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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

3.5 Prestação de Serviços Públicos por Organizações Sociais: Uma Forma

No entendimento de Cirne Lima,149 Serviço Público consiste naquele serviço existencial, relativamente à sociedade ou, pelo menos, assim havido num momento dado, que por isso mesmo, tem de ser prestado aos componentes daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou por outra pessoa administrativa. No caso das Organizações Sociais, quer os serviços públicos sejam prestados por meio de terceiros quer sejam por meio da máquina estatal, deve preponderar o regime publicista, uma vez que a titularidade pertence inafastavelmente ao Estado e a prestação feita pelas Organizações Sociais não afasta esta titularidade.

Entre as teorias justificadoras da reforma da Administração Pública, encontram-se aquelas que argumentam ser o aparato estatal burocrático, ineficiente, mas não projeta reformar, reestruturar e aprimorar o aparelho estatal, procurando simplesmente transferi-lo da prestação estatal para a iniciativa privada. Quanto a isso é preocupante a existência de possíveis desvirtuamentos e a insegurança, de já não virem a ser as Organizações Sociais, privatizações dissimuladas que levarão inevitavelmente ao aumento das desigualdades sociais e aprofundamento do conformismo popular frente ao Estado. A lei pode ter produzido um modelo afrontoso para contornar exigências oriundas dos próprios princípios norteadores da administração e da preservação do patrimônio público,

148 PESSOA, Robertônio. Curso de Direito Administrativo Moderno. Brasília: Consulex, 2000, p.148. 149 LIMA, Ruy Cirne. A Organização Administrativa e o Serviço Público no Direito Administrativo

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enquanto procurava uma forma democrática de participação popular na administração Pública.

São discutíveis as surpreendentes vantagens concedidas às Organizações Sociais, principalmente a possibilidade de absorção de atividades e recursos de entidades estatais. Sabe-se que os bens de entidades extintas revertem ao patrimônio público, mas poderá haver permissão de uso para as Organizações Sociais. Referidos benefícios podem significar que as Organizações Sociais não passam de entidades estatais da administração indireta, sob a aparência de pessoas privadas, ou revelam uma nova forma de privatização. A transferência institucionalizada da prestação de serviços públicos para as Organizações Sociais pode representar assim mera absorção de serviços, antes prestados por Autarquias e Fundações Públicas, o que trará como conseqüência a redução da atuação da Administração Pública Indireta, podendo vir a ocorrer extinção de uma entidade pública e em seu lugar nascer uma Organização Social, como especificamente está previsto na lei. A respeito afirmam Flávia Santos e Lourdes Pedrosa150 :

apesar de as Organizações Sociais terem sido concebidas com o objetivo de substituírem entidades da Administração Indireta (...), elas não são necessariamente, sucessoras de entidades públicas extintas" "(...) dificilmente, uma entidade será qualificada como Organização Social sem que haja extinção de órgão ou entidade pública da mesma área de atuação, devido à escassez de recursos de que dispõe a administração pública. Seria utópico imaginar que as Organizações Sociais venham a representar um mero acréscimo na oferta de serviços naquelas áreas de atuação específica de que nos fala a lei.

Não parece que as Organizações Sociais tenham surgido como complementares da Administração Pública, na prestação de serviços públicos. Os serviços públicos passíveis de serem transferidos para prestação pelas Organizações Sociais são aqueles insusceptíveis de serem prestados por meio de concessionárias e permissionárias de serviços públicos, porquanto, trata-se de prestação de serviços que constituem dever do Estado e, por isso, devem ser

prestados diretamente pelo Estado, e por se constituírem obrigações constitucionais a sua prestação direta, o Estado não pode se demitir de encargos que a Constituição lhe atribuiu.151

Coloca-se a eficiência, no sentido meramente econômico, acima dos interesses sociais públicos por excelência. Esses serviços são relativizados e precarizados ante o conceito de publicização, que se apresenta como mera conformação de cidadania que pressupõe vínculo de clientela neoliberal com o Estado. O papel do Estado, nesse processo, considerando serem os serviços públicos de caráter universal e contínuo, não deve ser somente de caráter complementar. Complementares são os serviços públicos prestados pelas Organizações Sociais e não o inverso. O Estado deve garantir e fortalecer a prestação dos serviços públicos, não minimizá-los.

A destinação de verbas orçamentárias para as Organizações Sociais, desde que submetidas aos controles legais e destinados à democratização dos meios de prestação de serviços, não chega a constituir afronta à legalidade, havendo dotação orçamentária. No entanto, é certo que os orçamentos públicos estão sempre a cortar verbas, a reduzir os repasses para a saúde, educação, pesquisa e assistência social, sob o pressuposto de ajuste das despesas públicas. O repasse de verbas para Organizações Sociais não se justifica, pelo menos da forma como é feito, mesmo sob o argumento de que são instrumentos mais democráticos e capazes de atender um número maior de pessoas. Fatalmente esses serviços passarão a ser cobrados, implicando em mera privatização.

O plano da reforma, que busca descentralização e desconcentração, tem nas Organizações Sociais o alcance de suas diretrizes e tem como concepção orientar novas metas e funções do aparelho estatal, os serviços não-exclusivos

150 SANTOS, Flávia Pessoa dos e PEDROSA, Maria de Lourdes Capanema. Aspectos Jurídicos das

Organizações Sociais: a que se destinam? Revista da Assembléia Legislativa de Minas Gerais,

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do Estado. Atividades antes consideradas de caráter estatal passam a ser realizadas por uma entidade privada. Diogo de Figueiredo152, analisando as Organizações Sociais, examina a Descentralização Social como aquela consistente em retirar do Estado a execução direta ou indireta de atividades de relevância coletiva que possam ser cometidas a unidades sociais já existentes, personalizadas ou não, como as profissionais, as igrejas, os clubes de serviço, as organizações comunitárias etc. mediante simples incremento de autoridade e institucionalização jurídica adequada, de modo que possam elas próprias promover a sua execução.

A Organização Social apresenta uma característica diferenciadora das demais prestadoras de serviços públicos. Apesar de ser um ente do terceiro setor, não integrando a Administração Pública Indireta, possui a gestão de recursos públicos com a finalidade da satisfação do interesse coletivo. Administra, em regra, bens do patrimônio público, inclusive dinheiro público, e ficam à margem dos controles específicos traçados no art. 70 da Constituição Federal. A regra, por força de dispositivo constitucional e legal, é que para se travar com o Poder Público qualquer relação contratual (como o contrato de prestação de serviços ou de execução de obras), o pretendente é obrigado a minuciosas demonstrações de aptidão. Inversamente, no que se refere ao contrato de gestão a ser firmado com as Organizações Sociais, não se faz exigência de capital mínimo nem demonstração de qualquer suficiência técnica para que receba bens públicos, móveis ou imóveis, verbas públicas e servidores públicos custeados pelo Estado, considerando-se o bastante para a realização de tal operação a simples aquiescência de dois Ministros de Estado ou, conforme o caso, de um Ministro e de um Supervisor da área correspondente à atividade exercida pela pessoa postulante ao qualificativo de Organizações Sociais.

151 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros,

1999, pg.154 e segs..

152 MOREIRA NETO.Diogo de Figueiredo. Apontamentos sobre a Reforma Administrativa, Rio de

Trata-se, pois, de outorga de uma discricionariedade muito ampla e porquanto inconcebível por sua desmedida amplitude, e que permitirá favorecimentos de toda espécie. A instituição das Organizações Sociais possibilitou que o empreguismo volte a rondar a Administração Pública e a determinar com quem o Estado vai firmar os contratos de Gestão. A moralidade e a impessoalidade consagradas na Constituição de 1988 estão sendo relegadas na institucionalização das Organizações Sociais. O uso do dinheiro público sem muito controle conduz a desvio de finalidade e nepotismo exacerbados. É o retrocesso, com a vestimenta de modernização do Estado. As Organizações Sociais preenchem o espaço existente entre o Estado e o mercado, comumente ocupados por entidades filantrópicas e organizações não governamentais.Segundo Paulo Modesto: 153

a concessão, caso a caso, de títulos jurídicos especiais a entidades do terceiro setor parece atender a pelo menos três propósitos. Em primeiro lugar, diferenciar as entidades qualificadas, beneficiadas com o título, relativamente às entidades comuns, destituídas dessa especial qualidade jurídica. Essa diferenciação permite inserir as entidades qualificadas em um regime jurídico específico. Em segundo lugar, a concessão do título permite padronizar o tratamento normativo de entidades que apresentam características comuns relevantes, evitando o tratamento legal casuístico dessas entidades. Em terceiro lugar, a outorga de título permite um mecanismo de controle de aspectos da atividade das entidades qualificadas, flexível por excelência, entre outras razões, porque o título funciona como um instrumento que admite não apenas a concessão, mas também a suspensão e o cancelamento.

No interior da proposta de reforma, as Organizações Sociais são consideradas como instrumento de gestão na mudança necessária do padrão de gestão estratégica, com a possibilidade de se firmar um contrato de gestão entre as partes, o que permite a avaliação e o controle dos resultados anteriormente acordados, requisitos fundamentais da lógica da reforma gerencial.154

153 MODESTO, Paulo Eduardo Garrido. Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil. Revista

Interesse Público.Porto Alegre, Ed. Notadez, vol, 1, 1999, p. 40.

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