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Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) na formação do Enfermeiro

CAPITULO II – Desenvolvimento

2.3. Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) na formação do Enfermeiro

Para melhor compreendermos o contexto de criação e implantação das Diretrizes Curriculares, alguns marcos da formação do enfermeiro no Brasil foram assinalados. A formação profissional é determinada histórica, política e economicamente, e não somente pela evolução do conhecimento. A história das profissões, inclusive a da Enfermagem, demonstra que existem fatores determinantes de sua configuração e estruturação, dentre eles as políticas públicas, as quais seguem uma série de diretrizes e planos de governo (CARVALHO, 2011).

O ensino da Enfermagem tem sido marcado, ao longo dos anos, pela constante implantação de mudanças curriculares nos cursos de graduação e por discussões de propostas pedagógicas, influenciado pela evolução do contexto histórico-social brasileiro. Por sua vez, o perfil dos enfermeiros e, por conseguinte, sua identidade, sofreu significativas mudanças em decorrência dessas transformações no quadro político- econômico-social da educação e da saúde no Brasil e no mundo (SILVEIRA e PAIVA, 2011).

A partir da década de 1980, cabe destacar, que o Brasil passava pelo processo de Redemocratização, com grandes acontecimentos neste período, destacando a Constituição em 1988 e a VIII Conferência Nacional de Saúde. Foi fundamental a participação da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) na questão de reestruturação do curso de Enfermagem, através dos Seminários Nacionais e Regionais realizados sobre o “Perfil e Competência de Enfermeiros”, sobre a “Proposta de Currículos Mínimos de Enfermagem” e sobre o “Ensino Superior de Enfermagem”, que culminou em um projeto educacional para a Enfermagem brasileira, através do Parecer nº 314/94 e pela Portaria nº 1721/94, de 15 de dezembro de 1994, do Ministério da Educação. Assim, a ABEn criou os Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem (SENADEns), no mesmo ano da regulamentação do novo currículo mínimo em 1994 (FERNANDES, 2012).

Nessa perspectiva, ficou estabelecido mediante a Portaria do Ministério da Educação (MEC) n.º 1.721/1994 de 16 de dezembro de 1994 (BRASIL, 1994), que o novo currículo mínimo de Enfermagem deveria contemplar a formação de um profissional que desenvolvesse seu processo de trabalho dentro de uma conjuntura do contexto de saúde do país, respondendo às necessidades de saúde da população, devendo a prática profissional estar voltada também para atenção primária, com a abordagem de problemas individuais e coletivos, associando o método clínico e o epidemiológico, incluindo atividades educativas na prática, além das terapêuticas administrativas (SANTOS et al., 2000).

Nesse sentido a ABEn, em conjunto com outros órgãos competentes no âmbito da Enfermagem, desenvolveram vários estudos com intuito de definir os parâmetros e diretrizes básicas para orientar a formação do profissional enfermeiro (SOUZA, 2014).

Na verdade, já em 1991, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) apresentara a proposta de currículo mínimo para a formação do enfermeiro, com duração mínima de 3.000 horas (Parecer n.º 163/1972), redirecionamento dos conteúdos, mudança do nome do curso de Enfermagem e Obstetrícia para Enfermagem. Enfocava a formação do enfermeiro em quatro áreas: assistência, gerência, ensino e pesquisa (SILVEIRA e PAIVA, 2011).

A partir de 1995, começa uma intensa discussão sobre ensino superior e tal reformulação originou as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação com o advento da Segunda LDB 9394/96, que explicita a educação brasileira sendo dividida em dois níveis: a educação básica e o ensino superior. À vista disso, constituiu-se fato de grande relevância para o desenvolvimento da Enfermagem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que introduziu inovações e mudanças na educação nacional, prevendo a reestruturação dos cursos de graduação, com a extinção dos currículos mínimos e a adoção de diretrizes curriculares específicas para cada curso (Diário Oficial da União, 1996).

Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a Lei nº 9.394 e ocorreram mudanças na educação nacional com as Diretrizes Curriculares para cada curso de graduação (BRASIL, 1996) de forma que Becerril e Gómez (2012, p. 75) relatam que no capítulo IV, do 43º até o 54º artigo, na referida Lei, são determinadas “as finalidades, abrangências dos cursos e duração, programas, prerrogativas, funcionamento, características, atribuições, competências e determinação do número de dias letivos”.

Entre muitas prerrogativas, configurou-se importante inovação do ensino orientada pela LDB a substituição do currículo mínimo pelas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs sob o Parecer do CNE - CES n° 776 de 31 de dezembro de 1997 (BRASIL, 1999) para organização dos cursos de graduação da área de saúde. Essas se tornaram peças fundamentais para a articulação da qualidade da formação com os princípios do SUS e com atual concepção de saúde a partir da construção de projetos políticos de cursos mais criativos, inovadores, flexíveis.

Na Enfermagem, a matriz contendo os elementos constitutivos das diretrizes curriculares, em consonância com a proposta que historicamente vinha sendo construída

pelos Enfermeiros desde a década de 80, foi defendida pela audiência pública, na sede do Conselho Nacional de Educação (CNE), por instituições e entidades da área, sendo aprovada em 2001. (XAVIER; FERNANDES; CERIBELLI, 2002 apud SOUZA, 2014).

Em sete de novembro de 2001, foram criadas as Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem (Resolução CNE/CES, nº 3). O artigo 3º refere que a formação do enfermeiro pauta-se em um perfil generalista, ético, crítico, reflexivo e humanístico. O artigo 4º especifica que o enfermeiro necessita possuir habilidades, como: atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento, além de educação permanente (BRASIL, 2001).

Produto de uma construção social, coletiva e histórica, essas diretrizes para orientação dos cursos de graduação, trazem no seu conteúdo, os posicionamentos da Enfermagem brasileira, propondo um perfil profissional coerente com a realidade de saúde, e a articulação dos projetos políticos, da organização curricular e das práticas de ensino com os conceitos, as diretrizes e os objetivos do SUS.

Nesse cenário, as instituições formadoras têm em mãos o desafio de uma construção processual e coletiva de propostas envolvendo a transformação da formação de Enfermeiros, mobilizando e estruturando o ensino de forma a adequá-lo às prerrogativas da Lei de Diretrizes e Bases n° 9.394/1996, ao modelo assistencial, às necessidades sociais e ao mercado de trabalho em saúde, uma vez que a estrutura universitária e o ensino da área da saúde sempre estiveram atrelados a uma vertente conservadora, arcaica e tradicional, o que não se apresenta de modo diferente nas práticas de saúde (SOUZA, 2014).

Nesse contexto, as instituições de ensino se viram pressionadas a ampliarem locais de ensino, substituir modelos pedagógicos, assegurar propostas que priorizem o SUS em desenvolvimento no país, preparar e qualificar profissionais para atuar na promoção da saúde e na prevenção de doenças, estimular o compromisso com a implementação de políticas e programas do governo (AGUIAR, 2013).

Entretanto, a implantação dessas diretrizes curriculares nos cursos de formação acadêmica vem se configurando como grande e recente desafio imposto à construção de projetos político pedagógicos mais criativos, inovadores e flexíveis, com capacidade de mobilizar e estruturar o ensino, de forma a adequá-lo às prerrogativas da LDB, ao modelo assistencial, às necessidades sociais e ao mercado de trabalho em saúde. Desse modo, pode-se convir que a formação do Enfermeiro vem sofrendo diversas modificações ao longo dos anos, articulando a construção de estratégias pedagogias, a produção e a

disseminação do conhecimento com a nova realidade sócio sanitária do país (SOUZA, 2014).

A implantação das DCNs como estratégias para mudanças na graduação visa formar profissionais voltados para as necessidades de saúde da população e de fortalecimento do SUS. Esse tem sido um dos itens propostos para interlocução do Ministério da Saúde com o Ministério da Educação, referendo no relatório do “Seminário sobre Incentivos as mudanças na graduação das carreiras de saúde”, realizado em maio de 2003, que a Enfermagem e a sociedade organizada devem apoiar e defender (BRASIL, 2003).

Destarte, Niemeyer, Silva e Kruse (2010) apontam o quanto o currículo é lugar, espaço e território de relações de poder, e o quanto as Diretrizes Curriculares, como um dos possíveis modos de govermentalização de um Estado neoliberal e artefato de subjetivação dos corpos, está comprometida com a produção de representações e identidades culturais e profissionais, prescrevendo os conhecimentos considerados importantes para que se molde um profissional tido como “ideal”. No texto das DCN as repetições de expressões como responsabilidade, capacidade, competências, habilidades, liderança, empreendedorismo, gerenciamento, desenvolvimento, entre outras tantas, remetem ao sentido do sujeito “empresário de si”, buscando formar o Homo economicus.

Carvalho (2011) encontrou em suas pesquisas fragmentos desse “novo enfermeiro” proposto pelas DCN, um perfil profissional idealizado para produzir e reproduzir os referenciais do “aprender a ser”, “aprender a aprender”, “aprender a fazer” e “aprender a conhecer”, em paralelo com o relatado por Niemeyer, Silva e Kruse (2010). Assim, o currículo pode ser pensando como um dos dispositivos pedagógicos que interpela o corpo das futuras enfermeiras (en) formando-as e governando-as de acordo com as lógicas do mercado, fabricando e adestrando seus corpos. Dessa maneira, apesar da aparente (in) visibilidade dos corpos constituídos no / pelo currículo, acredita-se que o corpo da Enfermagem vai sendo investido e moldado nas Escolas de Enfermagem, as quais funcionam como maquinarias colocadas em operação a fim de produzir a enfermeira. Não se pode ignorar a mão dupla do processo de formação e a percepção do aluno a respeito dessas implicações, mas é possível salientar os conflitos gerados durante a construção da identidade profissional do enfermeiro, representando ao mesmo tempo produto e processo, sujeito e assujeitado (CARVALHO, 2011).

As diretrizes curriculares para o curso de Enfermagem têm adotado perspectivas mais humanistas. É esperado que a instituição universitária, comprometida com o destino dos homens, associe o máximo de qualificação com o máximo de compromisso social,

com vista a superar a fragmentação do conhecimento até hoje presente. O perfil do formando egresso, descrito nas diretrizes curriculares é de um profissional com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e intelectual, pautado nos princípios éticos. Deve ser capaz de reconhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação e ser capaz de identificar as dimensões biopsicossociais dos seus determinantes. Estar capacitado para atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (SILVEIRA e PAIVA, 2011).

Freire (2016, p. 12) ao abordar o sentido emancipatório da educação utiliza a pedagogia problematizadora, em contraposição ao que ele denomina de “pedagogia bancária”. Enfatiza o papel de relações mais dialógicas no processo de ensino- aprendizagem e considera que a educação pode ser vista como uma forma de intervenção no mundo, podendo determinar mudanças radicais na sociedade.

As críticas devem transcender o espaço acadêmico e atingir os demais espaços de produção social da saúde nas discussões acerca das implicações de tal modelo na formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Enfermagem foram instituídas pelo Ministério da Educação e estabelecem mudanças paradigmáticas na formação em saúde, a partir de competências e habilidades gerais a todos os profissionais de saúde e 33 habilidades específicas para o enfermeiro, tendo como parâmetro atender as necessidades sociais da saúde e assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento sendo a formação voltada para o Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2001).

Finalmente, correlacionando com as diretrizes, Carvalho (2011) afirma que a questão da identidade profissional tem se demonstrado com (des) continuidades e transcendências que constituem a Enfermagem como prática atemporal, com representações distintas sobre seu passado e expectativas imprecisas para o futuro. Destaca-se a permanente busca de adequação às demandas político-governamentais por parte das instituições de ensino e, paralelamente, os movimentos de resistências dos profissionais e a busca constante de definição da identidade do enfermeiro.

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