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Capítulo 2 – Direito à educação e à diferença

2.2. Direitos linguísticos e culturais para a construção de uma cultura de paz

Devido ao processo de migrações constantes, “la plupart des pays sont, aujourd'hui, culturellement hétérogènes” (Kymlicka, 2001, p. 9). Esta realidade faz com que se desloquem “línguas e culturas das comunidades pois cada homem é portador de uma língua e uma cultura que são inerentes à sua identidade” (Cardoso, 2002, p. 395). Kymlicka (2001) refere que, de acordo com estudos recentes,

“les cent quatre-vingt-neuf États indépendants du monde comprendraient plus de six cents groupes linguistiques et cinq mille groupes ethniques. On peut donc considérer qu'il y a fort peu de pays où les citoyens parlent la même langue ou appartiennent au même groupe ethnonational” (p. 9).

Ao contrário daquilo que defende a DUDH, muitas línguas e culturas continuam a ser inferiorizadas, beneficiando de um estatuto desigual. Muitas minorias culturais e linguísticas não desfrutam dos direitos que lhes são consagrados na DUDH, sendo discriminadas e menosprezadas pelas comunidades linguísticas e culturais dominantes, ao invés destas comunidades se preocuparem em conhecer as minorias e em aceitar a diversidade como uma riqueza e uma marca de identidade cultural (cf. Cardoso, 2002).

No artigo 2.º da DUDH é referido que

“todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

Tornou-se assim relevante prever a existência de direitos linguísticos e culturais, sendo estes, parte integrante dos DH e, simultaneamente individuais e coletivos (cf. Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, 1996, preâmbulo; Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2002, preâmbulo).

Assim, de forma a garantir um ambiente social de convivência e de paz para o reconhecimento dos direitos de cada comunidade linguística e cultural proclamou-se, com a participação da UNESCO, a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (DUDL) em 1996 e a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (DUDC) em 2002, com o objetivo principal de reafirmar a preocupação com a preservação e o respeito pela diversidade linguística e cultural (cf. Branco, 2001).Estes documentos escritos, aprovados e proclamados ficam a dever-se, principalmente, à vontade de preservar a DLC presente no mundo e têm como principal função serem um catalisador para defender a paz e a igualdade entre todas as comunidades linguísticas e culturais, garantindo relações aprazíveis entre diferentes culturas e apelando ao respeito, “à tolerância, ao diálogo e à cooperação, num clima de confiança e de entendimento mútuos” (DUDC, 2002). A DUDL e a DUDC proclamam a igualdade de direitos linguísticos e culturais, “sem distinções não pertinentes entre línguas oficiais/ não oficiais; nacionais/ regionais/ locais; majoritárias/ minoritárias; modernas/ arcaicas” (Branco, 2001, p. 19).

Como se pode comprovar na alínea 3 do artigo 3.º da DUDL pretende-se que os direitos das pessoas e dos grupos linguísticos minoritários não devam representar um

obstáculo à inter-relação e à integração da comunidade linguística recetora, nem nenhuma limitação aos direitos dessa comunidade, ou dos seus membros usarem a própria língua em público (cf. Cardoso, 2002). Mas atenção, porque quando se estabelece que

“certains droits linguistiques au bénefice d'un groupe ne donnent pas nécessairement à ce dernier le pouvoir d'en dominer d'autres. Bien au contraire, (…) on peut considérer que de tels droits permettent de placer divers groupes sur un pied d'égalité en réduisant la vulnérabilite du plus faible par rapport au plus fort” (Kymlicka, 2001, p. 61).

O conhecimento e o respeito pelos direitos linguísticos e culturais pode “inscrever no espírito de todas as pessoas os elementos fundamentais de uma cultura de paz” (Ministério da Educação, 1998, p. 14). Independentemente da língua ou da cultura, todos os seres humanos têm direito à participação na vida cultural de uma comunidade, à educação e à informação num ambiente onde haja entendimento, concórdia e pacificação.

Desta forma, uma educação do século XXI deve levar a cabo uma cultura de paz, sendo esta um conjunto de

“valores, actitudes, tradiciones, comportamentos y estilos de vida basados en el respeto a la vida, en fin de la violéncia y la promoción y la práctica de la no violéncia por medio de la educación, el diálogo y la cooperación; el respeto pleno e la promoción de todos los derechos humanos y las libertades fundamentales; (…) el fomento de la igualdad de derechos y oportunidades des hombres y mujeres; el respeto y el fomento del derecho de todas las personas a la libertad de expresión, opinión e información; la adhesión a los principios de liberdad, justicia, democracia, tolerancia, solidariedade, cooperación, pluralismo, diversidade cultural, diálogo y entendimento a todos los niveles de la sociedad y entre las naciones” (Imbernón et al., 2000, pp. 26-27).

Uma citação extensa mas que se revela decisiva e concisa para clarificar os valores, as atitudes e os comportamentos que toda a humanidade deverá exercer, atendendo às inúmeras diferenças linguísticas e culturais.

Na realidade, trata-se de se estabelecer princípios de paz linguística e cultural planetária justa e equitativa, como fator essencial de convivência social, ou seja, pretende- se que a DLC contribua para uma cultura de paz tanto como esta deve contribuir para

preservar a diversidade. Mas esta relação de reciprocidade só é atingível se o desenvolvimento de uma cultura de paz explorar os valores que proporcionam as línguas e as culturas como elementos de integração (cf. Branco, 2001). E à educação cabe o papel de transmitir às crianças em que consiste esta cultura de paz, pois se há esperança para a paz no mundo, ela reside nos cidadãos mais jovens. Para a existência desta paz, o ambiente educativo tem de ensinar as crianças a respeitar a diversidade, a respeitarem-se umas às outras (cf. Cole, 2004). Pode mesmo dizer-se que a educação que proporciona uma cultura de paz tem de fornecer meios de aprendizagem sobre as diferentes línguas e culturas presentes na escola.

É, neste facto, que radica a grande contribuição que a DUDL e a DUDC podem trazer à cultura de paz: fomentar nas crianças a consciência de que a DLC não só é necessária como também é uma contribuição imprescindível para o conhecimento da humanidade, porque cada língua e cada cultura proporciona uma das múltiplas formas de conhecer o mundo (cf. Branco, 2001).

A existência de direitos linguísticos e culturais constitui um valioso instrumento para a diversidade de grupos linguísticos e culturais, que lutam “para preservar uma das manifestações fundamentais da sua cultura: a sua língua” (Branco, 2001, p. 27), assim como constitui um passo importante na luta pela igualdade entre povos e culturas. Exemplo de um desses povos é a comunidade cigana, que luta há anos pela igualdade de direitos, matéria que é abordada no próximo capítulo.