1. Direito romano-canónico como direito subsidiário desta época
● no séc XIII, as grandes fontes de direito subsidiário em Portugal começaram por ser o direito romano e canónico; continuariam a sê-lo até ao séc XVIII, com a vitória das ideias iluministas e jusnaturalistas
● as compilações romano-canónicas tornaram-se a fonte inspiradora da atividade legislativa dos monarcas, e passaram também a constituir a fonte de soluções concretas dos problemas jurídicos a que tribunais podiam recorrer para suprir lacunas da legislação régia
○ ⇒ tinham portanto um domínio de aplicação mais amplo do que as próprias fontes jurídicas nacionais
● no entanto, e nesta primeira fase da sua vigência subsidiária, as compilações romano-canónicas eram apenas acessíveis a um escasso número de eruditos
○ a sua aplicação direta pouco ultrapassava os limites do tribunal da Corte e de alguns tribunais canónicos;
○ alguns juízes começavam a tentar aplicar as normas destas compilações, no entanto, não tinham as aptidões para navegar na imensidão de disposições existentes e não compreendiam a língua latina em que se encontravam redigidos
● começaram a ser utilizadas em Portugal, a partir do séc XIII, certas obras doutrinais de origem castelhana → “Flores de Derecho”, Fuero Real e as Siete Partidas
○ traduções do Código de Justinianeu ou das Decretais de Gregório IX, que continham sínteses doutrinais ou normativas dos preceitos de direito romano e canónico
● as obras castelhanas foram traduzidas para português, para poderem ser utilizadas mais facilmente pelos tribunais municipais
2. Primeira regulação completa do problema do direito subsidiário - Ordenações Afonsinas (1146)
● aproveitou-se a elaboração da primeira grande codificação nacional, ou seja, as Ordenações Afonsinas em 1446, para estabelecer pela primeira vez uma
regulamentação cuidada do problema do direito subsidiário
○ a regulamentação é aqui apresentada como um problema de conflito de jurisdições entre o poder temporal e o poder religioso
○ o mesmo torna-se evidente devido à epígrafe onde o problema é tratado:
“Quando a lei contradiz a Decretal, qual delas se deve guardar”
○ e também a sua colocação no esquema formas das Ordenações: noLivro II, que trata asrelações entre a Igreja e o Estado
● exalta-se o valor da justiça e fala-se do monarca justo, que também se submete às leis
● fontes principais de direito:
○ leis
○ estilos da Corte → jurisprudência uniforme e constante dos tribunais superiores
○ costumes do Reino
○ ⇒ têm prioridade absoluta; se há lei do Reino, não se aplicam outros direitos
■ ↳ ataque direto à aplicação do direito romano
● direito subsidiário:
○ leis imperiais (direito romano)
○ direito canónico
■ menciona que se deve obediência ao Papa
● na insuficiência deste:
○ glosas de Acúrsio
■ glosador, estudou direito romano
■ há quem defenda que antes de se recorrer ao direito canónico, se deveria primeiro recorrer ao direito que ainda regula matérias estritamente temporais (direito romano nas glosas de Acúrsio)
○ opinião de Bártolo
■ comentador → estudou também direito canónico
■ ⇒ monarca reconhece que há opiniões que não consegue apagar, reconhece o que já era a prática dos tribunais
○ resolução régia
■ se nenhuma das fontes principais ou subsidiárias conseguirem resolver o caso concreto
● qual dos direitos subsidiários se deve aplicar?
○ direito romano
■ aplica-se a matérias temporais → matéria que não irá envolver nenhuma solução pecaminosa
■ ⇒ monarcas aproveitam direito romano, mas não devem obediência ou dependência aos imperadores romanos
○ direito canónico
■ aplica-se a matérias espirituais → matérias diretamente relacionadas com o pecado e com a religião;
■ aplica-se a matérias temporais de pecado → se perante uma matéria temporal, ao aplicarmos o direito romano, criamos uma solução pecaminosa, deve-se aplicar o direito canónico; colisão de soluções de direito romano com as do direito canónico → não se podem incentivar soluções pecaminosas
■ e onde há uma lacuna no direito romano
■ ⇒ deve-se obediência ao Santo Padre 3. O direito subsidiário nas Ordenações Manuelinas (1521)
● problemática do direito subsidiário é de novo enquadrada no Livro II, relativo às relações entre o Estado e a Igreja, mas a epígrafe é diferente: “Como se julgam os casos que não forem determinados pelas nossas Ordenações”
○ assinala que o legislador tem consciência que a questão transcende o âmbito de um conflito entre lei e decretal ou entre direito civil e eclesiástico
● fontes principais de direito:
○ leis nacionais
○ estilos da Corte
○ costume do Reino
■ quanto ao costume, diz que pode ser geral ou local, mas tem que ser um “bom costume, que por Direito se deva guardar”
○ ⇒ afirmação do poder régio e do predomínio da lei do monarca
● direito subsidiário:
○ leis imperiais
○ direito canónico
■ no entanto, já não se menciona que se deve obediência ao Papa; há uma omissão
■ a questão de qual direito se deve aplicar deve ser respondida de acordo com o critério do pecado
● na insuficiência deste:
○ glosas de Acúrsio
○ opinião de Bártolo
■ ⇒ mas há um maior controlo da opinião: estas só valem se não forem contrárias à opinião comum dos doutores
■ quanto a Bártolo, só valem as opiniões contrárias se posteriores ao autor
● compromisso com a corrente do humanismo jurídico
○ arbítrio do monarca
● diferenças relativamente às Ordenações Afonsinas:
1. epígrafe já não reconduz a um problema entre aplicação do direito canónico e civil
2. há uma omissão quanto ao dever de obediência ao Papa
a. em seu lugar, há uma razão de ordem positiva do acatamento do direito romano: direito romano está fundado na boa razão
3. quanto à aplicação do direito subsidiário, já não distingue entre problemas de ordem temporal ou espiritual
a. reconduz-se tudo a um problema único, em que só conta o critério do pecado, qualquer que seja a natureza do caso a resolver
b. tal implica um alargamento do campo de aplicação do direito romano face ao canónico
4. exigência da glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo não serem contrárias à opinião comum dos doutores
4. O direito subsidiário nas Ordenações Filipinas (1603)
● redação das Ordenações Manuelinas foi adotada com apenas alguns retoques nas Ordenações Filipinas
● título relativo ao direito subsidiário passou de figurar no Livro II para passar para o Livro III, que trata do direito processual
○ rompe-se por completo com a ideia de que a questão do direito subsidiário era uma questão de conflito entre poder temporal e poder espiritual
● a maior diferença consagrada nas Ordenações Filipinas são os limites da aplicação do direito romano e o critério de fixação da opinio communis
● fontes primárias:
○ leis pátrias
○ estilos da Corte
○ costume do Reino
● fontes subsidiárias:
○ leis imperiais
■ apenas se deve guardar aquelas que são fundamentadas pela boa razão
● ⇒ devido a esta valorização da razão, GOMES DA SILVA considera-a como fonte de direito subsidiária
■ critério da fixação da opinio communis
● é um critério quantitativo e qualitativo: a opinio communis é a opinião de uma maioria qualificada dos autores, ou seja, da maioria que mais se tivesse debatido sobre o tema
5. A interpretação da lei
● problema da interpretação da lei com sentido universalmente vinculativo é tratado também nas Ordenações Manuelinas e Filipinas
● soluções para casos de dúvida na interpretação eram determinadas pelos regedores dos tribunais e depois fixada em assentos, que surgem então como jurisprudência obrigatória
HUMANISMO JURÍDICO, JUSRACIONALISMO E HUMANITARISMO