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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

6.2 Um Direito Privado Administrativo?

A origem da teoria do Direito Privado Administrativo é alemã, cujo conceito, segundo Maria João Estorninho258, é atribuído a H.J. Wolff, embora haja quem atribua a descoberta científica a Wolgang Siebert, que, por sua vez, distinguiu o Direito Privado Administrativo da atuação puramente fiscal da Administração.259 De acordo com Maria João Estorninho, Siebert iniciou seu estudo a partir do Direito Privado, enquanto Wolff partiu do Direito Público. Na realidade, parece tratar-se de uma feliz coincidência:

Wolff partiu da distinção entre “fiskalischer Verwaltung”, na qual a Administração Pública se serve das formas jurídicas privadas, e “hoheitlicher Verwaltung”, na qual utiliza as formas de direito administrativo. Nesta última, distingue ainda a “obrigkeitlich” e a “schlichte Hoheitsverwaltung”, havendo exercício de poder autoritário na primeira e na segunda não. Wolff entendia haver Direito Privado administrativo quando uma entidade da Administração atuasse sob formas jurídico-privadas, para prosseguir de forma imediata fins administrativos públicos. Para ele, o lugar do Direito Privado Administrativo era assim a chamada “administração fiscal” ou, em bom

258ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., 1999, p. 121.

259 ZEZSCHWITZ, Friedrih, apud ESTORNINHO, Maria João, A Fuga para o Direito Privado.

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rigor, uma zona intermédia, entre uma área tipicamente fiscal (“fiskal260”) e a administração soberana (“hoheitlich”).261

De acordo com Wolf262, esse Direito Privado Administrativo possui uma

especificidade que está no fato de a entidade administrativa não gozar de plena autonomia privada negocial, estando sujeita a algumas vinculações jurídico- públicas. A Administração Pública estaria expressamente vinculada aos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado Administrativo, especialmente à liberdade e à igualdade.

Por outro lado, coube a Siebert263 verificar que, no caso das relações de prestação em massa (“massenmaessig geformte Leistungsverhaeltnisse“), o Direito Privado aplicado se afasta das regras clássicas do Direito Civil. Chamou, também, a atenção para o fato de o Direito Público ter começado a criar formas jurídicas próprias para determinados fenômenos sociais coletivos e concluiu ser inevitável a aproximação das regulamentações jurídico-públicas e jurídico- privadas no âmbito da atividade administrativa típica do Estado.

Diversas críticas têm sido feitas às teorias comentadas em face das diversas dificuldades que desencadeiam, principalmente na determinação das fronteiras entre a busca da forma direta ou indireta de fins públicos pela Administração Pública, ou entre atividade soberana e fiscal. Aqueles que defendem que a área de Direito Privado Administrativo se distingue do “fisco” propriamente dito, no fundo, defende continuar a manter uma parte da atividade de Direito Privado da Administração Pública completamente à margem de qualquer enquadramento jurídico-público.264

260 Sobre a noção de fisco ver José Manoel Sérvulo Correia, Os Princípios Constitucional da

Administração Pública, in Estudos Sobre a Constituição, Vol 3, Lisboa: Ed. Livraria Petrony., 1979,

p. 661 e segs.

261 ESTORNINHO, Maria João. A Fuga para o Direito Privado, teses, Livraria Almedina, Coimbra –

1999. p. 121 e 122.

262 WOLFF, apud ESTORNINHO, Maria João Estorninho. Op. Cit .1999, p. 122. 263 SIEBERT, apud ESTORNINHO, Maria João . Op. Cit p. 122 e 123.

264 CORREIA, José Manoel Sérvulo, Os Princípios Constitucional da Administração Pública, in

Maria João Estorninho265, referenciando Ehlers266, comenta que a tendência da doutrina começa a ser no sentido de que, para qualquer atuação da Administração jurídico-privada, exista um especial Direito Privado Administrativo, com utilização de normas de Direito Privado Geral, complementadas, substituídas ou modificadas por especiais vinculações de Direito Público. Significa dizer que, na medida em que for admissível a atuação jurídico-privada para o cumprimento de atividades administrativas, existem as formas jurídico- privadas, mas não a liberdade e as possibilidades das pessoas jurídico- privadas267 .

A teoria defendida por Wolf sofre variada crítica de natureza doutrinária. Cantucci 268 admite que a Administração quando celebra um negócio de Direito Privado, os direitos e deveres nascidos dentro dessa relação ou negócio serão disciplinados pelo Direito Privado, mas admite que uma parte dessa relação é sempre regulada pelo Direito Público resultante das características subjetivas e decorrentes da organização da Administração.

O advento do Estado de Direito provocou, na Itália, o abandono da velha dualidade de personalidade do Estado. As atividades passam a ser subordinadas ao Juiz, portanto, desaparecem as relações que podiam ser subtraídas ao império do Direito. Verifica-se a unicidade da personalidade estatal.269

A atividade administrativa é essencial à vida do Estado, as atividades de Direito Privado são apenas subsidiárias e se restringem-se apenas ao campo das relações patrimoniais do Estado. As duas atividades estão ligadas e a atividade jurído-privada funciona como meio para se adquirir os serviços para serem utilizados pela atividade administrativa. O Estado possui, assim, excepcionais poderes, até nas relações jurídico-privadas.

265 ESTORNINHO, Maria João. Op. cit. 1999, p. 129 e 130. 266 EHLERS, apud Estorninho. Maria João. 1999, pg, 128

267 BULL, Hans Peter, apud Maria João Estorninho, op. cit.1999, 1999, p. 129.

268 CANTUCCI, Michele. L`Attività di Diritto Privato della Pubblica Amministrazione. Padovi: Ed.

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A Itália admite procedimentos administrativos complexos para a prática de atos administrativos que definem o conteúdo do contrato administrativo e sindicáveis por meio de processo administrativo. Em face do contingente de normas que se destinam a regular o conteúdo desses contratos, já se considera existindo um Direito Privado especial, próprio da Administração270.

Gianninni271 distingue a atividade privada da Administração e a atividade administrativa de direito privado. Considera a atividade administrativa de Direito como sendo atividade administrativa em sentido próprio, que diz respeito à prossecução de interesses públicos, mas desenvolvendo-se segundo as regras do Direito Privado. A atividade administrativa de direito privado é mais complexa, podendo apresentar duas diferentes situações: uma atividade administrativa de direito privado com caráter institucional e uma outra com caráter alternativo. A de natureza institucional é aquela exercida pelas atividades administrativas quando atuam exclusivamente em regime de direito privado.272