História do Direito Português
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Regência: Profª. Drª, Miriam Afonso Brigas Laura Garção
2018/2019
PERIODIFICAÇÃO laksdalmd
1. A problemática da periodificação
● periodificar = estabelecer datas-barreiras em matéria histórica, separando em função de certos eventos históricos delimitadores de épocas → os factos históricos
○ mas periodificação contém um grau de subjetivismo → dividimos as épocas em função do que queremos estudar e analisar
● diferentes critérios de periodificação do direito:
○ fatores políticos: divide-se de acordo com a evolução das formas de Estado
■ 1) período pré-romano; 2) período romano; 3) período da reconquista;
4) período da monarquia limitada; 5) período da monarquia absoluta;
6) período da monarquia liberal-constitucional; 7) período republicano
■ mas: reduz história a factos políticos; os factos sociais, culturais e económicos também influenciam a evolução do direito
○ predomínio das fontes sobre as instituições:
■ 1) período de formação jurídica consuetudinária (séc XI →D. Afonso III); 2) período de grande predomínio da legislação geral e escrita (ordenações); 3) período moderno de “predomínio despótico e exclusivo da lei como fonte de direito” (codificações científicas)
■ tenta ligar factos políticos a fenómenos sociais; mas é uma perspetiva unilateral, visto que está subordinado a uma perspetiva institucional
○ sistemas jurídicos
■ 1) sistema primitivo (tempos mais remotos → constituição de Caracala de 211); 2) sistema de direito romano vulgar (211 → lex visigothorum recesvindiana); 3) sistema romano-gótico (LVR → séc XI); 4) sistema germânico (séc XI → reinado de D. Afonso III em meados do séc XII ); 5) sistema germânico do romanismo de Justiniano (D. Afonso III → primeiras tentativas de codificação em XVIII); 6) sistema de direito natural e individualismo crítico (séc XVIII
→ dias de hoje)
■ factos exclusivamente jurídicos que analisa fatores externo, não estando subordinada a uma perspetiva institucional; mas está estanque aos factos sociais
1.1 Periodificação (Ruy e Martim de Albuquerque)
● podemos dividir a História do direito português em dois períodos, que se subdividem em diferentes épocas
○ 1º → corresponde a uma ordem jurídica essencialmente pluralista
○ 2º → ordem jurídica essencialmente monista
■ transição da primeira para a segunda: devido à concentração nas mão do Estado das fontes de produção jurídica, de forma quase exclusiva
2. Especificidade do fenómeno jurídico no primeiro período
● No primeiro período:
○ heterogeneidade de fontes de origens diversas → romana, germânica, canónica, etc
■ costume, direito prudencial, direito supra-estatal (definição moderna), direito estatal-legal e direitos locais
○ não há um domínio do direito emanado do poder central; direito provém de uma pluralidade de instituições, personalizadas ou não
○ não existe a figura de Estado, mas sim do regnum, da respublica, do status rei publica (estado da coisa pública, o povo como um todo), do dominum
■ condicionados pelo pluralismo jurídico, que constitui a forma de assegurar a libertas
○ juristas são prudentes, são cultores de direito sem fronteiras, nem sempre politicamente promulgado mas utilizado pelas comunidades
● No segundo período:
○ Estado transfere para si o monopólio da produção legislativa, reduzindo o Direito apenas às leis por ele produzidas; cria uma espécie de totalitarismo
○ jurista deixa de ser prudente e passa a jurista burocrático e totalitário
○ Estado disciplina o valor do costume, do direito prudencial e do direito supra-estatal → o Direito são os factos jurídicos promulgados pelo Estado
■ aparece a ideia de promulgação política efetiva como elemento necessário à própria noção de direito
○ direito passa a ter valor que Estado lhe assina → Estado teme um direito baseado na interpretação criadora de Direito
○ ⇒ lei como a única fonte de direito 2.1 Continuação
● no primeiro período (pluralista) o direito corresponde a uma conceção de mundo bem marcada
● homem tem fim metafísico, tudo possui uma dimensão espiritual
○ assim sendo, a comunidade política encontra-se delimitada em função dos próprios fins e da estrutura da república cristã
○ comunidade política é apenas mais um estrutra entre as demais → não pode reivindicar nenhuma primazia hierárquica ou suprimir os direitos das
estruturas que com ela coexistem
● república cristã → é a unidade na qual o homem encontra a máxima realização
○ doutrinas defendiam que não existia verdadeiro poder fora da república cristã, tudo estava subordinado à mesma
○ não há nenhum verdadeiro reino (dominium) para além dela
○ a própria personalidade jurídica corresponde à integração do homem na ordem simultaneamente religiosa, moral e jurídica
● Europa era, de facto, um todo hierarquizado
○ está rodeada de inimigos, alguns com ideias expansionistas (como o Islão), e outros inimigos naturais (como os pagãos e os hereges)
○ a guerra era então um processo político, económico, militar e religioso ⇒ tem valor ético que se traduz na guerra justa
● Europa deixa de ser uma unidade hierarquizada em torno da república cristã com os Descobrimentos
○ Descobrimentos, ao incorporarem no convívio europeu uma série de povos diferentes, colocam a questão da laicização do direito internacional
● Em Portugal, os Descobrimentos foram um dos motivos da centralização e do desenvolvimento do Estado
○ ⇒ fortalecimento do poder da Coroa perante o clero 3. Segundo Período - Termo inicial
● Como separar os dois períodos?
○ 1415 → Conquista de Ceuta
● a conquista de Ceuta inaugurou a Idade Oceânica na história universal, que constituiu o marco inicial dos Descobrimentos
○ os Descobrimentos foram, por sua vez, o facto com maior importância na vida nacional e de maiores consequências para o nosso direito
● mas é preciso compreender que os dois períodos não são estanques e isolados ⇒ há sempre uma continuidade histórica
● RUY E MARTIM DE ALBUQUERQUE: escolhem facto não jurídico para estabelecer a periodificação do direito
○ no entanto, outros professores, escolhem factos jurídicos para diferenciar os períodos
○ para esta fação doutrinária, a data que separa os períodos é 1446: primeiras ordenações do reino
● mas a escolha de um facto não jurídico atende também às mutações da conceção do mundo e às modificações estruturais da sociedade
○ tais modificações implicam também modificações na ordem jurídica 3.1 Subdivisão do segundo período
● elemento da continuidade do segundo período é expresso pela dialética da concentração do direito nas mãos do Estado
○ no entanto, existem fatores de diversidade a atentar, ligados aos elementos pré e pós-revolução de 1820, que nos levam a estabelecer dentro do segundo período duas sub-épocas, separadas pela data de 1820
● até 1820:
○ há uma manutenção de uma linha de desenvolvimento progressivo e simultâneo dos diferentes elementos da experiência jurídica:
■ construção do Estado, configuração do direito público, construção do direito privado, o desenvolvimento e importância da atuação da doutrina
● a partir da Revolução Liberal de 1820:
○ deixa de haver uma sincronia perfeita no desenvolvimento dos elementos da ordem jurídica
○ há, a partir de 1820, uma mutação no direito público, que dá o papel preponderante ao mesmo
○ é o impacto do direito público que irá levar à consagração de um novo direito privado em 1867, com o aparecimento do primeiro Código Civil
○ é nesta altura que se dá uma unificação do direito nacional, defendido pelas ideias liberais
3.2 Elementos comuns às duas épocas do segundo período
● elementos característicos do segundo período:
○ conquista das fontes de Direito por parte do Estado
■ fá-lo por via da implantação progressiva de reformas administrativas uniformizantes
■ centralização do poder do Estado através de uma fiscalização constante e uma burocratização minuciosa
○ direito encarado numa perspetiva voluntarista, ou seja, como um produto da vontade do Estado
3.3 Primeira época do segundo período - Elementos específicos
● elementos específicos da primeira época do segundo período:
○ estabilidade do direito público e um desenvolvimento progressivo das doutrinas políticas
○ a permanência das linhas mestras do direito privado
○ o caráter translatício do trabalho dos juristas
3.4 Segunda época do segundo período - Características específicas
● ideias sobre o Estado e o indivíduo adquirem nova força
○ estas duas ideias são erigidas em sistema e são conjugadas entre si, apresentado então um dinamismo “revolucionário”
● ordem jurídica passa a ser concebida também como sistema
○ aparece a ideia de constituição escrita, que traduz de forma completa e metódica a estrutura política e jurídica da nação
■ isto leva à exigência de conformação de todos os atos normativos à constituição, e também à exaltação da lei relativamente a todas as outras fontes de direito
● lei deveria conter em si a resolução de todos os casos
○ dos comandos expressos poder-se-iam descobrir, através de operações lógicas, as soluções aplicadas aos casos sem uma formulação específica
■ ⇒ existência de lacunas
● ordem jurídica passa de estrutura legislativa lacunar a uma estrutura legislativa à qual o caráter sistemático dos diferentes códigos tendia a emprestar plenitude
A JUSTIÇA E O DIREITO SUPRAPOSITIVO lakjsdlakdm
1. A Justiça como condição da sociedade - a Justiça Universal
● na Idade Média, o direito não foi teorizado como sendo um complexo autónomo, sendo este concebido enquanto função da justiça
● para os homens da Idade Média, a justiça era o fundamento da vida social, sendo sem ela impossível uma convivência organizada, a manutenção da comunidade e a conceção como povo de um grupo humano
● a sociedade, ao manifestar-se de formas diferentes ao longo da história, demonstra que ela não é produto de uma ordem pré-estabelecida por Deus, mas sim o
resultado do trabalho humano que tenta realizar a perfeição individual
○ ordem social é a projeção comunitária da condição dos seus membros ⇒ se homens são justos, então a sociedade também o será
○ sociedade será perfeita se for justa → para alcançar a perfeição e a justiça, já Platão defendia uma sociedade governada pelos filósofos
○ ⇒ perfeição identifica-se necessariamente com a justiça
● para o homem atingir a perfeição e a justiça na vida coletiva, é necessário que ele viva de acordo com a lei divina e natural
● justiça traduz-se numa virtude: elemento da habitualidade na justiça, é preciso orientar as ações de acordo com a justiça
○ habitus operativus bonus → o bom hábito orientado para a ação
○ virtude forma-se pela repetição de atos livres praticados a partir de propensões nobres
○ homem justo como homem perfeito → conceção da justiça como virtude universal, a síntese de todas as virtudes
● a conceção da justiça como virtude universal e causa da perfeição do homem levava à observação voluntária do direito
2. A justiça particular: Conceito
● ideia de justiça como sendo o complexo de todas as virtudes coexiste com a conceção de justiça como virtude específica
● justiça particular: justiça como virtude específica
○ justiça universal → considera o mundo intra-subjetivo (dentro da pessoa)
■ virtudes específicas que regulam a conduta do próprio agente para consigo, como a paciência e a temperança
○ justiça particular → considera o campo das relações intersubjetivas (entre pessoas
■ outras virtudes regulam a nossa conduta em relação aos demais, como a caridade e a gratidão
● Aristóteles → justiça como vontade permanente de dar a cada um o seu
○ influenciou várias gerações de filósofos com a sua filosofia da justiça
● Santo Agostinho: justiça é a virtude de dar a cada um o que lhe é devido
● Ulpiano: justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito
2.1 A justiça particular: a determinação do seu
● a definição de justiça particular precisa de ser reportada à definição do seu
● justiça particular não pode representar uma mera noção abstrata e, consequentemente, inservível para fundamentar o direito
● como é que se determina o seu a respeitar pela justiça?
○ primeiro Cícero e Séneca ligaram a justiça à natureza, como sendo um princípio ordenador e fundida à racionalidade do homem
○ depois, com a cristianização do pensamento de Cícero por alguns autores, os mesmos ensinam que o seu é determinado pelo direito natural
○ ⇒ há quem defenda que a ideia medieval de justiça tem uma natureza derivada, visto que deriva do direito natural
● eram os jurisprudentes que decidiam qual era o seu que pertencia a quem, tendo estes o papel de distinguir entre o bem e o mal, o devido e o indevido
○ ⇒ para a determinação do seu conteúdo, a justiça pressupõe um ato deliberativo → é necessário fazer um “juízo reto” para atribuir a cada um o que é devidamente seu
● segundo S. Tomás de Aquino: o seu deve ser algo adequado aos fins de alguém; é necessário ter em consideração os fins do sujeito e o facto de haver múltiplas pessoas com interesses próprios
○ ninguém pode ser privado daquilo que necessita para a realização do seu fim ditado pela natureza, mas o que é seu é-lhe apenas devido enquanto não prejudicar os demais
3. As modalidades da justiça
● há diferentes tentativas de delimitar modalidades de justiça
● conceções subjetivistas:
○ Álvaro Pais:
■ justiça para com Deus (latria)
■ justiça para com as criaturas merecedoras de honra e consideração (dulia)
■ justiça para com os inferiores (disciplina)
■ justiça para com os iguais (equidade)
○ filosofia escolástica, seguindo Aristóteles, distingue entre dois tipos de justiça particular:
■ justiça comutativa
● relações entre iguais (entre privados)
● objeto típico da justiça comutativa é a troca
● exige-se absoluta igualdade (igualdade aritmética) entre o que se dá e o que se recebe
● justiça comutativa significa igualdade, tem matriz quantitativo
■ justiça distributiva
● relações da comunidade com os seus membros
● campo de aplicação da justiça distributiva é o das relações do conjunto político com as pessoas individualmente
consideradas
● representantes da comunidade devem repartir os cargos segundo a capacidade de cada um, e devem repartir os bens públicos e prémios de acordo com o respetivo mérito
● não exige igualdade absoluta, mas sim uma igualdade geométrica
■ ⇒justiça é tratar igual o que é igual e desigual na medida da sua desigualdade
3.1 A justiça objetiva
● juristas da época desenvolvem também a ideia de uma justiça objetiva, como modelo de conduta e como forma de retidão plena e normativa
○ ideia ligada à patrística clássica
● ao se ligar a justiça à vontade, surge a consideração da justiça divina
○ vontade de Deus é perfeita e constitui em si mesma um cânone
○ vontade de Deus junta em si o elemento subjetivo e objetivo da justiça, tal como o elemento volitivo e deliberativo
○ ⇒ justiça na sua forma pura identifica-se com o próprio Deus, que por sua vez se identifica com o direito natural
● como os homens são feitos à imagem de Deus, a justiça humana é também objetiva e é apenas reflexo da justiça divina
● enquanto justiça subjetiva tem variações, justiça objetiva deve permanecer inalterada
○ justiça subjetiva: justiça é subjetiva, na medida que é necessário avaliar cada caso concreto; justiça particular
○ justiça objetiva: paradigma de conduta justa que se possa impor
objetivamente na vida em sociedade; conteúdo da justiça humana objetiva é é determinado com recurso à ideia do homem médio (bonus pater familias) 4. Justiça e Direito
● pensamento medieval concebeu a justiça como causa do direito
● visto que o direito decorre da justiça, ambos terão a mesma natureza
○ preceitos do direito enunciados por Ulpiano (viver honestamente, não prejudicar o outro, dar a cada um o seu) são comuns à própria Justiça
● diferença entre justiça e direito:
○ direito traduz a justiça mediante preceitos autoritariamente fixados
○ o direito é um instrumento de revelação da justiça
○ lei injusta não é direito
DIREITO SUPRAPOSITIVO E O DIREITO HUMANO LKSMLKA
1. O direito divino
● para o homem medieval, há uma pluralidade normativa
● direito não se situa apenas no plano humano, decorre de uma realidade que ultrapassa o homem → vem de Deus
○ fala-se então de direito divino
● confunde-se, por vezes, direito divino com direito natural
○ São Tomás de Aquino vem distinguir os dois:
■ direito divino provém de Deus, e é-nos revelado através das Sagradas Escrituras
■ direito natural é o que está inscrito nos corações dos Homens e que lhes permite distinguir o bem do mal, sendo isto um reflexo da razão e vontade de Deus (lei eterna)
1.2 Da lei eterna ao direito natural
● para Santo Agostinho:
○ lei eterna é a razão e vontade de Deus que manda conservar a ordem natural e proíbe que ela seja perturbada
○ lei natural foi inscrita no coração dos homens por Deus
● segundo São Tomás de Aquino:
○ existem quatro tipos de leis → lei eterna, lei natural, lei divina e lei humana
○ lei eterna é a própria razão de Deus, governadora de todas as coisas
■ da lei eterna procedem a lei natural e a lei divina
■ lei natural: é uma participação da lei eterna na criatura racional que lhe permite distinguir entre o bem e o mal
■ lei divina: é também uma participação da lei eterna, é constituída pelo Velho e Novo Testamento e foi por Deus expressamente revelada para que o Homem pudesse ordenar-se em relação ao seu fim sobrenatural, que é a bem-aventurança eterna
2. Pluralidade de entendimentos quanto ao direito natural
● direito natural não é um conceito unívoco
● discussão em torno do caráter racional do direito natural:
○ Gaio concebe direito natural como sendo eminentemente racional
○ Ulpiano defende que o direito natural tem como base o instinto, comum a seres racionais e irracionais
● debates entre racionalistas e voluntaristas:
○ racionalistas → direito natural deriva da lei eterna, que vem da razão (ratio) de Deus
○ voluntaristas → conceção da lei eterna como vontade (voluntas) de Deus
● origem do direito natural:
○ conceção sacral → lei natural (ou lei divina positiva) funde-se e confunde-se com o Evangelho e com a lei contida no Antigo Testamento
■ direito natural vem de Deus para o homem
○ conceção profana → direito natural deriva da natureza, conceito este que acaba ligado a Deus
■ direito natural provém da realidade das coisas, e adquire depois conotação moral, visto que a natureza é a força agente de Deus
■ a natureza é o agente primário e Deus é apenas causa remota 3. Importância da lei divina e da lei natural no quadro normativo medieval
● lei divina e lei natural assumem um valor no pensamento medieval que irá condicionar todo o setor jurídico e político
● governantes estavam subordinados à lei divina e à lei natural
○ o Decreto de Graciano afirma a supremacia da lei divina e natural sobre o costume e as constituições terrenas
● direito natural é algo transcendente em relação aos titulares do poder e configura-se como verdadeira ordem normativa, obrigatória e vinculativa
○ sobrepõe-se à vontade dos governantes e dos súbditos, de qualquer membro de uma comunidade, visto que é anterior ao próprio poder político e à
coletividade
● a justiça e o direito natural e divino são critérios da própria legislação dos governantes
4. Valor jurídico dos atos contra a lei divina e natural
● qual a consequência se uma norma de direito humano não respeitar o preceito divino ou natural?
○ norma não possui qualquer valor jurídico
○ leis humanas e costume só podem subsistir e obter o nome de direito se se articularem segundo as regras divinas e naturais
● o mesmo vem a ser reforçado pelo próprio monarca, por exemplo D. Afonso IV, que declara que a vingança pessoal não era direito, por ser contrária à lei de Deus
● a partir daqui entra-se no campo das relações entre o dever de obediência e o direito de resistência
○ será que se deve obedecer a uma lei injusta?
5. Princípio da imutabilidade e inderrogabilidade do direito divino e do direito natural
● a imobilidade e eternidade, e ,consequentemente, a irrevogabilidade do direito divino e natural constam já no Decreto de Graciano
○ no entanto, estas mesmas características conduziram a uma estagnação do direito divino e natural, pelo que os intérpretes procuraram maneiras de o tornar mais flexível
● distinção entre preceitos móveis e imóveis, e normas que ditam, proíbem ou aconselham e permite
6. Direito suprapositivo e supralegal - O ius gentium
● havia quem qualificasse o direito natural como direito comum
● direito das gentes (ius gentium) → situa-se entre dois planos: é consequência do direito natural, mas já é também direito humano
DIREITO POSITIVO SUPRA REGNA - DIREITO CANÓNICO E DIREITO ROMANO akjsks
1. Direito Canónico
● Pode-se designar o direito canónico como um direito supra regna, no sentido de algo que se encontra num plano superior ao dos reinos ou áreas políticas diferenciadas então existentes
● definição genérica → conjunto de normas jurídicas relativas à Igreja
○ complexo de cânones ou leis estabelecidas, propugnadas ou aprovadas pela autoridade eclesiástica, para reta instituição da sociedade eclesiástica
○ cânone → em sentido amplo significa norma ou regra, quer em sentido físico ou moral; hoje em dia há uma grande separação entre o conceito de cânone e o de leis civis ou seculares
■ em sentido estrito: cânones conciliares
■ mas, na Idade Média → os cânones eram os decretos do Sumo Pontífice e as estatuições dos concílios (segundo o Tratado de Graciano)
● complexo normativo pode também ser designado por direito divino (ius divinum);
direito pontifício (ius pontificium) por oposição ao direito imperial (ius caesareum)
● direito canónico anterior ao século XII
○ período de direito canónico antigo (ius vetus) → desde o seu aparecimento até meados do séc XII
○ primeira fase: caracterizada pela quase exclusividade das fontes de direito divino
■ segue-se depois o progresso do costume e das outras fontes de direito humano
○ primeiro movimento de criação de coletâneas que sistematizassem e organizassem estas normas
● movimento renovador do direito canónico após séc XII
○ após séc XII → grande renovação na esfera do direito canónico, paralelamente ao estudo do direito romano
○ há uma renovação da canonística → realização de coletâneas mais perfeitas em substituição das anteriores; reelaboração científica do direito canónico baseada nesses corpos legais
2. Fontes do direito canónico
● fontes como modo de formação e revelação deste direito
● formação → trata da origem e da autoria das normas
● revelação → conhecimento e monumentos de que consta o direito
○ conhecimento: fontes essendi, existendi ou materiales
○ monumentos: fontes cognoscendi, notitiae ou formales
● fontes de direito divino → Sagradas Escrituras e Tradição
○ Igreja apenas propõe ou interpreta declarativamente 2.1 Sagrada escritura, tradição e costume
● são fontes de direito divino
● Sagradas Escrituras:
○ abrangem Antigo e Novo Testamento
○ Antigo Testamento:
■ baseado na Bíblia hebraica, acreditam ser a sagrada Palavra de Deus (consequentemente, era direito)
■ abrange os escritos religiosos antes do nascimento e vida de Jesus
■ Cristãos dividem em 4 partes: Leis, história, poesia e profecia
■ conteúdo basilar para direito canónico:
■ contém preceitos cerimoniais (respeitantes ao culto)
■ preceitos judiciais ou revelatio mosaica (concernentes ao povo de Israel enquanto sociedade qua talli)
■ preceitos morais
○ Novo Testamento:
■ depois do nascimento de Cristo, recontam a sua vida e morte
■ compostos pelas epístolas paulinas, os evangelhos, os atos dos apóstolos e algumas epístolas católicas menores
■ conteúdo basilar para o direito canónico:
● há preceitos de direito divino (estatuições obrigatórias dos Evangelhos)
● preceitos de direito divino-apostólico (desenvolvimento dos preceitos de direito divino levados a cabo pelos apóstolos)
● direito apostólico (ditados pelos apóstolos na sua atividade evangelizadora)
● tradição:
○ fonte de direito divino
○ é o conhecimento transmitido, escrito ou oral, de um ato de autoridade;
ensinamentos e preceitos de Jesus Cristo não consignados por escrito, mas só transmitidos oralmente
■ conhecemo-los através das obras dos Santos Padres (autores eclesiásticos dos primeiros tempos da Igreja)
○ diversas classificações:
■ inhesiva → reporta a matérias explicitamente versadas pelas Sagradas Escrituras
■ interpretativa → matérias implicitamente versadas
■ constitutiva → matérias não constantes nas Escrituras
● ⇒ o direito do Novo Testamento (ius Novi Testamenti) é revelado pelas Sagradas Escrituras e pela tradição, constituindo a fonte principal de direito (fons primarius iuris) da Igreja Católica
● costume:
○ norma resultante dos usos da própria comunidade e acompanhada de convicção e obrigatoriedade
○ nos tempos da Igreja primitiva (primeiros três séculos depois de Cristo), o costume era um modo de suprimento de lacunas da legislação (cum deficit lex)
○ segundo alguns pontífices, como Gregório VII → o costume estava subordinado à razão, à fé e à verdade, visto que no caso de conflito, não prevalecia contra elas
○ problemas com o costume aparecem depois do renascimento do direito romano nos séculos XII e seguintes → coloca-se a questão da articulação do costume com a lei, especialmente nos casos do costume contra legem
■ Graciano rejeita costume contrário à lei, mas os decretistas posteriores admitem-no, desde que consentido pelo Papa
● alguns papas aceitam o costume contra legem, desde que cumprissem os requisitos da antiguidade, racionalidade e consensualidade (aceitação na comunidade)
2.2 Cânones e decretais
● fontes canónicas de direito humano → costume, cânones, decretais, doutrina e as concórdias (ou concordatas)
○ fontes de origem eclesiástica e mista
○ há quem fale também de fontes civis (de direito humano canónico), a propósito das disposições sobre matéria eclesiástica contidas nas grandes compilações jurídicas seculares → ex.: Código de Justiniano, etc
● cânones → neste caso, a palavra é utilizada em sentido estrito: são as determinações conciliares
● Concílio
○ → assembleia eminentemente religiosa, uma reunião do clero;
○ podem ser de âmbito mais ou menos amplo: à escala universal (concílios ecuménicos), nacional ou regional
○ autoridade conciliar tinha um grande peso; os seus partidários, os
conciliaristas, chegaram a declarar o poder do Concílio superior ao do Papa
■ contraposição: os curialistas sustentam a supremacia da Cúria ou do Papa sobre o Concílio
○ Papa exerce poder legislativo → poder de fazer leis em prol da Igreja Universal (potestas iura condendi pro Ecclesiae universali)
■ pode fazê-lo só (vel solum), ou em concílio ecuménico (vel in concilio oecumenico)
○ Importantes concílios celebrados:
■ celebraram-se os seguintes concílios ecuménicos no Oriente:
○ Lateranense I, II, III, IV (1123, 1139, 1179, 1215), Lugdunense I e II (1245 e 1274), Vienense (1311-1312) e Constantiense (1414-1418)
■ na Península Ibérica → concílios nacionais de Toledo, sob domínio visigótico, e os concílios de Braga, no tempo dos Suevos (séculos V a VII)
■ concílios da monarquia visigótica adquirem especial importância:
● tiveram uma grande influência no desenvolvimento do direito público → irá, em parte, constituir o fundamento das
instituições políticas portuguesas iniciais
● as assembleias conciliares visigóticas tentaram uma
ordenação jurídico-política → definem caráter da monarquia, as regras de sucessão, os poderes dos monarcas, os direitos e deveres dos súbditos
■ ⇒ o Título Primeiro do Código Visigótico serve de testemunho da maneira pela qual os concílios legislaram estas matérias
■ as várias Cúrias ou Concílios de Leão (1017-1020 a 1091), de Coiança (1055) e de Oviedo (1115)
● os preceitos normativos destes concílios obtiveram projeção no nosso país;
● leis gerais do Concílio de Leão (1017) refletem-se no Fuero de Léon
○ ⇒ as determinações conciliares receberam outras designações para além de cânones (mais vulgar):
■ constitutio synodalis, statutum, edictum, sanctio
■ leis disciplinares dos Concílios surgem também com o nome de decreti
○ decretos ou cartas decretais→ legislação do Pontífice romano, normas
jurídico-canónicas da direta iniciativa dos Papas; aparece-nos frente aos cânones
■ Graciano chama decretos aos atos do Papa, por oposição aos estatutos conciliares (status conciliorum)
■ na Glosa ao decreto de Graciano, separa-se o conceito de decretum e de decretal
● decretum → o que o Papa estatui por conselho dos seus cardeais sem consulta de ninguém (quod Papa statuit de consilio cardinalium suorum ad nullius consultationem)
● decretal → o que o Papa estatui sozinho ou com os cardeais a consulta de alguém (quam statuit Papa vel solus vel cum cardinalibus ad consultationem alicuius)
■ normas pontifícias → também, por vezes, denominadas de constitutiones;
■ Importantes coleções de decretos e cânones:
● mais importantes que apareceram no Ocidente:
○ Coleção de Dionísio, o Exíguo (séc VI)
■ objeto de revisão pelo Papa Adriano I para
corresponder a um pedido de Carlos Magno; mudou então o nome para Hadriana
○ Coleção Hispana (séc VI/VII)
■ origem visigótica, com matérias relativas ao sistema hispânico
○ Decretais Pseudo-Isidorianas (séc IX)
■ mistura de textos verdadeiros com cânones falsos
● com o renascimento do direito romano, a partir do século XII, desenvolve-se largamente a atividade compilatória dos cânones e decretais
○ Decretum
■ constitui o direito novo (ius novum)
■ obra doutrinária em que Graciano procura harmonizar textos ou regras discordantes
■ é de produção particular, mas passa a ter força de lei
○ As cinco compilações antigas (Quinque Compilationes Antiquae)
■ 1ª contém decretais de papas que regeram a Igreja durante a segunda metade do séc XII
■ 2ª contém decretais do início do séc XII
■ 3ª tem decretais de apenas 1210
■ 4ª contém cânones do Concílio de Latrão 1215
■ 5ª tem decretais cujo objetivo era ser objeto do ensino
○ ⇒ as cinco compilações foram origem d’As Decretais de Gregório IX
■ juntou-se mais um livro às decretais, que foram também alvo de posteriores compilações
■ adicionou-se ainda decretais dispersas na forma de textos extravagantes
○ A este conjunto de textos dá-se depois o nome de Corpus Iuris Canonici
● Corpus Iuris Canonici é composto por:
○ o Decreto de Graciano de 1140 (Concordia Discordantium Canonum)
○ as Decretais (1234) → conjunto de decretos pontifícios dos séculos XII a XIII, reunidas sob o pontificado de Gregório I
○ o Sexto Livro das Decretais → coleções de decretais posteriores a 1234 e promulgadas por Bonifácio VIII
○ as Clementinas → recolha de decretais subsequentes, publicadas em 1313 por Clemente V
○ as Extravagantes 2.3 Doutrina
● → opinião e obra científica dos juristas; assume papel da mais alta importância, especialmente após a aliança da lei canónica e da lei secular, através do renascimento do direito romano, após o séc XII
● aliança entre os dois direitos → Utrumque Ius; constitui o superamento da rivalidade das duas grandes ordens jurídicas medievais, a sua simbiose ⇒ direito comum
○ ⇒ leva ao florescimento da canonística
● divisão dos canonistas:
○ decretistas → escrevem sobre o Decreto de Graciano
○ decretalistas → escrevem sobre as Decretais
● duas grandes escolas distinguem-se no campo do direito canónico
○ glosadores →
○ comentadores →
● direito canónico tem uma grande influência na formação do direito moderno
○ certas zonas do sistema jurídico recebem importantes contributos da Igreja no respetivo ordenamento, por exemplo o direito da família, as obrigações, etc, tal como conceitos fundamentais como o da boa fé
● esta ligação entre os dois direitos leva a uma mútua subsidiariedade (gegenseitiges Subsidiaritätsprinzip) ⇒ aplicação subsidiária do direito romano pelos tribunais eclesiásticos, e vice-versa com os princípios gerais do direito canónico
○ “direito canónico e civil estão tão interligados, que é impossível compreender um sem o outro”
2.4 Concórdias e concordatas
● acordos entre o rei e o clero, tentando definir direitos e deveres recíprocos das duas partes
○ primeiros acordos conhecidos → tempo de Afonso II
○ principais concordatas → de D. Dinis, D. Afonso IV e de D. Pedro I
● concordata: tratado ratificado pelo Papa e pelo rei
● concórdia: acordo negociado (?)
3.Penetração do direito canónico na Península - A ciência canonística portuguesa
● direito canónico foi recebido na Península Ibérica desde os seus primeiros tempos
● é possível verificar a existência de documentos em que se refere ao direito canónico já antes da “fundação da nacionalidade”
○ documentos de doações, etc, fazem referência aos “cânones” ou ao “livro dos cânones”, “decretos canónicos”, etc
● várias bibliotecas tinham também exemplares de coleções de cânones antes da fundação da nacionalidade
○ sabemos isto através de testamentos, entre outros
● a partir daí há várias menções ao longo dos anos aos livros de direito canónico
○ no séc XIV já há obras ligadas às decretais que eram traduzidas para português
● na Cúria alargada de Coimbra de 1211
○ há uma necessidade de hierarquizar o direito canónico em relação ao direito régio
○ ainda havia aqui uma certa prevalência do direito canónico →
reconhecimento da supremacia eclesiástica, traduzida na superioridade das normas jurídicas da Igreja sobre os vários monarcas
○ governo temporal permanece subserviente da Ordem Eclesiástica 4. Restrições à receção do direito canónico
● houve, contudo, tentativas de restrições à penetração do direito canónico, especialmente à medida que o poder dos monarcas se consolida
● beneplácito régio → instituto pelo qual os reis se atribuíram a si próprios o direito de controlar a publicação das letras apostólicas no reino
○ ligado às denegações da auctoritas pontifícia
○ liberdade da Igreja e tradições
5. Aplicação do direito canónico nos tribunais aikdsnksm
5.1 Aplicação nos tribunais eclesiásticos em razão da matéria e em razão da pessoa
● direito canónico foi aplicado em Portugal, não só em tribunais eclesiásticos, mas também nos tribunais civis ou seculares
● havia uma organização judiciária eclesiástica (ou seja, tribunais da Igreja) paralelamente com a organização judiciária
● tribunais eclesiásticos → conhecem causas em função da matéria ou em função da pessoa
○ matéria → certas matérias eram consideradas competência especial da jurisdição eclesiástica
○ pessoa → entendia-se que certas pessoas apenas podiam ser julgadas pelos tribunais da Igreja
■ havia um costume que se havia desenvolvido, que ditava que o clero não podia ser levado perante tribunal civil → privilégio já proveniente do direito romano
5.2 Aplicação nos tribunais civis enquanto direito preferencial ou subsidiário - Critério do pecado
● direito canónico também se aplicou nos tribunais civis, primeiramente, como direito preferencial → aplicava-se de preferência o direito canónico
● Cúria de Coimbra de 1211
○ D. Afonso II decide que as suas leis não valem se feitas ou estabelecidas contra os direitos (ou direito?) da Santa Igreja de Roma (Lei II)
■ Prof. Braga da Cruz interpreta isto de forma restritiva → esta lei não significa uma subordinação ao direito da Igreja (ou seja, ao direito canónico), mas sim aos direitos (ou seja, regalias ou privilégios)
■ ⇒ leis régias só não valeriam contra os cânones que estabelecem especiais privilégios em favor da Igreja
● mais tarde: direito canónico assume posição de direito subsidiário → apenas aplicável quando faltasse o direito nacional
○ nestes casos, entraria em concorrência com o direito romano
○ só em casos de pecado é que se aplicaria o direito canónico em vez do romano
6. Direito comum (ALMEIDA COSTA)
● direito comum → sistema normativo de fundo romano que se consolidou com os comentadores e constituiu a base da experiência jurídica europeia até finais do séc XVIII
○ também designado de direito comum romano-canónico → salienta a importância do elemento do direito canónico
● ao direito comum contrapõe-se os direitos próprios → ordenamentos jurídicos particulares
○ face ao direito comum geral, assumem relevância os direitos locais e dos vários Estados, formados por normas legislativas e consuetudinárias
● Comentadores, para além de tratarem as relações entre o direito canónico e o direito romano, tratavam também as que aconteciam entre o ius commune e o ius proprium
● relação entre ius commune e ius proprium
○ sécs XII e XIII → supremacia do direito comum face às demais fontes
○ séc XIV e XV → relativo equilíbrio; direitos próprios começam a afirmar-se como fonte primária de direito, enquanto o direito comum começa a assumir um papel subsidiário
○ séc XVI → independência plena do ius proprium, passagem do ius commune a fonte subsidiária à mercê da autoridade do Estado
IUS REGNI - DIREITO LEGISLADO lksmlas
1. Ordenamentos jurídicos anteriores à constituição da nacionalidade portuguesa
● é importante aludir ao direito dos povos que se estabeleceram na Península Ibérica antes da fundação da nacionalidade portuguesa no séc XII
● têm especial relevância para o desenvolvimento do direito português os chamados direitos germânicos
○ leis visigóticas são das mais importantes, visto que os Visigodos dominaram a Península durante séculos, antes das invasões muçulmanas
● monumentos jurídicos visigóticos mais importantes são:
○ Código de Eurico
■ já é possível verificar influência jurídica de Roma;
■ certos autores qualificam-no como “direito romano vulgar”
○ Breviário de Alarico
■ tem por fontes constituições imperiais romanas, novelas e escritos de juristas romanos
○ Código de Leovigildo
○ Código Visigótico
● duas teses quanto à aplicação do Código de Eurico:
○ a doutrina da dualidade legislativa sustentava que o Código de Eurico tinha aplicação territorial e que seria aplicado às populações visigodas, enquanto as populações romanas se regeriam pelo Breviário de Alarico
■ ensinava-se também que as diferenças entre o direito visigótico e romano se tinham esbatido, e que as leis promulgadas se aplicavam aos dois grupos
○ outra tese defende que o Código de Eurico foi revogado pelo Breviário de Alarico
■ tese sustenta-se no facto de não haver qualquer afirmação expressa da vigência simultânea dos dois ordenamentos jurídicos, e no facto do Breviário derrogar normas romanas
○ ⇒ seja como for, a legislação visigótica era de aplicação territorial 2. O Código Visigótico
● também denominado por Lex Visigothorum; publicado em 654 pelo Rei Recesvindo
● representa o terminus a evolução legislativa do reino visigodo
● estrutura:
○ cerca de ⅗ do código são leis antiquae, que faziam parte dos anteriores códigos
○ após Recesvindo, Ervígio submete o Código a uma revisão oficial, de que foi encarregue o XIII Concílio de Toledo
■ texto assim fixado é conhecido por Fórmula Ervigiana
■ encontra-se distribuído por doze livros, que se repartem em títulos e estes em leis
○ após uma revisão não oficial formou-se um título introdutório denominado por Forma Vulgata, composta por:
■ uma novela de Ervígio
■ quinze ou dezasseis leis posteriores de Egica
■ leis de Vitiza
■ ⇒ representou a base fundamental do direito vulgar espanhol; nos séc XII e XIV constitui fonte do Forum Iudicium e teve influência sobre a formação dos foros e costumes locais
2.1 Aplicação do Código Visigótico - A sua vigência no território português
● há testemunhos da vigência do Código Visigótico no início da monarquia portuguesa, mas esses testemunhos vão-se esbatendo progressivamente
● BRAGA DA CRUZ: o Código Visigótico continua a ser citado em alguns documentos portugueses do séc XII, mas sob a forma de uma vaga reminiscência, não
correspondia a uma verdadeira força legislativa
○ no séc XIII essas citações desaparecem, devido ao crescimento da legislação nacional e a redescoberta do direito justinianeu
○ o renascimento do Código Visigótico em Castela não tem repercussões diretas em Portugal
3. Leis gerais portuguesas - Noção, nomenclatura e desenvolvimento
● no primeiro período, as leis gerais começam por ocupar um lugar modesto
○ sabe-se apenas da existência de poucos diplomas com normas gerais e abstratas de imposição coativa
● neste período, a lei aparece com várias denominações:
○ decreto, ordenação, carta, constituição, etc
● rei começa a legislar aos poucos, até haver uma monopolização do direito positivo pelo príncipe
○ função legislativa do rei torna-se normal
○ função legislativa também será exercida na cúria ou pelas cortes juntamente com o rei
● o poder legislativo do monarca encontra-se limitado em certos casos,
nomeadamente em relação ao direito natural, etc, mas lentamente começa a tornar-se o centro legislativo por excelência
○ reclama para si o monopólio legislativo e o papel de árbitro entre as diversas ordens jurídicas em presença ⇒ torna-se fonte do poder e do direito
● a crescente produção de legislação régia corresponde ao fortalecimento do poder real
○ intensificação da função legislativa leva à compilação das respetivas normas 4. Fundamento da força vinculante da lei - a sua natureza, finalidade e requisitos
● como fundamento da força vinculante da lei aparecem fórmulas reveladoras do sentido autoritário da vontade régia, de um conselho ou das cortes
○ quanto ao conselho, por vezes são eles que deliberam com o acordo e autoridade do monarca
● outras vezes, a força dos decretos régios aparece baseada na razoabilidade e antiguidade dos mesmos
● natureza da lei:
○ leis são estabelecimentos para que os homens saibam viver bem e ordenadamente segundo o prazer de Deus
○ leis devem ser cumpridas segundo Deus e a justiça
○ devem ajudar os homens a alcançar o objetivo da salvação das almas
● requisitos:
○ leis devem ser cumpridas e cuidadas
○ devem ser feitas com razão e segundo o direito natural
○ as suas palavras devem ser boas e declaradas de modo a que todos a entendam e a que fique na memória
○ leis devem ser feitas em serviço de Deus, em louvor e honra dos senhores que as mandaram fazer e em prol e bem daqueles que serão julgados por elas
5. Ignorância e conhecimento da lei - Publicidade, registo e entrada em vigor
● já neste período se verifica a existência do princípio segundo o qual o
desconhecimento da lei não beneficia ninguém ou justifica o seu incumprimento
● mas o problema da ignorância da lei está ligado ao problema da sua publicidade
○ só se pode exigir o conhecimento da lei se esse mesmo conhecimento for viável
● não havia um princípio fixo quanto à publicação das normas; geralmente, havia uma leitura pública semanal das normas aos domingos, após a missa
DIREITO OUTORGADO E PACTUADO AKSKMAL
1. Cartas de privilégio - Características gerais
● cartas de privilégio
○ em sentido lato → documentos que atribuem prerrogativas, liberdades, franquias e isenções de qualquer ordem
○ em sentido estrito → documentos que, embora de índole muito diversa, têm como característica comum a circunstância de traçarem um regime jurídico específico para certo território ou comunidade
● diferentes tipos de cartas de privilégio, mas as mais importantes são as cartas de povoação, os forais e os foros
2. Cartas de povoação
● as cartas de povoação visavam atrair habitantes para certas zonas, escassamente povoadas ou despovoadas
● origem:
○ o monarca, um senhor ou a entidade que exercia autoridade sobre um território fixava nessa carta um conjunto de normas
● conteúdo:
○ nelas definia o estatuto dos futuros colonos, especialmente quanto aos direitos de exploração das terras, visto que as cartas tinham uma expressão essencialmente económica
○ há quem defenda que as cartas tinham caráter contratual, mas em geral, as cartas constituíam um ato unilateral ou outorgado unilateralmente; revestiam até forma imperativa
○ ⇒ no entanto, ainda nos podemos referir às mesmas como sendo uma relação pactuada
● não havia liberdade de estipulação, mas sim de celebração → poderíamos então comparar as cartas de povoação a contratos de adesão e a contratos normativos 3. Forais
● por vezes, a distinção entre forais e cartas de povoação não é muito clara
● conteúdo:
○ em regra, os forais são mais extensos que as cartas de povoação e abrangem também maior número de matérias
○ enquanto o cerne das cartas de cartas de povoação se restringe às
condições, os forais contêm disposições de direito processual, militar, fiscal, penal e administrativo, tal como regras de direito privado
○ normas dos forais têm origens muito heterogéneas, podendo ter origem nos costumes, nas cartas de povoação, no direito prudencial, etc
● origem:
○ forais eram outorgados pelo monarca, ou, em certos casos, por um senhor eclesiástico ou um senhor secular
● categorias:
○ forais régios ou particulares
■ régios → terra é cedida com a simples reserva de certa pensão ou prestação periódica saída dos seus frutos ou rendimentos
■ particulares → dá-se o desmembramento do domínio direto e útil da terra
○ segundo o respetivo molde ou matriz
■ tem-se em conta a circunstância de existirem famílias de forais, resultantes de alguns terem servido de padrão ou tipo
○ segundo a maior ou menor complexidade das estruturas locais
■ classificação dos forais em rudimentares, imperfeitos e perfeitos, ou rurais, urbanos e distritais, conforme a simplicidade ou complexidade das estruturas locais
○ grau de originalidade
■ desdobram-se em originários, ampliativos ou confirmativos 4. Foros, costumes ou estatutos municipais
● conteúdo:
○ foros contêm um acervo de normas muito superior em quantidade relativamente aos forais
○ podem alinhar-se em centenas de rubricas e capítulos, o que revela uma grande sistematização e um intuito abrangente
○ tendência abarcante é visível na circunstância de se inserirem nos estatutos um maior número de disposições de direito privado, que abrangem mais áreas
○ estatutos municipais podem ser vistos como cadernos de leis civis, criminais, políticas, administrativas e processuais
● origem:
○ são outorgadas aos municípios para sua constituição e governo
○ no entanto, há estatutos que não foram outorgados e que resultam da reunião de diferentes fontes de direito local, empreendida pelo próprio concelho
○ nos costumes pode haver regras derivadas de direito consuetudinário, de deliberações de assembleias populares do concelho, etc
COSTUME E DIREITO PRUDENCIAL laksdlsa
1. Costume: conceito e amplitude da noção medieval
● costume: prática reiterada (elemento objetivo) com convicção de juridicidade (elemento subjetivo)
○ costume surge já nas fontes romanas e visigóticas
○ fontes registam-no também no sentido de direito não reduzido a escrito
● segundo BRAGA DA CRUZ, costume designa:
○ tudo quanto representa uma formação espontânea de direito
○ toda a norma jurídica formada por qualquer modo que não o processo legislativo
● quatro elementos:
○ antiguidade
○ consensualidade
○ não positivação
○ espontaneidade
1.2 Causas do prestígio do direito consuetudinário - Âmbito de aplicação
● no período da fundação da nacionalidade e nos tempos diretamente subsequentes, o costume era a fonte jurídica por excelência
● costume surge como a fonte mais antiga, que corresponde aos estádios de civilização material mais lineares
○ só adquire força onde não exista um aparelho de autoridade relativamente forte e desenvolvido
● costume resulta de uma prática reiterada e criada espontaneamente pelos membros da comunidade, correspondendo então ao sentimento natural de direito desta
○ costume tem frequentemente por base a tradição
● sendo o costume um processo de formação jurídica oral, era preciso prová-lo
○ procurava-se, muitas vezes, fixá-lo por escrito
● no entanto, ao ser reduzido a escrito, o costume perdia o seu caráter específico e vai adquirindo uma generalização crescente
○ ao reduzir o costume a escrito, o rei apenas reconhecia aqueles com que concordava → daí vêm os “bons costumes”
1.3 Requisitos do costume
● antiguidade → costume tem de ser observado há vários anos
● racionalidade → costume tem de se conformar com a razão
● consensualidade na comunidade → povo tem de introduzir o costume, sendo o consenso a causa eficiente do costume
1.4 Valor jurídico do costume
● coloca-se a questão da relação entre o costume e o direito legislado
● segundo o Decreto de Graciano → costume vale como lei na falta desta
● no entanto, havia quem defendesse que o valor do costume dependia da sua aprovação por lei
○ ⇒ monarca reduz o costume a escrito de modo a afirmar a supremacia da lei face às outras fontes de direito: centralização e fortalecimento do poder do rei 2. Direito costumeiro e direito judicial
● qual a relação entre o direito costumeiro e a ação criativa de direito pelos tribunais, ou seja, a jurisprudência?
● BRAGA DA CRUZ:
○ direito judicial não pode ser visto como fonte de direito autónomo, visto que as sentenças judiciais eram sempre tidas como uma definição autorizada de costumes anteriormente vigentes, e não como um modo autónomo de criar direito novo
● discute-se se as decisões judiciais são, ou não, elemento indispensável para o estabelecimento de um direito consuetudinário
○ esta opinião parte da ideia de que a norma jurídica só existe na medida em que se efetiva pelo aparelho de coerção
3. Estilo
● costume judicial autonomiza-se conceptualmente, assumindo o nome de estilo
● estilo era direito não escrito, cujo fundamento se identificava com a prática de um tribunal, distinguindo-se então do costume
● doutrina divergia quanto aos requisitos necessários do estilo, e quanto ao seu valor
○ será que quem não tem poder legislativo pode consagrar um estilo, e será que este pode dispor em contrário da lei?
■ em Portugal: rei podia determinar que um ato valia, sem prejuízo do estilo contrário
● estilo passou a ocupar lugar no quadro das fontes, sendo tal consagrado nas diferentes Ordenações
4. Façanhas
● façanhas: designa vulgarmente ação heróica e singular;
○ neste contexto, as façanhas são juízos sobre ações notáveis que ficaram como padrão normativo para o futuro, por virtude da autoridade que o praticou ou aprovou
○ valem não só para o respetivo processo onde são enunciadas, mas também para todos os outros semelhantes, por:
■ serem decisões régias → no entanto, podiam derivar de outras pessoa que não o monarca
■ se tratar de casos duvidosos ou omissos na legislação pátria 5. Alvidros
● alvidros: decisões dos juízes arbitrais
○ alvedrio corresponde à faculdade do juiz integrar uma lacuna ou criar uma norma para suprir o defeito de um estatuto
○ mas tal não significava possibilidade ilimitada de atuação (livre arbítrio), mas sim uma decisão por outros valores, como o costume e a equidade
● características:
1. em Portugal, os alvidros eram juízes livremente escolhidos pelas partes, os quais deviam julgar nos termos dos poderes por elas conferidos
2. de tais juízes apelava-se para os sobrejuízes
3. as sentenças dos juízes alvidros eram suscetíveis de serem utilizadas em composições
DIREITO PRUDENCIAL - INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO GERAL akakka
1. Direito prudencial - Noção
● sendo uma das fontes de direito na primeira época da história do direito português, o direito prudencial encontra-se fora da esfera de ação criativa do poder
○ o costume tende a ser dominado pelo governante ao limitar o seu valor à conformidade do mesmo às normas emanadas pelo poder, mas o direito prudencial resiste, por vezes, a essa limitação
● o direito prudencial chega mesmo a sobrepor-se ao espírito e letra da lei mediante uma função criadora de normas jurídicas e através de um papel interpretativo e integrador da lei
○ a interpretação da lei pode até ultrapassar o dado legal, pela sua capacidade de invenção (inventio) do prudente
● direito prudencial: ordem normativa criada pelos prudentes, ou seja, por aqueles que conhecem o direito, e cuja autoridade (auctoritas) lhes permitia declarar a verdade jurídica nos casos concretos
○ jurisprudência baseia-se na autoridade, ou seja, no saber socialmente reconhecido, mas desprovido de poder.
● o direito prudencial afasta-se da nossa aceção moderna da jurisprudência
○ hoje, a jurisprudência é o resultado da atividade do juiz enquanto magistrado que dita a solução dos casos litigiosos munido do direito de império do Estado
○ juiz atual é funcionário de poder, enquanto os juízes romanos eram privados
→ juízes romanos não eram magistrados ou funcionários
2. Direito prudencial medieval - ius romanum medieval como direito prudencial
● o direito prudencial conheceu na Idade Média um grande desenvolvimento, sendo possível designar esta época como o reinado do juristas
● vários fatores contribuíram para a evolução e importância do direito prudencial:
○ a deficiência do direito existente (legislação régia desenvolvia-se lentamente)
○ o caráter fragmentário e localista do costume
○ ⇒ havia então uma necessidade de colmatar as lacunas de um ordenamento jurídico escasso, e era necessário construir um ordenamento que
respondesse às exigências de uma sociedade em desenvolvimento
● trabalho de desenvolvimento do rudimentar ordenamento jurídico coube aos prudentes
○ no entanto, este trabalho pertence a um fenómeno perene, devido à constante luta entre o pluralismo jurídico e a afirmação da lei como única fonte de direito
3. Vulgarização do direito romano
● com a expansão de Roma, estendeu-se também a aplicação do direito romano
● expansão e implantação do direito romano foi processada lentamente, devido a conceção personalista que os romanos tinham do seu direito
○ ⇒ o direito civil romano era criado para os cidadãos de Roma, enquanto os estrangeiros se regiam pelo seu próprio direito
● com a expansão do Império, essa conceção personalista começa a mudar e aparecem tendências para a generalização e uniformização
○ por exemplo, através do direito das gentes (ius gentium), que é o direito comum aplicável a relações de vários tipo, e através da concessão do estatuto pessoal dos romanos a não-romanos
● problemas da aplicação do direito romano único e oficial no Império:
○ existência de direitos particulares ainda em vigor
○ resistência dos mesmos ao seu desaparecimento
○ impossibilidade prática de uma total aplicação do direito romano
○ ⇒ dá-se então lugar a outras soluções, como o aparecimento do direito romano vulgar
● direito romano vulgar: direito romano aplicado nas províncias, distinto do direito romano puro, por ter sido contaminado pelos direitos indígenas e pela correção e adaptação levada a cabo na prática
● assim sendo, o processo evolutivo da penetração do direito romano nesta primeira fase apresenta duas etapas:
○ romanismo direto → tentativa de aplicação direta do direito romano único e oficial
○ vulgarização → produto da criação popular e da prática
● divisão do Império Romano em duas partes vai criar duas ordens jurídicas distintas:
○ no Oriente → o desenvolvimento do direito romano faz-se com altos padrões de técnica jurídica, vindo então a culminar na produção do Corpus Iuris Civilis, pelo imperador Justiniano
○ no Ocidente → a vulgarização vai aumentando até à queda de Roma 3.1 Processo de “renascença” do direito romano
● redescoberta do direito romano justinianeu em Itália é o objeto de adaptação e criação por parte dos juristas medievais
● fatores que levaram à redescoberta do direito romano:
○ renovação do Império na pessoa de Carlos Magno e a sua transferência para os Germanos, com consequente aproveitamento do direito imperial pelos novos imperadores
○ desenvolvimento da estrutura eclesial e do direito canónico, que encontra no direito justinianeu novas técnicas de compilação
○ emergência de cidades-estados em Itália que necessitavam de estruturas normativas e constitucionais, que os direitos locais não conseguiam fornecer só por si
○ movimento geral da cultura no sentido de um alargamento de horizontes
● nas edições medievais, o Digesto encontrava-se disposto da seguinte maneira, correspondendo à ordem de elaboração e de estabelecimento:
○ Digesto Velho → Digesto como apareceu primeiro
○ Digesto Novo → Digesto que foi separado novamente e por último dos outros livros do Digesto
○ Digesto Esforçado → Digest que foi separado dos outros antes do Digesto Novo
4. Escolas jurisprudenciais na Idade Média
● é costume apresentar a jurisprudência medieval como duas escolas sucessivas
○ glosadores → inicia-se nos princípios do séc XII, terminando com Acúrsio e a sua obra Magna Glosa, no início do séc XIII
○ comentadores → teria começado após os glosadores, atingindo o seu apogeu no séc XIV e entrando em declínio com as críticas dos humanistas, nos séculos XV e XVI
● no entanto, esta visão é demasiado esquemática e é necessário ter em
consideração que as duas escolas não se encontram separadas e isoladas, tendo vários pontos de contacto entre elas
● a obra Magna Glosa é muitas vezes usada como ponto de separação entre as duas escolas, no entanto, será mais correto vê-la como um elemento de continuidade
● RUY E MARTIM DE ALBUQUERQUE: deveríamos separar as escolas em glosadores, pós-acursianos e comentadores
● o objeto de trabalho das escolas era o direito romano justinianeu, embora o tratassem de diferentes formas
● porquê o direito romano?
○ havia uma necessidade de tratar um direito que fosse duradouro, como era o caso do direito romano
○ cumpria os requisitos de rigor quanto aos regimes e conceitos jurídicos
○ provém também de uma necessidade de compreender melhor o direito canónico, que, em vários aspetos e conceitos, tem por base o direito romano
● objetivo:
○ tentativa de análise das diferentes componentes do Corpus Iuris Civilis; no entanto, com a análise vinha também uma interpretação das passagens
○ preocupação em olhar para os textos de forma completa, procurando então diferentes significados em cada passagem
5. Ligação da jurisprudência à Universidade - Aspetos comuns e específicos das correntes
● maioria dos juristas pertencentes às diferentes escolas são professores
○ ⇒ fenómeno do renascimento do direito romano constitui um processo essencialmente universitário, do ponto de vista dos agentes da sua elaboração
○ Bolonha tornou-se o principal palco da redescoberta do direito romano justinianeu
● as Universidades tinham professores e alunos de várias nacionalidades, havendo portanto um grande universalismo, sendo este um fator decisivo na expansão do direito romano e na unidade cultural da Europa
6. Os géneros literários nas escolas jurisprudenciais
● Glosa:
○ caracteriza a escola dos glosadores
○ glosa → explicação singular de termos, conceitos ou passos de um escrito
○ estrutura mais rudimentar da glosa: substituição de um vocábulo por outro
○ no entanto, as glosas podem ter maior complexidade, relativamente à matéria que tratam, aos problemas que visam ou às formas literárias co-envolvidas
○ glosas de tipo discursivo são também frequentes
○ aspetos externos:
■ glosas interlineares: escritas entre as linhas do texto
■ glosas marginais: escritas nas margens das páginas
○ aspetos materiais:
■ glosas técnicas: têm conteúdo jurídico
■ glosas de índole filológica, histórica ou retórica-dialética
○ argumentação:
■ glosas declarativas: apenas explicam o texto
■ glosas discursivas: tentam também interpretar as passagens
● Quaestio:
○ corresponde a uma forma dialogada
○ pode reportar-se a um facto (quaestio facti), estando em causa a existência de um evento, como um caso prático, que não seria possível responder apenas com recurso às leges
○ podiam também dizer respeito à interpretação do direito (quaestio iuris), o que implicava uma disputa intelectual solúvel com recurso a leges, rationes e auctoritates
○ a quaestio era então um elemento de atualização do direto
○ podiam dizer respeito a um conflito real de interesses ou a um exercício académico
● Commentarius:
○ caracteriza a escola dos comentadores
○ trabalhos elaborados com o intento de estabelecer uma visão sintética de um instituto pela consideração exaustiva de todos os seus aspetos, feita sobre uma base lógica e não exegética
○ características:
■ índole extensamente discursiva
■ independência formal face à ordem dos textos romanos
■ conjugação dos preceitos justinianeus com os de outras ordens jurídicas
7. “Ars inveniendi” - Metodologia das escolas medievais
● a metodologia dos glosadores e pós-acursianos é predominantemente analítico-problemática
● elemento analítico:
○ jurista medieval aproxima-se dos textos com o intuito de determinar os preceitos, não através da consideração da globalidade do ordenamento jurídico, mas sim vendo nestes algo de imediato e dotado de individualidade
○ processos de correlação dos conceitos não é algo a atentar à partida, mas sim um simples instrumento para fixar o preceito
○ tentavam compreender o âmbito de aplicação da norma e tentavam densificar o conceito, decompondo o conteúdo da norma
● elemento problemático:
○ para o jurista medieval, a solução não se encontrava através da subsunção de um facto a uma norma legal, mas sim pela ponderação das soluções possíveis