LIBERALISMO E MOVIMENTO DE CODIFICAÇÃO JJJJ
1. Institutos familiares
1.1 A família
● difícil definir juridicamente o que é uma família, de modo a que tal conceito corresponda a todas as suas facetas históricas e sociais
○ ideia de família varia de acordo com as circunstâncias
● em períodos de forte instabilidade política e social, ou em épocas recuadas, quando a vida em sociedade se institucionaliza de formas elementares ⇒ família adquire relevância política como fator fundamental da organização social
● clan
○ agrupa comunidade de pessoas provenientes do mesmo antepassado
○ a sua identidade própria resulta de vínculos religiosos (divindades comuns), propriedade comum e trabalho coletivo
○ esta forma de organização parece ter sido universal
■ todas as sociedades terão conhecido este estádio ou terão derivado de outras comunidades assentes nestes princípios de comunhão doméstica
○ totem ⇒ é o denominador comum, sendo o sinal particular determinante de parentesco
■ o clan distingue-se de outras sociedades que se formam por serem precedentes da mesma origem, visto que o parentesco se funda unicamente na comunidade do totem e não em relações de consanguinidade
■ membros do clan são parentes, não por serem pais ou irmãos, mas sim porque usam todos o mesmo nome
■ esse símbolo é entendido como antepassado comum, pelo que os laços de consanguinidade se diluem perante tal crença coletiva
■ todos os deveres coletivos, caracterizados como deveres familiares, derivam de tal crença comum
● família patriarcal
○ manifestação histórica mais relevante e típica encontra-se na Roma antiga
○ família não é fundada em crenças ou traduções, mas sim na autoridade do paterfamilias
■ este agrega à sua volta e sob a sua autoridade um grupo de pessoas e de meios patrimoniais
○ o que releva não é tanto a existência de vínculos sanguíneos, visto que o parentesco uterino está excluído, mas sim a submissão ao poder do paterfamilias, que define a situação familiar
○ romanos exprimem tal ideia de comunidade familiar através da contraposição de dois parentescos:
■ agnaticio → parentesco determinado sobretudo através da existência de laços de submissão familiar
● relações estão necessariamente circunscritas às decorrentes da linha paterna, visto que só através desta se irá perpetuar o poder familiar
● poder familiar é o manus, conceção jurídica que se traduz em relações de domínio e dependência → fatores como
nascimento ou afeição ficam em segundo plano
■ cognaticio → caracteriza-se pela existência de vínculos sanguíneos que formam diferentes tipos de parentesco
● parentesco é definido pela descendência ou ascendência de gerações, ou então pela existência de um descendente comum
● neste caso, a distinção do sexo não influi de forma alguma
● família conjugal
○ é assente na institucionalização da relação dos cônjuges
○ ato constitutivo da união conjugal é associado pela ordem jurídica a outro ato ou circunstância relevante na mesma
○ família conjugal também se apresenta através de variadas formas, com um grau de coesão e disciplina interna diverso e flutuante
■ este fator resulta da articulação da família com as outras instituições políticas e sociais que estruturam a comunidade
● períodos de instabilidade política → grupo parental tem maior coesão interna, sendo que a relevância do parentesco se entende a graus mais afastados
● períodos individualistas → realização individual é facultada pelas circunstâncias sociais e pelas conceções filosóficas, pelo que a família perde coesão interna e a relevância dos laços de parentesco diminui
○ para além desta generalização de ideias, a multiplicidade de formas e de ordenamento familiar pode ser caracterizadas nas suas particularidades, visto que refletem conceções vigentes na época
1.2 Os esponsais
● esponsais → recíproca promessa de casamento a celebrar entre os futuros cônjuges, ou entre quem os represente legalmente
○ a autonomização deste instituto é difícil, visto que, por vezes, a fronteira entre matrimónio e esponsais não está bem definida
● no período da jurisprudência clássica de Roma, qualquer cláusula penal que se aplicasse à promessa de casamento era nula, por ser contrária aos bons costumes
○ no entanto, no período pós-clássico começa a equiparar-se legalmente o regime dos esponsais e do matrimónio
● também no direito germânico constituem os esponsais uma primeira fase do casamento, que apenas se tornará perfeito através da traditio
○ traditio → série de atos materiais e solenidades, que tem na base a ideia de transmissão da mulher da sua família de origem para o domínio familiar do marido
● no direito visigótico, enquanto ramo do direito germânico:
○ para assegurar publicidade do ato, esse dever-se-ia celebrar por escrito ou perante testemunhas
○ idade para se obrigarem os promitentes era de 15, sem a qual deveria, ser representados pelos pais ou irmãos
■ acordo obrigava à celebração do casamento dentro dos 2 anos seguintes, não se podendo alargar o prazo
○ como penhor do cumprimento da promessa era entregue o anel esponsalício e redigida a escritura
■ Código Visigótico previa penas aplicáveis aos noivos que não cumprissem o prometido
● nos Estados cristãos da Reconquista, tal tradição mantém-se com poucas alterações
● ideia relevante nos esponsais é a segurança e garantia no cumprimento da promessa
○ tal garantia já dominava o contrato no período pós-clássico de Roma, através do regime jurídico da “arrha sponsalicia”
■ corresponde a bens mutuamente doados, que reverteriam para um dos prometidos caso o outro não cumprisse a promessa
● direito canónico também considerava os esponsais uma primeira fase do casamento, em que a expressão do consenso nupcial já era patente
○ de acordo com a doutrina da Igreja constante nas Decretais de Gregório IX, se depois da troca mútua de promessas de casamento fosse consumada a relação sexual, estaria verificada a existência de matrimónio com todos os seus efeitos
○ ⇒ é o chamado “casamento presumido” 1.3 O casamento
● ordem jurídica tem dificuldade em apresentar uma noção de casamento que satisfaça plenamente a adequação de tal conceito à realidade
● casamento pode também ser entendido de duas maneiras:
○ casamento enquanto estado existente entre duas pessoas, que se traduz numa comunhão de vida e que se refere normativamente a um conjunto de deveres e de direitos de ordem pessoal e patrimonial
○ casamento enquanto ato inicial, expressão de consentimento, contrato que dá origem à situação de direitos e deveres recíprocos
● questão do papel do consenso na perfeição do ato:
○ direito visigótico
■ ao lado do casamento tradicional consubstanciado nas duas fases de Verlobung e Trauung (desponsatio e traditio), em que o
consentimento da mulher estava praticamente excluído, surge outro tipo de união conjugal:
■ ⇒ “casamento por rapto”, que tem lugar quando um homem livre recebe por esposa uma mulher também livre, sem ter oferecido nada em troca ao pai dela
● tal ato só comportava efeitos jurídicos quando efetuado com o consentimento da raptada
○ direito canónico
■ moldado pelo humanismo cristão, dá grande importância ao papel do consenso e da livre expressão da vontade na contração do
matrimónio
■ o momento decisivo da consumação do casamento passa a ser o elemento do consenso livremente expresso, em vez do elemento da cópula carnal
● outra questão é a da liberdade matrimonial → em que circunstâncias podem os noivos decidir por si que vão casar
○ avaliando pelos preconceitos e limitações sociais que condicionavam a opção matrimonial, não se presume, à partida, grande liberdade de escolha
■ para além disso, o poder paternal exercia-se até que os filhos contraíssem matrimónio
○ no entanto, tal aspeto preocupa os nossos monarcas:
■ Cúria de Coimbra de 1211 → matrimónio deve ser livre; estabelece que nenhum rei poderão obrigar alguém a contrair matrimónio
■ ⇒ mesmo assim, a expressão da lei não conseguiu mudar de imediato os costumes e as barreiras sociais do tempo
1.3.1 Formas de casamento
● ao elaborar o Código de Seabra, publicado em 1867, questionou-se sobre a possibilidade de haver um casamento puramente civil
○ começaram a surgir, então, vários estudos sobre as formas de casamento, especialmente aquelas da Idade Média
● Alexandre Herculano defendeu a existência de uma forma de casamento, realizada à margem e sem as formalidades prescritas pela Igreja, de valor social inferior e com diversos efeitos jurídicos
○ ⇒ era o casamento civil que não gozava da natureza da sacramentalidade
○ defende que se encontram nos forais e costumes municipais vestígios da existência simultânea dos casamentos de benção e dos de pública forma
● na Idade Média, entre os séculos V a XV, existiam 4 formas de casamento:
○ casamento por benção
■ realizado, à luz do direito canónico, num templo e presidido por uma sacerdote, que ministrava o sagrado sacramento do matrimónio
■ consentimento dos noivos era necessário, não podendo haver impedimentos legais (ex.: relação de parentesco entre noivos)
■ semelhante ao atual casamento religioso
○ casamento de juras
■ não recebia qualquer sacramento, podendo ser celebrado em qualquer local
■ não podia ser celebrado num templo ou ser presidido por um sacerdote, mas este podia testemunhar o ato como qualquer outro cidadão
■ celebrado através de jura recíproca dos noivos
■ semelhante ao atual casamento civil
○ casamento de pública forma
■ reconhecido em 1311 por D. Dinis, sendo que já existia antes na clandestinidade
■ clandestino, visto que a união de facto não era aceite por não ter sido abençoada, estando desse modo à margem da lei civil e canónica
■ é enquadrado juridicamente em 1311, estabelecendo uma presunção inilidívelde casamento no caso de homem e mulher viverem na mesma casa há 7 anos como marido e mulher, etc
○ casamento por rapto
■ casamento de origem visigoda, em que o casamento era celebrado sem o pretium puelae, sendo que o casamento apenas produzia efeitos com o consentimento da raptada
1.3.2 Relações patrimoniais dos cônjuges
● sociedade conjugal → estabelece-se pela comunhão de vida que resulta da união matrimonial
○ tais relações exprimem-se em complexos de direitos e obrigações de natureza pessoal e patrimonial
● quanto aos direitos e deveres de natureza patrimonial, avultam o regime de bens, as incapacidade daí resultantes e a responsabilidade pelas dívidas
● do nosso direito foraleiro conclui-se que os cônjuges mantinham a propriedade exclusiva dos bens que levavam para o casament
○ regra de não comunhão dos bens próprios aplica-se igualmente ao património do marido e ao da mulher
● ainda que os propriedade dos bens se mantesse diferenciada, a administração dos bens era atribuída ao marido, que a exercia com amplos poderes, podendo inclusive alienar bens móveis da mulher, sem o seu consentimento
○ a mulher via também a sua capacidade de exercício de direitos bastante limitada, não podendo exercer certos direitos sem o consentimento do cônjuge, a não ser que ela própria fosse comerciante
● de acordo com o regime geral, os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio passariam a ser comuns
○ de modo geral, só se excluíam da comunhão o património adquirido por sucessão ou doação
● ao regime das arras, combinado com a comunhão de adquiridos, começa a fazer concorrência, a partir do séc XII, o regime da comunhão geral de bens
○ em certas áreas era aplicado como regime supletivo, enquanto noutras era aplicado em detrimento do costume tradicional do concelho