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DIREITO SUBSIDIÁRIO NA HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS (BRAGA DA CRUZ) alkamlk

No documento História do Direito Português (páginas 34-38)

1. Direito romano-canónico como direito subsidiário desta época

● no séc XIII, as grandes fontes de direito subsidiário em Portugal começaram por ser o direito romano e canónico; continuariam a sê-lo até ao séc XVIII, com a vitória das ideias iluministas e jusnaturalistas

● as compilações romano-canónicas tornaram-se a fonte inspiradora da atividade legislativa dos monarcas, e passaram também a constituir a fonte de soluções concretas dos problemas jurídicos a que tribunais podiam recorrer para suprir lacunas da legislação régia

○ ⇒ tinham portanto um domínio de aplicação mais amplo do que as próprias fontes jurídicas nacionais

● no entanto, e nesta primeira fase da sua vigência subsidiária, as compilações romano-canónicas eram apenas acessíveis a um escasso número de eruditos

○ a sua aplicação direta pouco ultrapassava os limites do tribunal da Corte e de alguns tribunais canónicos;

○ alguns juízes começavam a tentar aplicar as normas destas compilações, no entanto, não tinham as aptidões para navegar na imensidão de disposições existentes e não compreendiam a língua latina em que se encontravam redigidos

● começaram a ser utilizadas em Portugal, a partir do séc XIII, certas obras doutrinais de origem castelhana → “​Flores de Derecho”, Fuero Real e as Siete Partidas

○ traduções do Código de Justinianeu ou das Decretais de Gregório IX, que continham sínteses doutrinais ou normativas dos preceitos de direito romano e canónico

● as obras castelhanas foram traduzidas para português, para poderem ser utilizadas mais facilmente pelos tribunais municipais

2. Primeira regulação completa do problema do direito subsidiário - Ordenações Afonsinas (1146)

● aproveitou-se a elaboração da primeira grande codificação nacional, ou seja, as Ordenações Afonsinas em 1446, para estabelecer pela primeira vez uma

regulamentação cuidada do problema do direito subsidiário

○ a regulamentação é aqui apresentada como um problema de conflito de jurisdições entre o ​poder temporal e o poder religioso

○ o mesmo torna-se evidente devido à epígrafe onde o problema é tratado:

“​Quando a lei contradiz a Decretal, qual delas se deve guardar”

○ e também a sua colocação no esquema formas das Ordenações: no​​Livro II, que trata as​​relações entre a Igreja e o Estado

● exalta-se o valor da justiça e fala-se do ​monarca justo​, que também se submete às leis

● fontes principais de direito:

○ leis

○ estilos da Corte → jurisprudência uniforme e constante dos tribunais superiores

○ costumes do Reino

○ ⇒ ​têm prioridade absoluta; se há lei do Reino, não se aplicam outros direitos

■ ↳ ​ataque direto à aplicação do direito romano

● direito subsidiário:

○ leis imperiais (direito romano)

○ direito canónico

■ menciona que se deve obediência ao Papa

● na insuficiência deste:

○ glosas de Acúrsio

■ glosador, estudou direito romano

■ há quem defenda que antes de se recorrer ao direito canónico, se deveria primeiro recorrer ao direito que ainda regula matérias estritamente temporais (direito romano nas glosas de Acúrsio)

○ opinião de Bártolo

■ comentador → estudou também direito canónico

■ ⇒ monarca reconhece que há opiniões que não consegue apagar, reconhece o que já era a prática dos tribunais

○ resolução régia

■ se nenhuma das fontes principais ou subsidiárias conseguirem resolver o caso concreto

● qual dos direitos subsidiários se deve aplicar?

○ direito romano

■ aplica-se a ​matérias temporais​ → matéria que não irá envolver nenhuma solução pecaminosa

■ ⇒ monarcas aproveitam direito romano, mas não devem obediência ou dependência aos imperadores romanos

○ direito canónico

■ aplica-se a ​matérias espirituais​ → matérias diretamente relacionadas com o pecado e com a religião;

■ aplica-se a ​matérias temporais de pecado​ → se perante uma matéria temporal, ao aplicarmos o direito romano, criamos uma solução pecaminosa, deve-se aplicar o direito canónico; colisão de soluções de direito romano com as do direito canónico → não se podem incentivar soluções pecaminosas

■ e ​onde há uma lacuna no direito romano

■ ⇒ deve-se obediência ao Santo Padre 3. O direito subsidiário nas Ordenações Manuelinas (1521)

● problemática do direito subsidiário é de novo enquadrada no Livro II, relativo às relações entre o Estado e a Igreja, mas a epígrafe é diferente: “​Como se julgam os casos que não forem determinados pelas nossas Ordenações

○ assinala que o legislador tem consciência que a questão transcende o âmbito de um conflito entre lei e decretal ou entre direito civil e eclesiástico

● fontes principais de direito:

○ leis nacionais

○ estilos da Corte

○ costume do Reino

■ quanto ao costume, diz que pode ser geral ou local, mas tem que ser um “bom costume, que por Direito se deva guardar”

⇒​ afirmação do poder régio e do predomínio da lei do monarca

● direito subsidiário:

○ leis imperiais

○ direito canónico

■ no entanto, já não se menciona que se deve obediência ao Papa; há uma ​omissão

■ a questão de qual direito se deve aplicar deve ser respondida de acordo com o critério do pecado

● na insuficiência deste:

○ glosas de Acúrsio

○ opinião de Bártolo

■ ⇒ mas há um maior controlo da opinião: estas só valem se não forem contrárias à opinião comum dos doutores

■ quanto a Bártolo, só valem as opiniões contrárias se posteriores ao autor

● compromisso com a corrente do ​humanismo jurídico

○ arbítrio do monarca

● diferenças relativamente às Ordenações Afonsinas:

1. epígrafe já não reconduz a um problema entre aplicação do direito canónico e civil

2. há uma omissão quanto ao dever de obediência ao Papa

a. em seu lugar, há uma razão de ordem positiva do acatamento do direito romano: direito romano está fundado na boa razão

3. quanto à aplicação do direito subsidiário, já não distingue entre problemas de ordem temporal ou espiritual

a. reconduz-se tudo a um problema único, em que só conta o critério do pecado, qualquer que seja a natureza do caso a resolver

b. tal implica um alargamento do campo de aplicação do direito romano face ao canónico

4. exigência da glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo não serem contrárias à opinião comum dos doutores

4. O direito subsidiário nas Ordenações Filipinas (1603)

● redação das Ordenações Manuelinas foi adotada com apenas alguns retoques nas Ordenações Filipinas

● título relativo ao direito subsidiário passou de figurar no Livro II para passar para o Livro III, que trata do ​direito processual

○ rompe-se por completo com a ideia de que a questão do direito subsidiário era uma questão de conflito entre poder temporal e poder espiritual

● a maior diferença consagrada nas Ordenações Filipinas são os limites da aplicação do direito romano e o critério de fixação da ​opinio communis

● fontes primárias:

○ leis pátrias

○ estilos da Corte

○ costume do Reino

● fontes subsidiárias:

○ leis imperiais

■ apenas se deve guardar aquelas que são fundamentadas pela ​boa razão

● ⇒ devido a esta valorização da razão, GOMES DA SILVA considera-a como fonte de direito subsidiária

■ critério da fixação da ​opinio communis

● é um critério quantitativo e qualitativo: a ​opinio communis é a opinião de uma maioria qualificada dos autores, ou seja, da maioria que mais se tivesse debatido sobre o tema

5. A interpretação da lei

● problema da interpretação da lei com sentido universalmente vinculativo é tratado também nas Ordenações Manuelinas e Filipinas

● soluções para casos de dúvida na interpretação eram determinadas pelos regedores dos tribunais e depois fixada em ​assentos​, que surgem então como jurisprudência obrigatória

HUMANISMO JURÍDICO, JUSRACIONALISMO E HUMANITARISMO

No documento História do Direito Português (páginas 34-38)

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