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CAPÍTULO 2 O PRINCÍPIO JURÍDICO DA FRATERNIDADE Abordar o tema fraternidade diante da questão do direito social

2.2 O PRINCÍPIO JURÍDICO DA FRATERNIDADE

O discurso acerca da fraternidade emana de documentos ligados às religiões, em especial do cristianismo, às sociedades secretas, bem como a documentos históricos e políticos. Partindo-se da doutrina de LUBICH, a fraternidade é conceituada como “[...] categoria de pensamento capaz de conjugar a unidade e a distinção a que anseia a humanidade contemporânea”.344

Para a autora, a fraternidade está baseada nos ideais cristãos, nos valores pregados por Jesus Cristo tais como: no amor ao próximo, na caridade, na generosidade e na luta contra a omissão, além de princípio de reunião de todos os seres humanos independentemente de barreiras étnicas, políticas, ideológicas ou econômicas, como se vê

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LUBICH, Chiara. Ideal e Luz. Pensamento, Espiritualidade e Mundo Unido. São Paulo: Cidade Nova, 2003, p. 310.

[...] A fraternidade é um empenho que favorece o desenvolvimento autenticamente humano do país sem isolar na incerteza do futuro as categorias mais fracas, sem excluir outras do bem-estar, sem criar novas pobrezas; salvaguarda os direitos da cidadania e o acesso à própria cidadania, abrindo uma esperança a todos que buscam a possibilidade de uma vida digna em nosso país, o qual pode mostrar a própria grandeza oferecendo-se como pátria para quem perdeu, ajuda a pesquisa científica e a invenção de novas tecnologias, salvaguardando, ao mesmo tempo, a dignidade da pessoa humana do primeiro ao último instante de sua vida, fornecendo sempre as condições para que cada pessoa possa exercer a própria liberdade de escolha e possa crescer assumindo responsabilidades.345

Vê-se que referida categoria favorece um processo vitalício de mudanças de forma multidimensional, trazendo consigo a plasticidade e a inclusão tanto do viés social quanto do individual. A coexistência com o diferente não mais o reprime, pois através da fraternidade são ajustadas as capacidades e expectativas do meio em que vivem e trabalham.

BAGGIO comenta a fraternidade como um princípio esquecido, uma contraposição à divisibilidade e ao conflito, propondo um modus vivendi baseado em harmonia e na coletividade fortemente influenciado pela teologia cristã ao longo da história do Ocidente. Por conta de referida teologia, a linguagem da fraternidade está relacionada “[...] com uma vasta gama de nuanças em Cristo e a uma miríade de manifestações práticas, que vão da simples esmola ao dever da hospitalidade, [...] chegando a complexas obras de solidariedade social”. 346

Ressalta-se que essas últimas, especialmente nas Idades Média e Moderna, precedem os atuais sistemas do bem-estar social.

Dado o exposto, vê-se que para uma proposta de resgate da fraternidade, na condição de princípio jurídico, faz-se necessário estabelecer contornos essenciais sobre o significado de “categoria jurídica constitucional”, partindo-se do pressuposto que “[...]

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LUBICH, C., 2003, p. 309-310. 346

tradicionalmente o tema fraternidade foi enfrentado como um ideal de filosofia política ou social, ou como categoria política, mas não como uma categoria jurídica”.347

Observa-se resistência, por vezes, em analisar a fraternidade sob a perspectiva jurídica constitucional em razão de mitos que se formaram em volta de referida categoria, tais como o de remetê-la a algo que se desenvolve espontaneamente, não podendo ser, assim, objeto de coação. Também o mito de ligar-se somente aos ideais cristãos ou o de poder ser apreendida unicamente em sociedades secretas.

No que tange ao imaginário do desenvolvimento espontâneo, o princípio da fraternidade não pode ser reduzida à mera dimensão do instinto voluntário, uma vez que também constitutiva do Direito. Da mesma forma, convoca o Poder Público e todo e qualquer indivíduo a fazer valer os direitos fundamentais sociais. Neste sentido importante trazer o pensamento de SEN

[...] A tese segundo a qual um direito nunca é obrigatório, a menos que seja acompanhado de uma correlativa obrigação perfeita, é bastante criticável. Em muitos contextos legais, ela pode efetivamente ter algum mérito; mas os direitos defendidos nas discussões normativas, frequentemente, nada mais são do que títulos, poderes ou imunidades que seria bom que todos tivessem. Ou seja, os direitos humanos são vistos como direitos comuns a todos, qualquer que seja a cidadania dos indivíduos em questão, e de cujos benefícios todos deveriam gozar. Não é dever específico de nenhum indivíduo assegurar-se de que os direitos de determinada pessoa sejam respeitados, mas, em geral, é exigido de todo e qualquer indivíduo capaz de interferir procure fazer que tais direitos se tornem efetivos. O próprio Kant define essas exigências genéricas como “obrigações imperfeitas” e discute sua relevância para a vida social; são apelos voltados a todo e qualquer indivíduo capaz de fazer alguma coisa, mas a responsabilidade por tornar efetivo os

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MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídico-constitucional. Disponível em: http://portalciclo.com.br. Acesso em: 14/7/2015.

direitos em questão não pode ser atribuída a nenhuma pessoa ou instituição determinada.348 O princípio da fraternidade, envolve muito mais do que a voluntariedade, sua aplicação no âmbito de decisões jurídicas e administrativas é crucial ao exercício do desenvolvimento e término com as persistentes violações aos direitos fundamentais sociais e persistência da desigualdade e discriminação, em especial no que tange ao direito social das mulheres ao trabalho. “[...] O Direito é tanto mais necessário quanto menos a fraternidade age. E vice-versa, que uma sociedade impregnada de fraternidade poderia dispensar o Direito”.349

Em relação ao mito de se ligar somente aos ideais cristãos, explica MACHADO que

[...] Tendo como referencial os documentos bíblicos - no Antigo Testamento, por exemplo - o termo irmãos era utilizado para indicar os membros da mesma família; da mesma tribo; como oposição aos estrangeiros; ou para indicar os originários de um mesmo tronco familiar. Depois passou a ser utilizado para as pessoas ligadas pela mesma fé; por aliança ou até por aqueles que desempenhavam os mesmos papeis ou funções. No Novo Testamento, a doutrina cristã, em face dos ensinamentos de Jesus Cristo, alargou sobremaneira a ideia de fraternidade, com a afirmação e a proclamação de que todos são irmãos, pois filhos do mesmo Pai que está no céu.350

Contudo, como se sabe, o Estado Democrático de Direito se apresenta laico e reconhece na dignidade da pessoa humana a característica da unicidade sobre a qual o ser humano se constrói. Nenhuma religião é capaz de fazer o mesmo. A proposta do resgate do

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SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 231.

349

GORIA, Fausto. Fraternidade e Direito: algumas reflexões. In: CASO, Giovani et al. (org) Direito e Fraternidade. São Paulo: Cidade Nova: LTr, 2008, p. 25.

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MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídico-constitucional. Disponível em: http://portalciclo.com.br. Acesso em: 14/7/2015.

princípio da fraternidade e de sua apresentação como princípio jurídico deve se dar sem amarras religiosas, prevalecendo a orientação jurídica, para assim auxiliar o repensar do Direito e dos espaços públicos sob uma nova ótica. Aludido princípio se liga a uma releitura de valores e dos direitos fundamentais sociais, que exige o compromisso dos atores jurídicos no reconhecimento e inclusão do outro.

Independentemente da convicção religiosa ou filosófica, a fraternidade, concebida como um princípio jurídico, supera os mitos e manifesta, juntamente com a liberdade e a igualdade, a dignidade humana. Nessa senda, mister esclarecer que os mitos são representações de verdades profundas da mente, e para a sociedade que o vive, uma forma de realidade.

O vocábulo mito designa uma ideia falsa ou a imagem simplificada e ilusória de uma realidade, de forma que seu campo semântico é o da mentira. Também há a concepção do mito como forma de pensamento oposta ao científico. Para SAUVY “[...] os mitos são ideias comumente recebidas, que desaparecem ao serem examinadas”.351

O mito que se criou em torno da fraternidade se apresentou como possível explicação da realidade no passado, mas que no entanto, permite interpretações conflitantes hodiernamente. Por exemplo, a fraternidade que é vivida no âmbito de organizações secretas, maçonaria, por exemplo, que buscam fortalecer sua própria rede de poder econômico e político.

Outro modo de entendê-la é como “fraternidade de classe”. Isso porque, em nome da fraternidade, “[...] alguns regimes políticos negaram aos outros a liberdade ou, até mesmo, os invadiram, reafirmando uma fraternidade formal. Foi o caso da Hungria e da Tchecoslováquia, cujas tentativas de inovação foram barradas pelos tanques de guerra de países irmãos”.352

Para BAGGIO

[...] Essas interpretações da fraternidade não podem ser consideradas como „fraternidades diferentes‟, ou seja, como interpretações possíveis da fraternidade; são a sua negação. Na verdade, tem em comum o fato de serem excludentes, isto é, de eliminarem grupos humanos do âmbito da fraternidade; negam de fato a dimensão universal

351

SAUVY, Alfred. Mitologia de nosso tempo. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 10.

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da ideia de fraternidade, referindo-se a sujeitos „parciais‟, como a seita, a classe, a nação, a raça. A universalidade fraterna é, assim, atribuída a um sujeito específico, gerando um curto-circuito ideológico - a má universalidade - que pode produzir algum tipo de desumanização dos adversários, dos que não se enquadram no próprio esquema de salvação; e assim, ela se autodestrói.353

Diante do exposto, registra-se que há de se ter prudência com o uso da terminologia “universalidade fraterna” em razão da celeuma que existe em torno dos direitos humanos no que diz respeito ao universalismo e ao relativismo, o que inclui os direitos fundamentais sociais, como o direito social ao trabalho, e a fraternidade, enquanto categoria jurídica constitucional.

Com o movimento da globalização354, presenciou-se uma maior conexão entre as regiões do planeta, o que implicou na identificação, de forma mais clara, de problemas por vezes esquecidos, ou seja, observou- se a discrepância com relação aos direitos dos cidadãos nos diversos países. Isso fez com que se aprimorasse a doutrina universalista dos direitos humanos, que busca defender um padrão mínimo de direitos a todos.355

Segundo BOBBIO, a doutrina universalista, quando concebida de modo atemporal, acaba por embasar posicionamentos conservadores que impedem o aprimoramento e acompanhamento social do direito. Ressalta-se que o que em determinada época foi encarado como direito

353

BAGGIO, A. M., 2008, p. 20. 354

O termo globalização demanda “uma configuração histórico-social abrangente”, pois compreende diversos fenômenos: econômicos, políticos, sociais e culturais, , “no âmbito da qual se movem os indivíduos e as coletividades, ou as nações e as nacionalidades, compreendendo grupos sociais, classes sociais, povos, tribos, clãs e etnias, com as suas formas sociais de vida e trabalho, com as suas instituições, os seus padrões e os seus valores” “em geral sintetizados no conceito de globalização”. BARRAL, Welber; MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Globalização e a prática do direito. In: GUERRA, Sidney (org.) Globalização: desafios e implicações para o direito internacional contemporâneo. Ijuí: Unijuí, 2006, p. 295-322. p. 298.

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Cf. BARRAL, Welber; MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Globalização e a prática do direito. In: GUERRA, Sidney (org.) Globalização: desafios e implicações para o direito internacional contemporâneo. Ijuí: Unijuí, 2006, p. 295-322. p. 298.

fundamental, é aceito de forma diferente em outro momento da história.356 Entretanto, BOBBIO não desconsidera referida doutrina, apenas se opõe ao fundamento absoluto e atemporal, acreditando, assim, que a universalidade dos direitos humanos foi conquistada por meio do consenso da comunidade internacional que ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por outro lado, a teoria do relativismo traz que o indivíduo é fruto do meio em que habita e que não há um valor intrínseco que ultrapassasse as barreiras do tempo. Assim, o almejo da fraternidade é oriundo da cultura ocidental, onde os direitos humanos universais apresentam-se como instrumentos de “[...] choque de civilizações, ou seja, como arma do Ocidente contra o resto do mundo”.357

Resumidamente, tem-se que os relativistas tendem a conferir um valor maior aos grupos dos excluídos, enquanto que os universalistas aproximam-se da generalização dos direitos humanos. Daí PIOVESAN afirmar que “[...] Na ótica relativista, há o primado do coletivismo. Isto é, o ponto de partida é a coletividade, e o indivíduo é percebido como parte integrante da sociedade. [...] na ótica universalista, há o primado do individualismo”.358

Assim, propõem-se pensar na “universalidade fraterna”, trazida por BAGGIO, sem esquecer-se a legitimidade local de cada cultura, ainda que a história traga um monólogo das potências imperialistas. Certo é que o princípio da fraternidade desempenhou, e desempenha, papel importante nas esferas política, econômica, social, mas também na jurídica, onde se busca (re)construí-la como uma categoria jurídica constitucional, na qualidade de princípio para o fim de comprometer iguais e diferentes.

Ressalta MACHADO que trabalhar um assunto, avaliado particularmente pelos juristas em geral como meta jurídico, implica no estabelecimento de uma premissa sem a qual o princípio da fraternidade não pode ser almejado, ou seja, no reconhecimento da igualdade formal

356

BOBBIO, N., 2004, p. 25. 357

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma concepção multicultural dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.boaventuradesousasantos.pt. Acesso em: 19/5/2015. Segundo o autor, localismo globalizado “consiste no processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso, seja a atividade mundial das multinacionais, a transformação da língua inglesa em língua franca, a globalização do fast food americano ou da sua música popular ou a adoção mundial das leis de propriedade intelectual ou de telecomunicações dos EUA”.

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e material de todos os seres humanos, ou seja, de igualdade em dignidade. Não obstante, tal dignidade é “[...] considerada numa perspectiva dinâmica e não estática. É dizer: entender a pessoa visando sua própria realização em comunidade; sua participação com outras pessoas, num contexto relacional”.359

As categorias jurídicas estão ligadas a um conjunto de conhecimentos afetos a determinada área do Direito. Envolve a análise pormenorizada de determinado tema, bem como de sua relação com ideias e fatos. Neste sentido, não se pode deixar de mencionar que a construção jurídica da categoria fraternidade não ignora as transformações estruturais e conjunturais pelas quais tem passado historicamente a sociedade brasileira, esta caracterizada por uma tradição secular de individualismo e autoritarismo nas relações políticas e sociais.

Neste sentido, a cultura jurídica brasileira também se encontra historicamente marcada por um legalismo que instrumentaliza práxis egocentristas em diferentes matizes e profundidades. Atua assim, como um fator legitimador da atual dominação política e social, mantendo um nítido compromisso com a vigência e reprodução do status quo.

Trazer a categoria fraternidade para o Direito busca romper com uma ideologia estritamente racional impressa pela modernidade. Para BAGGIO, hoje parece que é chegado o tempo para que se retorna o interrogante do insucesso da realização da liberdade e da igualdade pela falta da fraternidade. “[...] Em outros termos, os princípios da trilogia francesa poderiam ser comparados às pernas de uma mesa: são necessárias todas as três para que ela se sustente”.360

A consequência da concepção da fraternidade inserida no Direito, como uma categoria jurídica constitucional, seria a de que toda a sua carga axiológica está infiltrada e em choque com o dogmativismo que prega verdades imutáveis, capazes de exercerem um controle e uma segurança de aparente neutralidade. Assim, a produção e a reprodução da categoria jurídica fraternidade requer uma interpretação estrutural que não se pode esquecer que parte dos limites da cultura que o molda. Apesar de suas aparentes ambiguidades, possui uma lógica compromissada com o Direito e vinculada à democracia, tanto que os

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MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídico-constitucional. Disponível em: http://portalciclo.com.br. Acesso em: 14/7/2015.

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vocábulos “irmão” e “cidadão” designam indivíduos com o mesmo status.

O princípio da fraternidade integra o Direito e sua relevância não pode ser negada na pós-modernidade. Compreendida a partir de sua inserção no discurso jurídico, o seu grande estigma é o cenário moderno liberal e positivista que se apresenta. Corrobora BAGGIO ao afirmar que

[...] A novidade dos nossos dias consiste justamente na nova necessidade que impele a pergunta: a fraternidade pode se tornar a terceira categoria política [no caso, jurídica], ao lado da liberdade e da igualdade, para completar e dar novos significados aos fundamentos e às perspectivas da democracia? É verdade que os estudos neste campo devem abordar não só a situação de esquecimento da fraternidade, mas também remover os “escombros” que atrapalham os campos de estudo, produzidos pelas interpretações redutivas que a fraternidade teve nos últimos dois séculos e que contribuíram para gerar uma espécie de desconfiança em relação a ela.361

O discurso da categoria jurídica fraternidade no Direito emana do direito constitucional, inserida no preâmbulo da CRFB/1988, aparece inserida no conjunto de enunciados formulados pelo constituinte originário, tracejando os caminhos da Lei fundamental. Tal localização permite introduzi-la no discurso jurídico, insinuando temáticas que pressupostamente a circunvizinham como a inclusão, a união, a tolerância e a dignidade humana. Mas também permite, simultaneamente, indicar que a fraternidade não apresenta um estatuto próprio no interior do discurso jurídico.

Com efeito, trata-se de uma categoria até então tida como residual. No entanto, se tornou suficientemente jurídica e consistente pelo que silencia, revelando uma profunda lógica interna. Neste sentido, explica MACHADO

[...] Ao afirmar a Constituição brasileira que é objetivo fundamental da República Federativa

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construir uma sociedade livre, justa e solidária, constata-se, cristalinamente, o reconhecimento de dimensões materializadas em três valores distintos, mas em simbiose perfeita: a) uma dimensão política: construir uma sociedade livre; b) Uma dimensão social: construir uma sociedade justa; c) Uma dimensão fraternal: construir uma sociedade solidária. Cada uma das três dimensões, ao encerrar valores próprios, liberdade, igualdade e fraternidade, instituem categorias constitucionais. A Constituição busca com a dimensão fraternal, uma integração comunitária, uma vida em comunhão. Se vivermos efetivamente em comunidade, estaremos, de fato, numa comum unidade. Em uma palavra: fraternidade.362

A partir do disposto por MACHADO e por BAGGIO é possível enunciar um discurso comum, tendo como premissa que os atores jurídicos não se sentem interpelados a tratar com profundidade a fraternidade, não parecendo exagero afirmar que, no universo jurídico, ocupe a posição de epifenômeno cujos temas centrais envolvidos são a solidariedade, a liberdade e a igualdade.

Em síntese, a distinção da categoria jurídico constitucional da fraternidade em relação à solidariedade, à liberdade e à igualdade, embora existente e necessária, carece de significação. Trata-se mais do que uma disputa conceitual na medida em fornece um substrato para a titularidade de direitos fundamentais. A categoria jurídico constitucional da fraternidade é responsável por explicitar os ideais do novo Estado, bem como a impressão filosófica e política da nação para qual foi constituído. Desta monta, por se tratar de fenômeno cultural, referida categoria passou a ser parte integrante da Lei maior, simbolizando uma relação integrativa em relação ao texto constitucional, no sentido de que através de sua expressão e diretriz devem ser assentadas as bases da sociedade.

Uma sociedade fraterna consiste em apresentar-se sem preconceitos e pluralista. “[...] Não se reduz a ações distributivistas, de inclusão social que se situam somente no plano de gastos públicos, mas

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MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídico-constitucional. Disponível em: http://portalciclo.com.br. Acesso em: 14/7/2015.

busca o combate a qualquer forma de preconceito através de ações afirmativas (deficientes, mulheres, negros), etc”.363 É o ordenamento jurídico a serviço da realização - ou pelo menos em busca - da fraternidade. Urge que se inaugure, de fato, um Estado Fraternal.

Neste sentido, referida categoria assume uma dimensão jurídica quando intrínseca ao próprio processo e procedimento jurídicos, fazendo parte constitutiva dos critérios de decisão, contribuindo para determinar, junto com a liberdade e a igualdade, método e conteúdos. Lembra BAGGIO que se deve afiançar um intercâmbio ativo entre os três princípios, sem deixar de lado nenhum deles, em todas as esferas públicas, quais sejam: a política econômica (decisões sobre investimentos, distribuição dos recursos), o legislativo e o judiciário (equilíbrio dos direitos entre as pessoas, entre pessoas e comunidades, entre comunidades) e o internacional (para responder às exigências das relações entre os Estados, bem como para enfrentar os problemas de dimensão continental e planetária).364

A fraternidade e o Direito não são excludentes, aquela fornece um viés fluído de interpretação e aplicação deste em contraposição ao