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3 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

3.3 Direitos fundamentais e efetividade

O movimento do constitucionalismo do período iluminista deflagrou uma concepção consolidada nos modelos atuais de democracia, em que o reconhecimento dos direitos fundamentais legitima o exercício do poder nas esferas públicas e privadas. Os direitos fundamentais constituem o alicerce de toda a atividade humana e social, seja política, econômica, religiosa, cultural.80 O pensamento de John Locke já assinalava que os governos e os Estados tinham e (têm) a sua razão de ser na proteção de direitos individuais, anteriores a eles e ao direito positivo. Nesse diapasão, a Constituição estrutura e delimita o exercício do poder nas esferas pública e privada, em um modelo de unidade política, cujo bastião é o reconhecimento e a garantia dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais estão inseridos naquilo que o constitucionalismo denomina de princípios constitucionais fundamentais: aqueles princípios que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica preconizada pela Constituição.

É indiscutível a interação entre os direitos fundamentais e uma Constituição Social e Democrática, cumprindo assinalar que aonde o exercício e a atividade dos direitos fundamentais não se consolidaram, de fato, não se verifica o respeito à Constituição. Diz-se até que, sem essa consolidação, não haveria Constituição, mas um “substrato normativo sem alma, sem qualquer sopro de vida”.81 O reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais do homem se encontram na base das Constituições modernas.

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REGLA, Josep Aguiló. Sobre la constitución del estado constitucional. Doxa: cuadernos de filosofía del derecho,Alicante,n.24,2001.Disponívelem:<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/013727197680 28837422802/index.htm>. Acesso em: 10 set. 2005.

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CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Processo constitucional e a efetividade dos direitos fundamentais. In: _______; SAMPAIO, José Adercio Leite (Coord.). Hermenêutica e jurisdição constitucional: estudos em homenagem ao Prof. José Alfredo de Oliveira Baracho. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p 195-196.

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O respeito e a afirmação dos direitos fundamentais condicionam a realização do programa ou regime social e democrático previsto na Constituição, numa integração vital que não é concebida sem os instrumentos ou mecanismos que constituem a própria garantia de realização dos direitos fundamentais.82 Constitui convicção comum que a Constituição deva reconhecer e garantir os chamados direitos individuais básicos e os direitos sociais, elencados no rol dos direitos fundamentais, disponibilizando os respectivos instrumentos ou mecanismos que possibilitem a efetiva participação popular na elaboração, decisão e defesa das matérias inseridas na Constituição.

Francisco Laporta apresenta uma classificação dos direitos fundamentais quanto à sua natureza, então categorizados como postulados morais:

a) direitos pré-políticos imunes ao alcance do poder público democrático ou não, e

não sujeitos a fatores temporais ou mesmo a interesses da maioria; dizem respeito aos tradicionalmente chamados direitos da personalidade, tidos como intocáveis e tendo como exemplo o direito à liberdade, a proibição da escravidão, entre outros;

b) direitos que fundamentam os mecanismos institucionais constituem ponto de

apoio ao “edifício institucional” e, expressos no direito de acesso à justiça, ao contraditório, por exemplo, denotam a intenção individual e social de se construir uma comunidade política dotada de poderes coativos, mas sob a condição de que seus conflitos sejam resolvidos com eficácia e imparcialidade, bem como que haja a garantia na elaboração das leis a serem aplicadas na solução desses conflitos;

c) direitos de prestação que não só se garantem ou se realizam com um

reconhecimento jurídico, mas também dependem de um conjunto de infra-estrutura e atividades econômicas e sociais para garantir aos respectivos titulares a sua realização, com os bens que são a condição para essa satisfação (educação, saúde, por exemplo).83, 84

Quanto à efetividade dos direitos fundamentais, Norberto Bobbio pontua que

[...] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento. Se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti- los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.85 82 LAPORTA, 2001, p. 477. 83 Ibid., p.476-477. 84 Ibid., p. 474. 85

No Brasil, os direitos fundamentais estão assinalados na Constituição Federal. São, pois, direitos constitucionais e assumem uma dignidade formal que expressa uma relevância jurídica positiva, consagrada pela jurisdição constitucional, que os coloca em posição hierárquica superior à lei – o que também vem a ser observado em diversos países.

A mera figuração no texto constitucional, de efeito, não significa garantia de efetividade. Como visto, a efetividade dos direitos fundamentais é dependente da disponibilização de mecanismos que os torne acessíveis aos seus titulares, a fim de que estes possam exercê-los ou defendê-los. É, nesse passo, que mais se percebe a necessidade de garantia de acesso à justiça, direito fundamental que aponta o sentido para a efetiva reivindicação de direitos, mas que apenas se realiza na medida em que materializa e estrutura procedimentos adequados para o desempenho da atividade jurisdicional.86

Nesse diapasão, insta pontuar que as abordagens orientadas pelo neoconstitucionalismo ideológico não se limitam a descrever o que se alcançou com o processo de inserção de matérias ou temas no texto constitucional, ainda que no rol de direitos fundamentais. Dá-se relevo ao valor positivo que encerra a respectiva inserção na Constituição, mas sugere-se a sua defesa e ampliação, bem como se destaca a importância dos mecanismos institucionais de tutela dos direitos fundamentais, sublinhando-se a exigência de que as atividades do Legislativo e do Judiciário estejam comprometidas com a concretização, a atuação e a garantia dos direitos fundamentais.87

Alexy, Dworkin e Zagrebelsky, pensadores do neoconstitucionalismo ideológico, entendem que dos ordenamentos democráticos e constitucionalizados contemporâneos ressai uma necessária conexão entre direito e moral, de modo a ser nítida uma inclinação ao entendimento de que pode subsistir, atualmente, uma obrigação moral de obedecer a Constituição e as leis que estão de acordo com a Constituição.88 Em todo caso, essa perspectiva hermenêutica só se consolida se operacionalizada através dos instrumentos disponibilizados para a promoção e defesa da Constituição.

É consenso, numa democracia, que a tutela dos direitos fundamentais seja a base para a sua sustentação. As ações constitucionais ou garantias procedimentais constitucionais, na denominação de José Afonso da Silva, que se expressam também pelas vias do controle

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CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto alegre: Sérgio Fabris, 1988. p. 11-12. 87

COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. Isonomía: revista de teoría y filosofía del derecho, Alicante, n. 16, abr. 2002. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/90250622101470717765679/isonomia16/isonomia16_06. pdf>. Acesso em: 08 out. 2005.

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difuso de constitucionalidade, constituem, numa concepção atual de cidadania, direitos fundamentais de relevante importância.

Assim, os direitos fundamentais, entre os quais (e principalmente) o que consagra o direito de acesso à justiça, gozam de primazia ante a atividade legislativa.