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O DIREITO SOCIAL AO TRABALHO: DE TAREFA TORTUOSA AO STATUS DE DIREITO FUNDAMENTAL

CAPÍTULO 1 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL AO TRABALHO

1.3. O DIREITO SOCIAL AO TRABALHO: DE TAREFA TORTUOSA AO STATUS DE DIREITO FUNDAMENTAL

O direito fundamental social ao trabalho, na teoria jurídica, emana do direito constitucional, inserido na seara dos direitos sociais, e se apresenta com um discurso jurídico consistente mas que, no entanto, revela sua insuficiência pelo que silencia. Ao mesmo tempo em que é um importante direito positivado, é um dos menos efetivados, em especial no que se refere às mulheres.

134

Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 17/4/2015.

O vocábulo “trabalho” pode ser estudado a partir de diferentes prismas, dessa forma, propício a uma análise interdisciplinar por adentrar, de forma implacável, na vida de cada ser humano e interferir na política, na economia, nas relações sociais e no direito, dentre outras áreas. Explica FERRARI “[...] seja quais forem os valores que lhe atribuam (degradante ou enobrecedor), o trabalho sempre ocupou o lugar central em volta do qual as pessoas organizaram suas vidas”.135

Etimologicamente, para BESSELAAR, o substantivo português “trabalho” origina-se do latim tripalium composto de tri (três) e palus (pau), que denota um instrumento de tortura, formado por três paus móveis, em forma de triângulo, com que se podiam contundir os braços e as pernas de um réu, além de também servir para sujeitar cavalos que não se deixavam ferrar. Destaca o autor que no período clássico da literatura portuguesa foi utilizado como sinônimo de tribulações, dores, sofrimentos, sendo a evolução semântica muito semelhante nas demais línguas românicas.136

Neste sentido, explica ZANGRANDO

[...] A palavra trave, em inglês, que designava a baia onde os cavalos eram tratados, lentamente adquiriu outros sentidos, tais como tormento ou fadiga, donde em inglês a palavra travel, que significa uma longa e fatigante viagem. Finalmente, travail, tanto em Francês como em outras línguas latinas substituiu aquilo que era expresso anteriormente pela latina opera. Ainda existem indicações esparsas indicando a origem do termo trabare, que significa obstruir o caminho de alguém com uma barra.137

Por fim, esclarece BATTAGLIA que a expressão “trabalhar” origina-se do baixo latim tripaliare (torturar com tripalium) e, no mesmo sentido, o verbo francês travailler e o termo travail. Já a

135

FERRARI, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho: homenagem a Armando Casimiro Costa. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 22.

136

Cf. BESSELAAR, José Van den. As palavras têm a sua história. Braga: APPACDM Distrital de Braga, 1994, p. 303-304.

137

ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 33.

expressão italiana bisogna (tarefa) implica na necessidade, no que é preciso ser executado, ainda que por agrado, e de mesmo significado, o termo alemão arbeit, assim como os termos ingleses labour e work, o que nos leva a concluir que não é o termo que ilumina o conceito, mas é o conceito ou são os conceitos que dão sentido ao termo.138

Corrobora ARENDT quando aduz que o trabalho se relaciona à palavra grega poiesis que corresponde ao artificialismo da existência humana. Significa fazer, fabricar, criar um produto por técnica ou arte. Poiesis é a obra da mão humana e dos instrumentos que a imitam. O exemplo trazido pela filósofa é o do escultor, uma vez que, o fazer do artista abarca a qualidade da permanência e se torna presença no mundo, para além da vida do seu produtor. Ainda que muitos anos após sua morte, quando alguém encontrar no fundo de um esconderijo a estátua que ele fez, esse alguém saberá da existência de um homem naquele lugar e naquele tempo. Os objetos fruto da fabricação criam o mundo humano. “[...] A mundanidade é a condição humana do trabalho”.139

Assim, por questão de unidade conceitual ao estudo, cita-se o conceito da Organização Internacional do Trabalho, conforme informa LEVAGGI

[...] o trabalho é o conjunto de atividades humanas, remuneradas ou não, que produzem bens ou serviços em uma economia, ou que satisfazem as necessidades de uma comunidade, ou proveem os meios de sustento necessários para os indivíduos. O emprego é definido como trabalho efetuado em troca de um pagamento (salário, soldo, comissões, propinas, pagos em parte ou em espécie) sem importar a relação de dependência.140

Vê-se que o trabalho tanto pode ser avaliado como um encargo, como também pode representar uma fonte de libertação e de realização pessoal. Tido como componente da dignidade humana, tanto pode ser algo natural para o ser humano que possui a necessidade ou o desejo de

138

Cf. BATTAGLIA, Felice. Filosofia do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 18-19.

139

ARENDT, H., 2007, p. 107-110. 140

LEVAGGI, Virgílio. O que é o trabalho decente? Revista da Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho, Brasília, vol. 1, n. 1, jun/2007. Disponível em: http://www.anamatra.org.br. Acesso em: 15/4/2015.

trabalhar, causando satisfação, como pode ser algo desumano quando há a desigualdade, a discriminação e a exploração.

É certo que o trabalho não deve ser compreendido apenas por uma perspectiva vinculada às necessidades, mas sim por uma perspectiva vinculada à realização. Assim, quando livre da necessidade imediata de sobrevivência, distante da atomização, da alienação e da coisificação está aberto ao desenvolvimento das suas potencialidades.

MORAES FILHO esclarece que

[...] Sendo o trabalho um prolongamento da própria personalidade, que se projeta no grupo em que vive o indivíduo, vinculando-o pela própria divisão do trabalho social, aos demais que a compõem, representa esse direito, por si só, a raiz da própria existência do homem, pelo que lhe proporciona e lhe pode proporcionar de subsistência de liberdade, de autoafirmação e de dignidade. O direito social ao trabalho é a possibilidade de vir a participar cada um da produção de todos, recebendo em troca, a remuneração que lhe é devida.141

No mesmo, sentido aduz ZANGRANDO que o trabalho também opera, sob o ponto de vista pessoal, como meio de satisfação das necessidades econômicas, psicológicas e espirituais, de forma que não existe razão para “[...] excluir-se o trabalho lúdico, ou seja, aquele que se realiza por distração”;142

e sob o ponto de vista social, “[...] vê-se que o trabalho transcende a própria pessoa, servindo como desenvolvimento da vida comunitária”.143

Ainda, REALE complementa afirmando que o trabalho é um valor

[...] ele já é, por si mesmo, um valor, como uma das formas fundamentais de objetivação do espírito enquanto transformação da realidade física e social, visto como o homem não trabalha porque quer, mas sim uma por uma exigência

141

MORAES FILHO, Evaristo de. O direito ao trabalho. São Paulo: LTr., 1974, p. 674.

142

ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 66.

143

indeclinável de seu ser social, que “é um ser pessoal de relação”, assim como não se pensa porque se quer, mas por ser um pensamento um elemento intrínseco ao homem, no seu processo existencial, que se traduz em sucessivas “formas de objetivação”. Trabalho e valor, bem como, por via de consequência, trabalho e cultura, afiguram- se termos regidos por essencial dialética de complementariedade.144

Já para MARX

[...] as pessoas dependem de um papel ativo na transformação constante da natureza para que possam existir: antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo - braços e pernas, cabeça e mãos -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes força útil à vida humana. Atuando assim, sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.145

Contudo, as diferentes associações feitas à abrangência do direito social ao trabalho certamente que se vinculam ao princípio da dignidade da pessoa humana, à realização pessoal e, consequentemente, à sobrevivência. O ato de trabalhar é um dos recursos que favorece o desenvolvimento humano, bem como o seu potencial de superação. Corrobora neste sentido o sociólogo ANTUNES ao afirmar que

[...] o trabalho tem a possibilidade de favorecer ao homem o seu desenvolvimento como ser criativo

144

REALE, Miguel. Introdução. In: BAGOLINI, Luigi. Filosofia do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 11.

145

MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro Primeiro: o processo de produção do capital. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1998, p. 211.

e de desenvolver a sua potência. [...] Pelo trabalho, o ser social produz-se a si mesmo como gênero humano; pelo processo de auto-atividade e autocontrole o ser social salta da sua origem natural baseada nos instintos para uma produção e reprodução de si como gênero humano, dotado de autocontrole consciente, caminho imprescindível para a realização da liberdade. 146

Considerando a capacidade laborativa do ser humano, se pode afirmar o trabalho como elemento constitutivo da natureza humana. A despeito de seus possíveis significados, a compreensão do direito de exercê-lo fundamenta sua regulamentação legal como um direito fundamental. Daí sua importante sinergia com o direito constitucional. Entretanto, o trabalho ganha importância na vida do ser humano a partir do momento em que deixa de ser associado a algo pejorativo para ser relacionado à identidade, à autoconsciência, ao reconhecimento, aos relacionamentos e à autorealização.

No que tange à trajetória histórica do direito social ao trabalho, esta foi marcada por aproximações conceituais distantes do que hoje se concebe. Desde a sua idealização como a “liberdade de trabalhar” e/ou o “dever de trabalhar”, até a sua concepção de direito fundamental social, pode-se afirma-se que uma das maiores conquista do ser humano foi o seu reconhecimento à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

Iniciando a análise a partir da Antiguidade Clássica, observa-se que a escravidão, praticada por inúmeros povos, tais como Índia, Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma fez com que a sociedade se estruturasse com base na desigualdade entre os seres humanos e com que os vocábulos “escravidão” e “trabalho” parecessem sinônimos. Assim, a história do trabalho na Antiguidade se confunde com a história da escravidão.147

Destaca OLIVEIRA que “[...] o escravo era um verdadeiro deserdado, comprado e vendido como res, não passando de mercadoria. Não tinha sequer acesso aos bens que produzia, salvo para sua própria sobrevivência, - nos rigorosos limites dela”.148 Para Aristóteles, o

146

ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editoral, 1999, p. 145.

147

Cf. NASCIMENTO, A. M., 2008, p. 143. 148

Cf. OLIVEIRA, José César de. Formação histórica do direito do trabalho. In: Curso de direito do trabalho: estudos em memória de Célio Goyatá. 3. ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 39.

trabalho era concebido como algo necessário aos escravos, pois ao homem livre cabia o ócio para fins de alcançar a virtude.149

Na Idade Média, marcada pelo feudalismo, os senhores feudais cediam parte da terra recebida dos reis - gleba - para os servos, que a cultivavam para manutenção daqueles, ao passo que viviam em míseras condições. SANTOS descreve a relação de servidão vigente à época

[...] Apesar de não serem considerados coisa (res), como ocorria outrora com os escravos, a situação dos servos não se distanciava muito da daqueles, pois eram considerados acessórios das terras pertencentes ao senhor feudal, as quais se vinculavam e ficavam sujeitos a diversas restrições pessoais (não podiam contrair casamento sem permissão ou deslocarem-se para outras terras). Passavam fome, habitavam em condições precárias, não sabiam ler ou escrever e ficavam sujeitos ao cumprimento de diversas obrigações, como de trabalhar gratuitamente em alguns dias da semana, entregar gratuitamente parte da produção ao senhor feudal e pagar pela utilização de equipamentos e instalações do feudo.150

Sob a perspectiva cristã, o trabalho era uma necessidade do ser humano disposta na Bíblia como lei ditada pelo Apóstolo Paulo quando afirma que “[...] se alguém não quiser trabalhar, não coma também”.151

Ressalta-se que conforme a religião cristã começava a influir, foi-se impondo uma concepção positiva do direito social ao trabalho. Verifica-

149

Na verdade, para ARISTÓTELES, a utilidade dos escravos pouco difere da dos animais; serviços corporais para atender às necessidades da vida são prestados por ambos, tanto pelos escravos quanto pelos animais domésticos. A intenção da natureza é fazer também os corpos dos homens livres e dos escravos diferentes - os últimos fortes para as atividades servis, os primeiros erectos, incapazes para tais trabalho mas aptos para a vida de cidadãos [...]. Cf. NASCIMENTO, A. M., 2008, p. 144.

150

SANTOS, Ronaldo Lima dos. A escravidão por dívidas nas relações de trabalho do Brasil contemporâneo. Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo, vol. 1, n. 1, p. 47-67, mar/1991, p. 50

151

Bíblia Sagrada. Versão on line. Livro 2 Tessalonicenses, Capítulo 3, Versículo 10. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br. Acesso em: 2/7/2014.

se nas obras de SANTO TOMÁS DE AQUINO, que o trabalho surge associado ao ideário de dignidade humana, afirmando o filósofo (apud ELDER) que

[...] o trabalho manual tem sua própria dignidade cuja origem está no fato de que procede da pessoa humana: o homem ao trabalhar intenta produzir uma perfeição maior no mundo. Assim alcança uma semelhança maior com Deus que é a causa primeira de todas as coisas.152

Assim, para o filósofo, os seres humanos, ao trabalharem, contribuem para o aperfeiçoamento do mundo, obtendo, dessa forma, uma maior semelhança com Deus, que criou todas as coisas. O trabalho manual liga-se ao ideário de dignidade humana, secundado já pela Renascença. No limiar da Idade Moderna, aduziu ser o trabalho um possibilitador da construção livre e independente da própria existência humana.

Com efeito, no pensamento de SANTO TOMÁS DE AQUINO, a noção de trabalho se encontra com a noção de dignidade, cujo fundamento repousa na circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus, mas também radica na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana. Assim, por força de sua dignidade, o ser humano, sendo livre por natureza, trabalha em função de sua própria vontade.153

Ensina ZANGRANDO que na Idade Moderna, “era dos descobrimentos” onde a Europa expandiu seus domínios geográficos e instituiu colônias, o feudalismo deu lugar à ascensão dos estados-nação e as monarquias se fortaleceram,

[...] vários fatores proporcionaram a expansão: no campo econômico, a estagnação da economia europeia, pelo domínio mouro de parte da Espanha e da África estimulou a busca de novos mercados consumidores e fornecedores. No

152

ELDERS, Leo John. O Pensamento de Santo Tomás de Aquino sobre o Trabalho. Revista de Filosofia e Teologia Aquinate. São Paulo, vol. 1, n. 9, 2009. Disponível em: http://www.aquinate.net. Acesso em: 2/7/2014.

153

Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 31.

campo sociopolítico, a ascensão social da burguesia mercantil e o fortalecimento do Estado Nacional proporcionaram o fomento das expedições. No campo científico, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das técnicas de navegação, com a invenção da bússola e do astrolábio, permitiram aos frágeis navios de madeira se arriscarem nos oceanos desconhecidos. Ainda no século XV, a Renascença marcou uma revolução no plano cultural. Seus ideais centravam-se na restauração dos costumes da antiguidade clássica, fomentando a liberdade de pensamento, o antropocentrismo e o racionalismo, desprezando os dogmas e costumes medievais.154 Num cenário de inauguração dos novos ideais da Idade Moderna, tais como a substituição do modo de produção feudal pelo modo de produção capitalista, o progresso comercial e urbano das cidades, entre outros, observa-se a alternância do regime de servidão para a escravidão155.

Dessa forma, o trabalho na Renascença era desprezado, especialmente pela nobreza, que insistia na manutenção do sistema de

154

ZANGRANDO, C. H. S., 2008, p. 51. 155

Aclara-se que o regime de servidão tem por base a ligação com a terra e não com a pessoa. O senhor feudal, detentor de todos os direitos sobre determinadas áreas de terras, cedia uma parte destas para o servo trabalhar, e em contraprestação, este era obrigado a lhe prestar serviços. As obrigações entre o suserano (quem cede a terra) e o vassalo (quem recebe a terra) eram, ora mútuas à ambos, como as de ordem jurídica e militar, ora obrigatória somente a uma das partes, como no caso do servo que deveria dar a seu senhor uma parte do que produzia e aluguéis em decorrência da terra utilizada. Já na escravidão, a pessoa é considerada como res, propriedade de outra, sendo obrigada a trabalhar forçadamente, passível de punição corporal ou negociação comercial. Registra- se que na Era dos Descobrimentos, com as grandes navegações e a descoberta do Novo Continente pelos europeus, ampliou-se a necessidade de mão de obra escrava. Cf. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 8. Ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 14.

vassalagem156 e no pensamento de que pessoas “educadas” não deveriam prestar trabalho “manual”.157

Em razão da expansão territorial europeia, levada a efeito com a colonização de terras ultramarinas, Brasil e África por exemplo, o sistema escravista de trabalho expandia atrelado à economia mercantil.

Destaca-se que, anteriormente à Revolução Francesa, o direito social ao trabalho consistiu por muito tempo como um privilégio em razão dos Éditos de Henrique III, Henrique IV e Luis XIV. Entretanto, em 14 de junho de 1791, a Lei “Le Chapelier” proclamou a liberdade para o trabalho, permitindo um crescimento para a burguesia, no entanto, com severas consequências na vertente social por proibir a organização dos trabalhadores, o que inviabilizava atos de defesa perante as condições indignas de trabalho.

Conforme explica IBARRECHE, referida norma francesa foi elaborada por Isaac René Guy Le Chapelier, a qual vedava as manifestações dos trabalhadores, as greves e os sindicatos, sustentando a defesa da iniciativa privada e da “livre empresa”. Previa a aplicação de penas aos sindicalistas que podiam ir desde elevadas quantias em dinheiro e privação de direitos de cidadania à pena de morte, nos termos de seus artigos 7º e 8º.158

A partir da Revolução Industrial, que se deu inicialmente na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII (1780), fomentaram-se transformações nos procedimentos de trabalhos manuais ou artesanais para um sistema mecanizado de produção. Retiravam-se, assim, os “grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante

156

O sistema de vassalagem é aquele em que o vassalo oferece ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho em troca de proteção e um lugar no sistema de produção. As redes de vassalagem estendiam-se para várias regiões, sendo o rei o suserano mais poderoso.

157

Cf. ZANGRANDO, C. H. S., 2008, p. 51. 158

Assim, Le Chapelier propugnou que, à exceção dos enfermos, todos poderiam conseguir trabalho e que todo cidadão ostenta frente ao Estado o direito de que este lhe proporcione trabalho. Segundo o autor , esta lei contém uma importante e explícita referência ao direito ao trabalho: “C´est à la nation, c´est aux officiers publics em son nom, de fournir dês travaux à ceux qui em ont besoin pour leur existence”. Tradução livre: “Para a nação, e em nome dos funcionários públicos, fornecer trabalho para aqueles que necessitarem”. O papel central do Estado em relação ao direito ao trabalho está destacado. Cf. IBARRECHE, Rafael Sastre. El derecho al trabajo. Madrid: Trota, 1996, p. 27.

se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços”.159

Esclarece-se que referida revolução não foi um movimento com início e fim determinado, conforme afirma HOBSBAWM, “[...] não tem sentido perguntar quando se “completou” [Revolução Industrial], pois sua essência foi a de que a mudança revolucionária se tornou norma deste então. Ela ainda prossegue [...].160

As fábricas substituíram o trabalho manual por máquinas, implicando a aceleração da produção de mercadorias - que passaram a ser produzidas em larga escala -, o que exigiu uma demanda cada vez mais alta por matéria-prima, por mão de obra especializada para as fábricas e por um mercado consumidor, além da necessidade de aceleração dos meios de transporte de pessoas e mercadorias. Assim, além das mudanças no setor tecnológico, comercial e agrícola, ocorreram acima de tudo as transformações sociais, ou seja, a passagem da sociedade rural para a sociedade urbana.161

[...] Suas mais sérias consequências foram sociais: a transição da nova economia criou a miséria e o descontentamento, os ingredientes da revolução social. E, de fato, a revolução social eclodiu na forma de levantes espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações pobres das cidades, produzindo as revoluções de 1848 no continente c os amplos movimentos cartistas na Grã-Bretanha. O descontentamento não estava ligado apenas aos trabalhadores pobres. Os pequenos comerciantes,