cabo Horn da ciência jurídica’, ou seja, um escolho perigoso, que causou o naufrágio de muitos sistemas”. Cf. Lezioni cit., p. 220. (Tradução do autor).

Ariel David BUSSO considera que os estudos delvecchianos sobre as relações entre Moral e Direito contêm o cerne de todo o pensamento de DEL VECCHIO. Cf. El Criterio Juridico en la Filosofia del

Derecho de Giorgio del Vecchio. Buenos Aires: EDUCA, 1983, p. 152. 163

“De um mesmo princípio, segundo o seu diverso modo de aplicação, derivam as duas espécies

fundamentais da valoração do agir: as categorias éticas da Moral e do Direito”. Lezioni cit., p. 213.

55

normas técnicas 164, e mesmo as normas religiosas acabam por amoldar-se a uma dessas categorias valorativas – a Moral ou o Direito 165.

A par disso, DEL VECCHIO defende a harmonia entre Direito e Moral, e entende que há um paralelismo e uma correlação entre ambas as disciplinas, pois derivam de um mesmo princípio ético, têm um fundamento comum 166 e se ocupam do mesmo objeto (as ações humanas possíveis), ainda que sob diferentes perspectivas 167.

De fato, para o Professor da Universidade de Roma, Direito e Moral referem-se ao mesmo conteúdo – as ações humanas possíveis – e,

pertencem ao mesmo “sistema ético” 168, por ele considerado como um

conjunto coerente de regras de conduta 169. Direito e Moral têm a mesma raiz, e o Direito pode ser considerado como o “perfil social” – ou intersubjetivo – da Ética, ou ainda a “articulação intersubjetiva” desta 170 .

Aponta ainda que toda ação humana tem dois aspectos, que não podem ser separados: o externo, consistente na manifestação que se apresenta no mundo físico, e o interno, que é o elemento psíquico ínsito em

164

Consideradas como regras que devem ser seguidas se desejamos atingir um determinado fim, mas não têm um caráter nítido de obrigatoriedade ou de licitude, e corresponderiam, grosso modo, ao

imperativo hipotético kantiano.Cf. Lezioni cit., p. 215.

165 Segundo D

EL VECCHIO, nenhuma outra forma de valoração de condutas é logicamente possível

além dessas duas, pois “As ações humanas não podem ser consideradas sob outro aspecto que não

seja a parte subiecti (e se está no campo da moral), ou a parte objecti (e se está no campo do Direito); << tertio non datur >>. As tentativas de modificar essa classificação bipartida para uma tripartição são falazes”. Cf. Lezioni cit., p. 213. (Tradução do autor).

166

Cf. Lezioni cit., p. 222. No mesmo sentido é a assertiva feita em Eguaglianza e ineguaglianza di

fronte alla Giustizia. In: Parerga III, p. 45: “il diritto è inscindibile dalla morale”. 167

A. BUSSO consigna que para DEL VECCHIO as diferenças entre Direito e Moral pertencem ao campo lógico, e não ontológico. Cf. El Critério Jurídico cit., p. 111.

168 Cf. Lezioni cit., p. 212. 169

“Como a atividade humana é única, segue-se que as regras que a determinam devem ser coerentes

entre si (não-contraditórias). Entre Direito e Moral há distinção, mas não separação, e muito menos contraste”. Cf. Lezioni cit., p. 222. Veja-se também A. BUSSO, El Criterio Juridico cit., p. 29.

170

DEL VECCHIO, “Ubi homo, ibi ius”. In: Parerga II, p. 17. E também: L’homo juridicus e

l’insufficienza del diritto come regola della vita. In: Studi sul diritto, vol. I, p. 303. Este último

ensaio compendia seu pensamento sobre a distinção e a relação entre Moral e Direito, e, na observação de A. BUSSO, registra a formulação final da doutrina de DEL VECCHIO sobre essa matéria. Cf.El Criterio Juridico cit., p. 29.

56

cada conduta 171; e como o Direito interessa-se por ambos os aspectos –

externo e interno – das ações humanas 172, essa mera exterioridade ou

interioridade da conduta (os assim denominados “foro interno” ou “foro externo”) não pode valer como critério diferencial entre Moral e Direito 173.

O mesmo se pode dizer da assertiva de que a Moral não teria sanções, mas o Direito sim. Nesse ponto, DEL VECCHIO ensina que a Moral também tem sanções – embora sem a nota de coatividade – como, por exemplo, o remorso da consciência, e a própria reprovação da opinião pública, a recair sobre uma conduta violadora da Moral e seu respectivo autor174.

Tendo em vista esses parâmetros, para DEL VECCHIO a

verdadeira distinção entre Direito e Moral está baseada na diferente posição lógica das duas categorias, pois a Moral impõe ao sujeito uma escolha entre as ações que pode praticar, mas em relação a ele mesmo, levando a um confronto entre as ações do mesmo sujeito; por sua vez, o Direito confronta

ações de sujeitos diversos:

“A diferença entre a Moral e o Direito não consiste então numa diversidade de objeto, nem de seu significado geral, mas é explicada pelo seguinte: a ação pode ser regulada de dois modos diversos, conforme se considere as ações em relação ao sujeito que deve cumpri-las, ou em relação àquelas de outros sujeitos. Daqui surge a subjetividade ou

171

Segundo DEL VECCHIO, a Moral e o Direito “regem as ações humanas, todas as ações humanas, e

não se limitam a um só aspecto dessas, como o físico ou o psíquico, pois a ação humana é sempre e necessariamente algo de físico e de psíquico ao mesmo tempo”. Cf. L’homo juridicus e l’insufficienza del diritto come regola della vita cit., p. 302. (Tradução do autor). No mesmo

sentido: cf. Unità fondamentale dell’Etica nelle forme della morale e del diritto. In: Rivista

Internazionale di Filosofia del diritto, série III, fascículo III, Milano, 1966, p. 577 172

Cf. Lezioni cit., p. 224. E isso realmente ocorre: basta que se pense nas diferentes conseqüências jurídicas de uma conduta dolosa ou culposa, ou de uma conduta de boa-fé ou de má-fé.

173

DEL VECCHIO registra que essa distinção entre “foro externo” e “foro interno”, formulada principalmente por Thomasius e Kant, decorreu de razões meramente político-religiosas: visavam impedir a ingerência do Estado nas convicções íntimas da consciência, para que o Direito não viesse a punir a atividade do pensamento: cf. Il concetto del diritto (Trilogia), pp. 143-144.

57

unilateralidade dos preceitos morais, e a objetividade ou bilateralidade dos preceitos jurídicos” 175.

Desse modo, a Moral é unilateral e o Direito é bilateral, pois

exige sempre uma relação entre pelo menos dois sujeitos – a alteridade – e dá a um deles uma determinada possibilidade de ação que não pode ser impedida por outros sujeitos 176.

As esferas da Moral e do Direito estão sempre em correlação, pelo que se deduz que um ato moralmente bom é sempre justo, ao passo que o Direito pode permitir coisas que a Moral proíbe 177.

DEL VECCHIO ressalta, ainda, que tanto a Moral quanto o Direito são necessários para regular a vida humana, pois esta não pode ser desenvolvida somente com o norte fornecido pelas normas morais, que devem ser também integradas por um sistema de determinações jurídicas – e vice- versa 178.

No documento GIORGIO DEL VECCHIO E O DIREITO NATURAL (páginas 64-67)