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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

2.3 Publicização e Organizações Sociais

A proposta governamental de reforma do Aparelho do Estado no Brasil adotou uma estratégia, que os teóricos da reforma chamaram de publicização, a qual objetivou implantar um instrumento de absorção dos serviços públicos não-

105 Documento do CLAD, expedido pelo seu Conselho Cientifico, que no exercício no ano de 1998,

era composto por: Luiz Carlos Bresser Pereira, Leonardo Garnier Remolo, Oscar Osziak, Joan Prats i Catalã, Adam Przeworski, Enrique Alvarez Conde e Nuria Cunnill Grau. Lima, Bolívia. P. 4.

106 HOLMES, Malcom & SHAND, David. Management Reform Some Practitioner Perspectives on

estatais fomentados pelo Estado, uma nova forma de parceria. As Organizações Sociais, entes localizados entre a sociedade e o Estado, viabilizariam uma ação pública mais ágil e de maior alcance, com controle social direto e participativo. O argumento encetado para proposta e posterior adoção do referido modelo de "publicização" foi o papel que o Estado deve desempenhar na vida contemporânea e o grau de intervenção que deve ter na economia, em face da constatação de que o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil, até então, levou o Estado a desviar-se de suas funções precípuas, para atuar na esfera produtiva.

A partir dessa idéia, Publicização passou a ser entendida como o "instituto" ou o conceito que tenta explicar e diferenciar o modelo das Organizações Sociais proposto para assumir as funções do setor em que se insere em relação ao setor de produção de bens e serviços para o mercado, cujas atividades exercidas por empresas estatais são passíveis de privatização. Publicização, no contexto da reforma, significa destinação de um bem público para uma instituição pública não estatal, estabelecida mediante contrato de gestão, em que são expressos os objetivos, as metas e os compromissos das partes envolvidas, possibilitando o efetivo controle pelo Estado e pela sociedade civil organizada.107

O objetivo das Organizações Sociais foi permitir a "publicização" de atividades no setor da prestação de serviços não exclusivos do Estado, baseados no pressuposto de que esses serviços ganhariam em qualidade porque seriam otimizados mediante menor utilização de recursos, com ênfase nos resultados, de forma mais flexível e orientada para o cliente-cidadão mediante controle social. As atividades estatais publicizáveis seriam aquelas não exclusivas do Estado, correspondentes aos setores sobre os quais o Estado atua simultaneamente com outras organizações privadas, tais como educação, saúde,

107 BRESSER PEREIRA. Luiz Carlos. A Reforma do Estado nos anos 90: Lógica e Mecanismos de

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cultura e proteção ambiental.108 Para o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, publicização refere-se à produção não estatal de bens públicos, por entidades situadas no setor não orientado para o lucro, o terceiro setor.109

Para Bresser Pereira, 110 no capitalismo contemporâneo não estatal, as formas de propriedade relevantes não são apenas duas, como a clássica divisão do direito em Público e Privado sugere, mais quatro: a propriedade privada voltada para a realização do lucro (empresas) ou de consumo privado (famílias); a propriedade pública estatal; a propriedade pública não estatal; e a propriedade corporativa, que caracteriza os sindicatos, associações de classe e clubes. Afirma, ainda, Bresser Pereira111 , que o público não se confunde com o estatal. O espaço público é mais amplo do que o estatal, uma vez que pode ser estatal ou não estatal. Afirma também que no plano do dever-ser, o estatal é sempre público, mas, na prática, não é: o Estado pré-capitalista era, em última análise, privado, uma vez que existia para atender às necessidades do príncipe. No mundo contemporâneo, o público foi conceitualmente separado do privado, mas vê-se todos os dias as tentativas de captura privada do Estado. É público o espaço que é de todos e para todos. É estatal uma forma específica de espaço ou de propriedade pública: aquela que faz parte do Estado. É privada a propriedade que se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos.

O termo público pode ser entendido como aquilo que é de todos e para todos, como, por exemplo, a coisa pública e o interesse público. Alargando esse conceito, pode-se entender, também, como relativo ao termo público, as relações de natureza econômica, política e social que interferem na produção do espaço

108 BRASIL. As Organizações Sociais. Brasília: Cadernos do MARE n. 2. Ministério da

Administração e Reforma do Estado, 1998 p. 13.

109 Nos objetivos da implementação das Organizações Sociais proposta pelo Governo Fernando

Henrique Cardoso, encontram-se duas ações complementares: a publicização de determinadas atividades executadas por entidades estatais, que seriam extintas; e a absorção dessas atividades por entidades privadas qualificadas como Organizações Sociais, mediante contrato de gestão.

110 BRESSER PEREIRA. Luiz Carlos. A Reforma do Estado nos anos 90: Lógica e Mecanismos de

Controle. Brasília: MARÉ, 1997, p. 237.

público. 112 O adjetivo público vai gradativamente marcando uma mudança nestas relações, dando lugar a uma progressiva diferenciação entre o Estado, a comunidade e os indivíduos, ensejando a criação de uma nova institucionalidade que, além de tornar a gestão pública mais permeável às demandas emergentes da sociedade, também retira do Estado e dos agentes sociais privilegiados o monopólio exclusivo da agenda social. 113

A visão de publicização que se relaciona com a instituição das Organizações Sociais não coincide com o aspecto jurídico, que considera se o regime jurídico aplicado à determinada instituição ou pessoa é publico ou privado. A noção jurídica advém da divisão clássica do direito em público e em privado e não se refere ao regime da propriedade e sim da natureza jurídica. Saber se uma atividade é publica ou privada é mera questão de indagar sobre o regime jurídico a que se submete, se o regime que a lei lhe atribui é publico, se a atividade é publica. Se o regime é de direito privado, privada se reputará a atividade, seja ou não desenvolvida pelo Estado. Em resumo: não é o sujeito da atividade nem a natureza dela que lhe outorgam caráter público ou privado, mas o regime a que for submetido, por lei. 114

Enquanto poder instituído, o Estado define o que é público para uma determinada coletividade, em determinado momento, por meio de uma norma jurídica. Não é público aquilo que por sua natureza é intrinsecamente público, mas o que conceitua ou determina a lei. Pode-se entender, inclusive, que não necessariamente, todas as atividades desenvolvidas pelo Estado são públicas, porque dependem do seu regime jurídico. Um regime de equilíbrio comutativo entre pessoas iguais determina o regime privado, enquanto um regime de supremacia unilateral, caracteriza um regime público pela presença de prerrogativas especiais de autoridade concedida ao ente público. Em um

112 CUNILL GRAU, R. La Reasticulacion de las Relaciones Estado-Sociedade: Busqueda

deNuevos Setidos, Reforma y democracia. Lima: 1995, p. 26 –58..

113 RABOTNIKOF, Nora. Lo Público e sus Problemas. Madrid: 1993, Revista Internacional de

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contexto social sujeito a grandes mutações, constata-se que um conceito meramente legalista não acompanha essa evolução da sociedade, e assim, a classificação do direito em público e privado tem um sentido meramente formal.

No domínio do direito privado nem sempre se verifica a igualdade. A disposição constitucional declaratória da igualdade de todos perante a lei estabelece uma igualdade relativa; não obstante, verifica-se a existência de desigualdades e até de iniqüidades no espaço privado, onde predomina a competição e não a colaboração. O equilíbrio é buscado no chamado poder extroverso do Estado, do qual decorre a exigência do cumprimento de determinadas normas de conduta. Indaga-se assim sob a possibilidade de uma outra visão do conceito de público desvinculado do poder coercitivo do Estado, um regime coletivo em busca do bem comum no exercício de práticas coletivas que exerça influência sobre o Estado tendo em vista a construção da cidadania.

O regime jurídico público vincula-se a formulações de prerrogativas específicas de autoridade e contenções especiais ao exercício dessas prerrogativas, que são as atividades típicas do Estado, como no caso da prestação de serviços públicos. As alterações recentes na forma de prestação dos serviços públicos e a mudança na concepção de gestão pública ampliam de certa forma o leque de atividades públicas passíveis de delegação pelo Estado.

A Reforma do Aparelho do Estado optou por uma forma “descentralizada” de prestação de serviços públicos: Privatizações e Publicização, as Concessões de Serviços Públicos caracterizando as Privatizações, enquanto as Organizações Sociais representaram a chamada Publicização.

114 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Prestação de Serviço Público e Administração