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OS CUSTOS DOS DIREITOS: A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO (EFEITO CLIQUET) E A RESERVA DO POSSÍVEL (LIMITAÇÃO ORÇAMENTÁRIA)

B. CONHECIMENTO TÉCNICO E CAPACIDADE OPERACIONAL: CAPACIDADE INSTITUCIONAL

2.3.3. OS CUSTOS DOS DIREITOS: A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO (EFEITO CLIQUET) E A RESERVA DO POSSÍVEL (LIMITAÇÃO ORÇAMENTÁRIA)

Tudo quanto fora relatado acima tem íntima relação com o que se aponta neste momento.

Inicialmente, importante considerar a doutrina da proibição do retrocesso, segundo a qual, atingido um determinado nível de garantia relacionada aos direitos fundamentais, o Poder Público não poderia retroceder para um estágio de desenvolvimento anterior.

Noutras palavras, garantido o fornecimento de serviços públicos para a população, os mesmos não poderiam deixar de sê-lo, a não ser que sejam substituídos por outros de melhor qualidade.

A proibição do retrocesso e o seu reconhecido “efeito cliquet”, todavia, não consideram momentos de crise econômica ou orçamentária – situações nas quais o Poder Público não pode contar com o montante de receita que contava antes deste momento excepcional.

O Judiciário, por sua vez, segue, quase que em sua totalidade, na mesma linha, pressionando o Poder Executivo a proporcionar serviços públicos cada vez mais caros e de o art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.

qualidade máxima, enquanto que as políticas públicas são deixadas de lado, tendo como conseqüência a agonia dos que, por quaisquer motivos, não foram abarcados pela Justiça.

Assim, visto que os processos se dão em cada vez maior número e que os mandados judiciais são incisivos para o alcance de um grau máximo de qualidade, o Poder Executivo se depara, a cada dia que passa, com um maior arrocho das contas, decorrência da limitação orçamentária.

Ressalte-se que parte significativa da jurisprudência (como já demonstrado no início deste capítulo) bem como da doutrina155 é, de certa forma, insensível com esta questão.

Posicionamentos deste jaez causam um problema sério quando se percebe que milhares (senão milhões) de processos tomam o mesmo argumento para emprestar força coativa às suas decisões.

Não há orçamento que sustente tamanha ingerência do Poder Judiciário, podendo-se chegar ao cúmulo da verba da educação, saúde, etc, ser totalmente destinada à satisfação de determinações judiciais.

De todo modo, não se pretende defender ferrenhamente a liberdade de alocação dos recursos pelo Poder Executivo. Ao contrário, admite-se ser fato inconteste que ainda hoje se gasta mal o dinheiro público. Com freqüência se verificam compras superfaturadas; obras inúteis, caras e inacabadas; privilégios em excesso para os detentores do Poder (carros oficiais em excesso, jatinhos à disposição, copas com os melhores produtos etc); inúmeros cargos em comissão e de confiança; marketing institucional com fins eleitoreiros; corrupção, dentre outros exemplos.

Talvez toda essa ampla gama de desmandos com o dinheiro público tenha passado a impressão para o Poder Judiciário (e para a sociedade), de que o Poder Executivo tem recursos ilimitados – o que não condiz com a realidade.

Se é bem verdade que o Poder Executivo tem que gerir melhor o seu orçamento, não é menos verdade que os recursos são limitados, bem como que as decisões judiciais têm impacto significativo na destinação desses valores.

O Poder Executivo, portanto, para se utilizar deste argumento, precisaria promover uma profunda mudança na gerência e alocação dos recursos públicos. Salientando-se,

155 “As ações afirmativas, nesses casos, não podem ser postergadas por razões de oportunidade e conveniência, nem sob alegação de contingências financeiras. E, embora as atividades concretas da Administração dependem de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidas pelo governante, o argumento da reserva do possível não é capaz de obstruir a efetivação judicial de normas constitucionais” (KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 83).

inclusive, que esta missão não compete apenas ao Executivo, mas também aos Poderes Legislativo e Judiciário quanto aos seus próprios orçamentos. A responsabilidade é de todos os Poderes e também da sociedade.

Stephen Holmes e Cass Sustein, relatando a experiência dos Estados Unidos, afirmam que os cidadãos americanos parecem esquecer que os direitos e liberdades individuais dependem fundamentalmente da vigorosa ação estatal.156

Os referidos autores esclarecem que todos os direitos custam dinheiro, seja o direito ao bem-estar ou o direito à propriedade privada; o direito à liberdade contratual ou à assistência médica; o direito à liberdade de expressão ou à moradia digna. Todos os direitos fazem reivindicações perante o tesouro público.157

Nesse sentido, para tudo é necessária a alocação de recursos, chegando-se até a afirmar que um direito legal apenas existe, na realidade, se e quando possuir previsão orçamentária.158

Por sua vez, a previsão orçamentária precisa passar pelo procedimento democrático de discussão perante o Poder Executivo e Legislativo, legítimos representantes eleitos do povo para essa finalidade.

Desta feita, afigura-se difícil a compreensão acerca da capacidade de uma decisão judicial ser realmente apta a promover a melhor destinação dos recursos públicos. Inclusive Stephen Holmes e Cass Sustein fazem a seguinte constatação: um juiz pode compelir uma rua a permanecer aberta para uma atividade expressiva ou determinar que uma prisão melhore as condições de vida dos prisioneiros; mas poderia esse juiz ter certeza de que o dinheiro que ele ou ela comandou para tais fins não teria sido usado de maneira mais efetiva se fosse utilizado para imunizar crianças pobres contra difteria?159

Trata-se de situação bastante séria que merece melhor reflexão por parte dos estudiosos do Direito.

Dessa forma, aparentemente, a solução quanto à possibilidade ou não da judicialização das políticas públicas não se encontra, de forma integral, em nenhuma das duas correntes (procedimentalista e substancialista) vistas nos itens anteriores.

156 HOLMES, Stephen, SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York:

W.W. Northon Company, 1999, p. 14.

157 HOLMES, Stephen, SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York:

W.W. Northon Company, 1999, p. 15.

158 HOLMES, Stephen, SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York:

W.W. Northon Company, 1999, p. 19.

159 HOLMES, Stephen, SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York:

W.W. Northon Company, 1999, p. 30.

Há muito os argumentos do eixo procedimentalista, refratário do ativismo judicial, foram superados pela própria Justiça.

Por outro lado, o eixo substancialista avançou até onde não podia chegar e nem, competentemente, gerenciar.

Mas, então, o que fazer? Como resolver tão problemático imbróglio?

Cabe aos estudiosos do direito colher o que há de melhor em ambas as vertentes e tentar compatibilizá-las numa teoria que permita ao Poder Judiciário ter acesso à discussão sobre a ineficiência da Administração Pública na prestação das políticas públicas tendentes à consecução dos direitos fundamentais previstos na Constituição, bem como aproximar-se dos Poderes Executivo e Legislativo para, conhecendo as suas virtudes e dificuldades, possibilitar o alcance de padrões (satisfatórios) mínimos de qualidade – tudo isso em conjunto com a sociedade. Essa busca tem originado a assunção de novos institutos – os quais devem mutatis mutandi se adequar, na medida do possível, no nosso ordenamento jurídico.