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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

3.3 Um ente Privado e um Título Público

Nos termos da Lei Federal nº 9.637, de 18.05.1998, o Poder Público poderá qualificar como Organizações Sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sociais sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos na referida lei. A norma legal deixa transparecer que a qualificação da entidade privada como Organização Social seria um ato discricionário do Poder Público. Um prévio exame de conveniência e da oportunidade dessa medida, ainda que preenchidas as formalidades legais exigidas, seria suficiente para a expedição do título. O artigo 2º, inciso I da mesma Lei, estabelece, no entanto, que para uma entidade ser qualificada como Organização Social, deverá preencher certos requisitos, exigência portanto objetiva, consonante com os postulados legais. O inciso II do referido artigo, no entanto, direciona a qualificação à análise de

138 ERHARDT, Manoel de Oliveira. As Organizações Sociais. Revista da Esmaf do TRF da 5ª Região,

conveniência e oportunidade, informação contraditória. Com efeito, preenchidos os requisitos formais, não há espaço para a discricionariedade.

O entendimento é o de que a qualificação da entidade privada como Organização Social é ato administrativo discricionário do Poder Público. No âmbito federal, o exame da conveniência e da oportunidade da medida cabe ao Ministro ou titular do órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto social da entidade pretendente, assim como ao Ministro da Administração. Essa discricionariedade é criticada por estudiosos do assunto, entre eles Perpétua Valadão Bahia Casali e Paulo Moreno Carvalho139, que afirmam a natureza vinculada do ato de qualificação, uma vez que, preenchidos os requisitos exigidos pela lei, não pode o Poder Executivo recusar a qualificação, já que se trata de aferir condições formais de habilitação, não existindo espaço para intelecção discricionária do administrador, cujo ato deve simplesmente alcançar a finalidade da lei.

A lei confere ao Executivo a liberdade de examinar a conveniência e a oportunidade de qualificar como Organização Social a entidade pleiteante, precisamente para verificar se é de interesse público transferir ao setor privado o serviço que vem sendo realizado pela própria Administração, ou então, estimular o serviço já prestado pela entidade privada com recursos públicos. Discricionariamente, como dispõe a lei, ou de forma vinculada, como entende parte da doutrina, simples pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, por força de disposições legais, podem ser reconhecidas como Organizações Sociais e passar a integrar, de acordo com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, 140 o chamado terceiro setor. (o primeiro setor passa a ser o núcleo estratégico, o segundo setor, as atividades exclusivas do Estado e o terceiro setor, o de atuação simultânea do Estado e da Sociedade Civil).

139 BAHIA, Perpetua Valadão Casali e CARVALHO, Paulo Moreno.Organizações Sociais, qualificação

como ato vinculado da Administração Pública. Tese apresentada ao XXIV Congresso Nacional de

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A competência atribuída ao Poder Executivo para qualificar as Organizações Sociais é discricionária, no entanto o princípio da impessoalidade da Administração impõe ao Poder Público que adote procedimentos objetivos para a escolha quando ocorrem situações nas quais podem surgir vários interessados. A ampla discricionariedade pode dificultar o controle da legalidade da tomada de decisão.141 Neste sentido conclui-se que ser Organização Social é possuir um título jurídico especial, atribuído a essas que nascem como associações ou fundações privadas, e que aderindo a requisitos legais, recebem o título conferido pelo Poder Público.

Bastante semelhante às tradicionais entidades privadas declaradas de utilidade pública, com elas não se confunde, embora apresentem traços comuns como, entre outros: iniciativa privada na criação e na constituição; afetação a uma finalidade de interesse público ou socialmente relevante; limites gerais à livre constituição e funcionamento dos órgãos de direção ou gerência como requisito para o seu reconhecimento; recebimento de favores especiais, subsídios, isenções e contribuições do Estado. Como pessoas jurídicas de direito privado não titularizam qualquer prerrogativa de direito público, porquanto são reconhecidas pelo Estado. Não são formas de privatização de entes públicos, uma vez que não verifica qualquer transferência de domínio, mas simples permissão de uso. São entes que colaboram com a Administração, mas com ela não se identificam.

Diogo de Figueiredo142, cuidando das Organizações Sociais, examina a Descentralização Social como aquela consistente em retirar do Estado a execução direta ou indireta de atividades de relevância coletiva que possam ser cometidas a unidades sociais já existentes, personalizadas ou não, como as

140 ERHARDT, Manoel de Oliveira. As Organizações Sociais, Revista da Esmef do TRF da 5ª Região,

nº 1 janeiro de 2001, s/n. P. 14.

141 bis in idem

142 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos sobre a Reforma Administrativa, Rio de

profissionais, as igrejas, os clubes de serviço, as organizações comunitárias etc. mediante simples incremento de autoridade e institucionalização jurídica adequada, de modo que possam elas próprias promover a sua execução.

Sérgio de Andréa143 compreende as Organizações Sociais como descentralizações por colaboração, enquanto Paulo Modesto144 considera que as Organizações Sociais podem ser percebidas pela Administração Pública como entidades Privadas de cooperação, mas não como descentralização. São vocacionadas a travar parcerias com o Poder Público para atividade de interesse coletivo. A concessão de título, porém, não exaure a participação do Estado, embora seja forte a presença estatal na implementação e no financiamento de tais organizações. O modelo opera baseado na lógica de um "sistema de competição administrativa", que privilegia as organizações públicas não-estatais, as quais podem ser competitivas entre si, ao prestar serviços e obter financiamento do Estado.145