1. Humanismo jurídico renascentista
● aparecimento desta nova corrente prende-se a dois factos essenciais:
1. progresso do Renascimento, que trouxe transformações gerais ao campo das artes, ciências e culturas, tal como uma restauração dos textos da
antiguidade clássica
2. decadência da obra dos comentadores, a partir do séc XV
● causa do seu aparecimento:
○ contestação ao direito prudencial ⇒crítica da tradição jurídica
■ trabalho dos comentadores e glosadores leva a uma incerteza quanto à distinção entre o texto original e os comentários
■ impreparação e menosprezo dos Comentadores quanto aos aspetos históricos que rodearam a criação da norma romana ⇒ levou à aplicação de conceitos incorrentes e a falsas interpretações
● características
○ humanismo quinhentista surge, e começa-se a encarar o direito romano como uma das várias manifestações da cultura clássica
○ juristas humanistas iniciam estudo crítico das fontes romanas
○ humanismo contrapõe-se às escolas prudenciais, nomeadamente ao bartolismo
○ razão como única fonte de direito
○ oposição à communis opinio doctorum → afasta-se a autoridade, é a razão aparada ao método que alcançará a verdade
2. Iluminismo
● na segunda metade do século XVIII, a linha de pensamento do iluminismo foi das que mais influenciou as reformas pombalinas
○ iluminismo português corresponde à segunda metade do século XVII
● Iluminismo foi um período voltado para construções de sentido antropológico e experimentalista
○ no centro da compreensão do mundo e da vida situa-se o Homem
● é a época por excelência da Razão e do racionalismo
● há uma conceção individualista-liberal:
○ na base do Direito e do Estado colocam-se os direitos originários e naturais do indivíduo
● ⇒ Iluminismo leva ao aparecimento da corrente do jusracionalismo 2.1 Jusracionalismo
● há uma hiper-valorização da razão, assumindo esta um papel próximo de fonte de direito
○ trata-se de uma razão fundada no direito natural, mas de base antropocêntrica; razão já não tem base divina, como na Idade Média
● hipertrofia da razão e do racionalismo:
○ por excelência, o Iluminismo é a época da razão e do racionalismo ⇒ é uma razão essencialmente subjetiva e crítica, e um racionalismo essencialmente humanista e antropocêntrico (CABRAL DE MONCADA)
○ a razão, vinda das ciências naturais, assume o seu lugar no terreno jurídico, onde ataca as velhas estruturas medievais; a validade é aferida pela razão
○ é uma razão crítica que tem uma dimensão humana e que procede a um julgamento universal
● racionalismo mecanicista:
○ racionalismo inspirado nas ciências naturais
○ “sociedade é uma máquina complicada, que trabalha com tantas peças quantos são os indivíduos de que se compõe”
○ ⇒ racionalismo mecanicista vê o homem como uma das peças da sociedade;
para que os indivíduos possam encontrar os seus precisos lugares
● valor da opinião:
○ tal como no direito prudencial, havia uma valorização da opinião dos doutores, mas havia a exigência de ser uma opinião conforme à razão
○ crítica de seguimento de opiniões que não sejam conforme à razão vem de Descartes ⇒ critério mais importante para aderir a uma opinião é a
demonstração da razão 2.2. Humanitarismo
● no âmbito do do direito penal, há que mencionar as correntes humanitaristas, derivadas do jusracionalismo e do iluminismo
● evolução do direito penal
○ Idade Média
■ não há monopólio de punição, havia sistemas de vingança privada
■ sendo que a figura do monarca estava distanciada das estruturas locais, era necessário que esta última desenvolve-se os seus próprios mecanismos de aplicação de direito e justiça
■ justiça pela própria mão
○ a partir do século XV
■ monarca começa a institucionalizar o direito penal e a impôr regras
■ justiça e punições não eram objetivas iguais para todos: havia a retroatividade das penas, tal como penas diferentes consoante o estatuto social
■ penas eram inumanas, recorrendo várias vezes à tortura
■ penas eram desproporcionais
○ ⇒ princípios do direito penal começam a mudar com a corrente humanitarista
● Cesare Beccaria é considerado o pai do humanitarismo no direito penal, após ter escrito o seu livro “Dos Delitos e das Penas”
○ no seu livro, Beccaria faz várias reivindicações que resumem a corrente humanitarista
● reivindicações e princípios humanitaristas
○ absoluta necessidade das penas e legitimidade:
■ Estado apenas deve intervir e restringir a liberdade quando é absolutamente necessário, visto que o contrário implicaria tirania
■ não é legítimo retirar a liberdade a alguém, a não ser que essa pessoa tenha feito o mesmo a um terceiro
■ rompe-se com a ideia medieval de penas arbitrárias
○ princípio da legalidade das penas:
■ apenas as leis podem fixar as penas, não podendo as mesmas ser fixadas arbitrariamente
■ poder de fixar as leis compete apenas ao legislador, devido ao contrato social
○ contrato social:
■ é indispensável que o governante honre os princípios da delegação de poderes inerente ao contrato social, e que ele não abuse desse mesmo poder
○ interpretação das leis penais:
■ o legítimo intérprete da lei é o soberano ou o juiz
■ visto que a interpretação pode ser vista como o livre arbítrio do intérprete, a função do juiz encontrava-se muito delimitada → apenas devia decidir se pessoa era, ou não, culpada
○ princípio da proporcionalidade das penas
■ deve haver uma proporcionalidade entre os delitos e as penas, algo que não existia antes → penas eram usadas como exemplos
■ pena de morte é apenas um espetáculo para as massas, sendo exagerada para qualquer tipo de delito
3. Lei da Boa Razão (1769)
● lei de 18 de Agosto de 1769 fica conhecida como Lei da Boa Razão, devido à afirmação da mesma como parâmetro de validade das diferentes fontes normativas não produzidas pelo monarca
● enquadra-se no quadro de atividade legislativa de Marquês de Pombal; verifica-se na mesma uma viragem ideológica na história do direito português
● objetivos da lei:
○ impedir irregularidades em matéria de assentos
○ regular a utilização do direito subsidiário
○ fixar normas precisas sobre a validade do costume
○ elementos a que o intérprete pode recorrer para o preenchimento de lacunas
● imposição de novos critérios de interpretação e integração de lacunas
○ reforma dos critérios de interpretação e integração de lacunas; a reforma da mentalidade dos juristas é feita 3 anos depois, com os Novos Estatutos
○ afirmação da falta de aplicação da lei régia, sendo em vez aplicados o direito canónico, romano e o costume
○ para além de uma falta de aplicação do direito régio, o monarca afirma que há uma má-interpretação das mesmas por parte dos juristas, que leva a uma falta de segurança jurídica
■ variabilidade de opiniões abusivas prejudicam a justiça
■ monarca assume função de proteger o povo de abusos por parte das interpretações dos juristas
○ ⇒ apenas é aceitável o significado da interpretação autêntica das leis
■ para tal, o Tribunal deve proferir assentos normativos 3.1 Direito subsidiário na Lei da Boa Razão
● questão do direito subsidiário na Lei da Boa Razão reduz-se essencialmente a uma questão de observância no disposto nas Ordenações:
○ Ordenações estabelecem como fonte de direito subsidiário as “leis imperiais”, no entanto, apenas admite aquelas que sejam conformes à boa razão
● ⇒ de facto, os aplicadores não cumpriam tal limitação consagrada nas Ordenações, cometendo dois abusos:
○ aplicação das leis romanas antes das leis pátrias
○ aplicação indiscriminada das leis romana, sem averiguar se são fundadas na boa razão
● solução consagrada:
1. proibição da utilização de quaisquer outros textos ou autoridade, enquanto houver Ordenações, leis pátrias ou usos do reino ⇒ fontes primárias 2. estabelecimento da boa razão como supremo critério de integração das
lacunas do direito nacional
a. visto que as Ordenações não especificam o que era a boa razão, os legisladores pombalinos aproveitam para defini-la de acordo com o pensamento racionalista e iluminista
i. ⇒ boa razão como recta ratio dos jusnaturalistas; boa razão não corresponde à autoridade geral dos textos romanos, devendo-se definir com 3 pontos:
1. consiste nos princípios primitivos da ética dos romanos, formalizada pelos direitos divino e natural para servir a moral e o cristianismo ⇒ direito romano como fonte subsidiária
2. funda-se em outras regras que formam o direito das gentes, por unânime consentimento ⇒ direito das gentes como fonte subsidiária
3. deve recorrer às leis das nações iluminadas e polidas em matérias políticas, económicas e marítimas ⇒ impedimento à aplicação do direito romano nestas matérias
b. proibição da aplicação subsidiária do direito canónico nos tribunais civis, relegando a sua aplicação para os tribunais eclesiásticos c. bane autoridade da Glosa de Acúrsio e das Opiniões de Bártolo
● apesar do sistema consagrado ser aparentemente simples (boa razão como único critério de integração de lacunas), o grande problema residia na mentalidade e na formação dos juristas, moldados pela Universidade
○ ⇒ para complementar a Lei da Boa Razão e para pôr em marcha tal reforma, tornou-se necessário criar novos Estatutos da Universidade
3.2 Esquema simplificado das fontes subsidiárias na Lei da Boa Razão
● problema:
○ não cumprimento do limite, consistente na boa razão, à aplicação de fontes subsidiárias impostos pelas Ordenações
○ aplicação de leis romanas antes das régias
○ aplicação das leis romanas indiscriminadamente
● fontes primárias:
1. Ordenações 2. lei pátria 3. usos do reino
a. requisitos do costume aceite como fonte:
i. conforme à boa razão
ii. proibição do costume contra legem iii. antiguidade de mais de 100 anos
iv. ⇒ grande controlo sobre a validade do costume
4. estilos da Corte apenas valerão se revestirem a forma de assento, tendo força normativa
● fontes subsidiárias
1. boa razão como principal critério de integração de lacunas a. direito romano
i. princípios éticos e morais, com assistência do direito divino e natural
b. direito das gentes
c. leis das nações polidas e iluminadas
i. em matérias políticas, económicas e marítimas, há uma proibição de aplicação do direito romano
2. proibição de aplicação do direito canónico em tribunais civis → apenas tem autoridade nos tribunais eclesiásticos
3. negação da autoridade das Glosas de Acúrsio e da opinião de Bártolo → deixam de valer enquanto fonte subsidiária
4. Estatutos Velhos da Universidade de Coimbra
● organização dos estudos jurídicos segundo os “Estatutos Velhos”:
○ até à reforma pombalina e à criação dos Estatutos Novos, a legislação universitária foi regulada pelos Estatutos Velhos → compreendiam os Estatutos Filipinos, depois confirmados por D. João IV em 1653
○ existência de duas faculdades jurídicas:
■ Faculdade de Cânones → estudava-se o Corpus Iuris Canonici
● compreendia 7 cadeiras:
○ 2 de Decretais, 1 de Decreto, 1 de Sexto, 1 de Clementinas, 2 de Decretais
■ Faculdade de Leis → estudava-se o Corpus Iuris Civilis
● compreendia 8 cadeiras:
○ Digesto Esforçado, Digesto Novo, Digesto Velho, Três Livros do Código, 2 cadeiras de Código e 2 cadeiras de Instituições
● sistema de ensino:
○ sistema de ensino tem raiz escolástica, sendo fundamentalmente o mesmo nas duas faculdades
○ professor lia os passos do Corpus Iuris Canonici ou Civilis
■ comentava-os de seguida, expondo as opiniões e argumentos
considerados falsos e os considerados verdadeiros, refutando sempre os falsos
■ concluía com a opinião tida como a mais razoável, vivendo-se sob o império absoluto dos autores consagrados, que definiam a opinio communis
5. Novos Estatutos da Universidade - Contexto e Compêndio
● reforma pombalina dos estudos universitários reflete especialmente a influência das correntes doutrinárias europeias dos séculos XVII e XVIII
● comissão nomeada em 1770 → objetivos:
○ análise das causas de decadência do ensino universitário em Portugal
○ emissão de pareceres sobre os critérios adequados à sua reforma
● em 1771, a comissão apresentou o Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra
○ critica-se, neste relatório, a organização e o sistema de ensino existente
● de modo a colmatar as falhas apontadas, a comissão é encarregue também da subsequente elaboração dos Estatutos da Universidade de Coimbra, aprovados em 1772
● críticas do Compêndio:
○ preferência absoluta dada ao ensino do direito romano e direito canónica, sem se ensinar direito pátrio
○ abuso do método bartolista
○ respeito cego pela opinio communis
○ desprezo pelo direito natural e pela história do direito 5.1 Soluções consagradas pelos Novos Estatutos
● instrução prévia e habilitações dos estudantes:
○ como requisitos de admissão para os cursos, os alunos deveriam ter conhecimento prévio de:
■ latim, retórica, lógica, metafísica e ética
○ requisitos são fruto das exigências das correntes humanistas, que criticavam a prévia falta de conhecimento dos prudentes
● reestruturação dos cursos jurídicos:
○ no Curso de Leis, ensina-se direito civil
■ tem como base o direito comum, ou seja, direito romano e direito pátrio, por ser o adotado nas nações polidas e iluminadas ⇒ importância da razão
■ direito romano só tem força em suplemento da lei pátria, só se deve aplicar em caso de lacuna
■ no caso de lacuna da lei, no caso do direito romano rivalizar com o direito canónico, é o direito romano que tem preferência aplicativa
■ ⇒ critério de aplicação é a boa razão
● novas disciplinas:
○ direito natural, direito das gentes
○ história do direito
○ instituições de direito pátrio → medida mais importante para combater a falta de aplicação do direito régio
■ ⇒ criação de novas cadeiras é reflexo da corrente humanista
● método de ensino:
○ professores não devem seguir as escolas prudenciais e o método analítico-problemático, ou seja, a ars inveniendi ⇒ todos os professores devem seguir a escola humanista
○ deve-se seguir o método sintético-demonstrativo-compendiário
■ método sintético:
● segue-se uma linha de progressiva complexidade
● fornece-se aos alunos, em primeiro lugar, uma orientação geral de cada disciplina, através de definições e da sistematização
● passa-se depois de umas conclusões às outras, mais complexas
■ método demonstrativo:
● professores devem utilizar um método científico nas suas lições, tal como Descartes defendia
■ método compendiário:
● professores devem compilar manuais de apoio à cadeira, englobando a matéria lecionada
● manuais deviam ser claros e concisos, tal como bem sistematizados
6. Literatura jurídica
● breve análise da literatura jurídica da época do jusracionalismo
● o mais destacado executor das novas orientações foi Pascoal de Mello Freire dos Reis
○ os manuais de Mello Freire foram os únicos que vieram a ser oficialmente aprovados
○ os seus manuais formam um tríptico respeitante à:
■ história do direito pátrio
■ instituições do direito público
● direito das pessoas → inclui direito da família
● direito das coisas → abrange direito sucessório
● direito das obrigações e ações
■ instituições de direito criminal
○ ⇒ expõe, pela primeira vez, o sistema jurídico de forma sistemática
● da sua restante exposição científica, destaca-se a sua participação na tentativa de reforma das Ordenações nos fins do século XVIII
○ é percusor do direito penal moderno, ecoando as ideias iluministas e humanitaristas
● fins do século XVIII e começos do século XIX ⇒ são de mencionar outros jurisconsultos, como:
○ Francisco de Sousa e Sampaio, António Ribeiro dos Santos, etc 7. O chamado “Novo Código”. Tentativa de reforma das Ordenações
● encerra-se a época jusracionalista com a alusão ao projeto de reforma das
Ordenações Filipinas, que ficou conhecido por “Novo Código” → situa-se no reinado de D. Maria I
○ necessidade de rever Ordenações começava a manifestar-se já no tempo de D. João VI, mas, no entanto, as tentativas nunca foram por diante
● é no tempo de D. Maria I que, através de Decreto de 1778, se cria uma Junta de Ministros com a obrigação de se juntarem pelo menos uma vez por semana, com o objetivo de proceder à reforma geral do direito vigente
○ dever-se-ia averiguar quais as normas contidas nas Ordenações e nas leis extravagantes que se deveriam suprimir, quais as que se encontravam revogadas, as que levantavam dúvidas de interpretação e aquelas que a prática aconselhava mudar
○ ⇒ objetivo era criar trabalhos preparatórios de um novo corpo legislativo
● recomendava-se que se seguisse a sistematização básica das Ordenações
○ isto, porque se admitia que outro método podia criar dificuldades aos julgadores familiarizados com a tradição
● na Junta de Ministros são fixados critério uniformes:
○ há uma preocupação sistemática sem paralelo nas compilações anteriores ⇒ visava-se uma abordagem compreensiva das soluções adotadas
● no entanto, havia um grande respeito pelas Ordenações, não só visível no Decreto de 1778, como também nos próprios membros da Junta
○ impunha-se-lhes que conservassem os termos e estilo das Ordenações, tal como a sua estruturação
● ⇒ essencialmente, procurava-se uma simples atualização das Ordenações, mesmo que parte dos membros defende-se uma grande inovação
○ daí a iniciativa de D. Maria ser diferentes das codificações modernas, que são profundamente reformadoras e que no estrangeiro iam surgindo da confluência do pensamento iluminista e jusracionalista
■ no entanto, a comissão não chega a propostas de vulto
● em 1783, Mello Freire é encarregado da revisão do Livro II e do Livro V das Ordenações, que respeitavam ao direito público político-administrativo e ao direito criminal
○ do seu esforço resultam os projetos de Código de Direito Público e de Código Criminal
○ ⇒ para apreciá-los, nomeia-se em 1789 uma Junta de Censura e de Revisão, onde se integrava António Ribeiro dos Santos
● ao rever o Código de Direito Público, revela-se uma forte polémica entre Ribeiro dos Santos e Mello Freire
○ enquanto o primeiro era partidário de ideais mais liberais, o segundo militava no campo das ideias absolutistas
○ ⇒ projeto de Código de Direito Público acaba por não vingar, tal como o Código Criminal, que nunca chegou a ser discutido
■ este último era realmente marca de um progresso, embora o seu autor ainda se mostrasse prisioneiro do quadro punitivo das Ordenações
● ⇒ assim fracassou outra tentativa de reforma das antiquadas Ordenações Filipinas
○ as circunstâncias não foram favoráveis: vivia-se num período de transição, entre as ideias do despotismo esclarecido e dos inícios da Revolução Francesa
LIBERALISMO E MOVIMENTO DE CODIFICAÇÃO