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PARTE II REDIMENSIONANDO O PROBLEMA DO ATRASO DO PAÍS: EDUCAÇÃO, SAÚDE E DESENVOLVIMENTO

EUGENIA E HIGIENE COMO PRÁTICAS DE MEDICALIZAÇÃO SOCIEDADE

2 DISCIPLINAS ESCOLARES E SABER EUGÊNICO

No Ensino Normal de Minas Gerais, o conteúdo escolar sobre eugenia fazia parte do corpus de conhecimento da disciplina Biologia Educacional e da disciplina Higiene e Puericultura. De modo geral, na educação, a eugenia esteve associada a disciplinas como a Higiene, o Sanitarismo, a Biologia, a Psicologia e a Educação Física, como conteúdo científico a ser ensinado ou por meio da incorporação de preceitos eugênicos às concepções e procedimentos pedagógicos. Podemos considerar então, que há dois modos de manifestação do discurso eugênico na educação, quais sejam: a eugenia incluída na educação como um conteúdo disciplinar a ser estudado; e, como prática em diversas disciplinas e setores pedagógicos que incluíram em seus procedimentos preceitos da eugenia, como por exemplo, na homogeneização de classes escolares e na aplicação de testes mentais pela Psicologia Educacional, no robustecimento e embelezamento da raça pela Educação Física. Poderíamos citar ainda princípios eugênicos aplicados à criminologia, à antropometria na educação, assim como nas aplicações da biotipologia etc.

Apesar de todas essas relações, nunca houve uma disciplina intitulada Eugenia, mesmo entre as décadas de 20 e 30, do século XX, período auge do movimento eugenista brasileiro. Embora fosse considerada uma ciência por muitos intelectuais e pelos homens de ciência, a Eugenia nunca se configurou como disciplina nos currículos escolares, mesmo tendo em vista a grande influência que exerceu em áreas diversas do conhecimento como a Medicina, o Direito, a Educação etc. Mas por que a Eugenia não se tornou uma disciplina escolar?

Para encontrarmos uma resposta a esta pergunta, é preciso compreender o processo de escolarização e disciplinarização dos saberes. O processo de construção de determinado saber como disciplina escolar, e sua assimilação como elemento de composição do corpus de determinada disciplina são produções históricas, relacionadas aos conflitos, aos usos e às transformações vividos por determinada sociedade. A conotação negativa tanto nacional, quanto mundial da ciência Eugenia, em decorrência de sua associação com o Nazismo, foi provavelmente um fator determinante para sua não constituição como disciplina. Por outro lado, há que se considerar o aspecto múltiplo de formação da Eugenia como ciência, assim como sua vinculação aos campos da Saúde/Medicina e da hereditariedade/genética, o que possibilitou sua manifestação por intermédio dessas ciências.

Assim sendo, outra forma de se abordar a questão é indagar sobre sua permanência no Ensino Normal, mesmo após 1945, quando os aspectos eugenistas das

experiências aterradoras da II Guerra estavam na ordem do dia. Vale, portanto, dimensionar essa presença e analisar suas implicações. Por que então, justamente nesse período, a eugenia foi mantida ou inserida como conteúdo a ser ensinado? Quais foram os modos de apresentação desse saber na disciplina Biologia Educacional, e na cadeira Higiene, Puericultura e Educação Sanitária? Quais as finalidades dessas disciplinas e da inserção da eugenia como elemento que contribuiria para o alcance dessas finalidades?

A presença de uma disciplina no currículo, assim como a seleção e a organização interna de seus conteúdos e procedimentos, não deve ser entendida como algo natural. Questionar acerca da inserção, mudança de conteúdos e procedimentos que compõem determinada disciplina curricular poderá ajudar a compreender a dinâmica da percepção publica da ciência. Tal movimento possibilita também compreender que não há uma naturalidade de pertencimento de saberes a determinadas disciplinas, nem da composição curricular, mas que as disciplinas e os currículos são construídos, inventados pelos sujeitos históricos.

Essas questões vêm sendo discutidas no campo da história das disciplinas escolares e da história do currículo, nas quais diversos estudiosos procuraram analisar a situação da escola e a atuação dos seus agentes65. Como observa Bittencourt (2003), a escola passou a ser, para os historiadores da educação, o ponto inicial e de referência constante. Nessa perspectiva de pesquisa, a história da educação ultrapassava o entendimento da educação com base nas grandes narrativas socioeconômicas, na história das idéias pedagógicas, ultrapassando também, o entendimento categórico de que o Estado seria o principal agente, ou mesmo, o único responsável pelas transformações educacionais.

Ocupando-se de novos problemas e com um novo olhar sobre a escola, os estudiosos da História da Educação, aproximaram-se de diversos outros campos do conhecimento, o que lhes propiciou novos referenciais teóricos para compreensão do universo escolar. Frente a esses novos desafios, passaram a operar em seus trabalhos com novas categorias de análise, que melhor auxiliassem na compreensão do universo escolar e das especificidades das práticas escolares, como por exemplo: cultura escolar, forma escolar, tática e estratégia, apropriação, representação etc.

Entendemos que um ponto fundamental dessa nova perspectiva a ser incorporada refere-se ao modo de compreensão do discurso escolar como um artefato histórico

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Cf. BITTENCOURT, 1999, 2003; FARIA FILHO et al., 2004; SOUZA, 2000; SOUZA JÚNIOR; GALVÃO, 2005; WARDE; CARVALHO, 2000.

(HAMILTON, 1992). No entanto, tal caráter nem sempre é evidente, o que provoca uma percepção dos processos e da produção escolar despregados de uma perspectiva social, histórica e cultural. Não é raro vermos estruturas, organizações curriculares e conteúdos disciplinares, muitas vezes, serem concebidos por professores, agentes do ensino, alunos e pais, como uma tradição que, compreendida como dogma, não é questionada.

Desse modo, como não há nenhum questionamento histórico e social acerca da sua gênese e evolução, configura-se uma aparente naturalidade que legitima a presença de disciplinas no currículo, a organização interna dos seus conteúdos, enfim, diversos processos educacionais. Nesse sentido, afirma Chervel (1990, p. 191):

Enquanto as finalidades se impõem, a fortiori desde séculos, é através de uma tradição pedagógica e didática complexa, na verdade sofisticada, minuciosa, que elas chegam aos docentes. E não é raro ver a massa de práticas pedagógicas acumuladas ocultar, para numerosos professores, alguns dos objetivos últimos que eles perseguem. Agora é uma máquina que gira totalmente sozinha, bem ajustada e bem adaptada a seus fins.

Para proceder a uma desnaturalização da tradição dos processos educacionais, é preciso voltar nossa atenção para a própria escola, para os sujeitos, os tempos e os lugares. Sob uma perspectiva histórica, significa dar visibilidades às práticas cotidianas da escola, ao interrogar seus agentes, seu espaço e tempo, seus instrumentos, seus saberes, enfim, seu funcionamento interno e seu modo de relacionamento com outras instâncias da sociedade. Nessa linha de pesquisa da História da Educação, as disciplinas tornaram-se objeto importante de investigação, com o intuito de se compreender as práticas escolares; com o objetivo também de se compreender ou se justificar o papel e o significado que cada uma delas exerceu na definição dos currículos (BITTENCOURT, 1999).

As reflexões desse campo teórico de análise são fundamentais à presente pesquisa, uma vez que visamos compreender um determinado saber, a Eugenia, como elemento constitutivo do corpus teórico de disciplinas escolares do curso de formação de professores. Dentre as reflexões produzidas nesse campo da história das disciplinas, nos detivemos sobre algumas questões, que consideramos essenciais para nossa investigação: a compreensão da polissemia do conceito disciplina escolar e seu uso como categoria histórica, suas implicações nas relações que se estabeleceram entre as diversas instâncias escolares, sociais e acadêmicas, das quais se depreende o processo de construção do saber escolar; a compreensão das disciplinas como integrantes de currículos, mas com suas especificidades e trajetórias próprias; as relações históricas que vinculam o conteúdo disciplinar aos conhecimentos e

experiências extra-escolares; por fim, a compreensão do currículo como uma construção social, histórica e cultural.

A primeira questão que se apresenta, diz respeito ao entendimento do significado de disciplina escolar. O termo disciplina e a expressão disciplina escolar, em seu uso no campo educacional, não designavam, ou não tinham o sentido de conteúdos de ensino, até o fim do século XIX (CHERVEL, 1990). Segundo Chervel (1990), os únicos sentidos dados a esses termos eram de repressão, ordem e vigilância, nos mesmos termos explicitados por Michel Foucault (1987), em seu livro Vigiar e Punir. Tais sentidos estavam relacionados à vigilância dos estabelecimentos, repressão das condutas e a um tipo de educação que contribuiria para o alcance da boa ordem.

Outra acepção do termo disciplina, comum na segunda metade do século XIX, era de ginástica intelectual fazendo par com o verbo disciplinar (CHERVEL, 1990). Nos primeiros anos do século XX, não apenas as línguas antigas, mas as disciplinas científicas também passaram a ser reconhecidas com este fim. Então, de um sentido originalmente genérico, afirma esse autor, o termo disciplina passou a designar uma determinada matéria de ensino que era capaz de promover uma ginástica intelectual66.

Conforme alerta Bittencourt (2003), a utilização do termo disciplina escolar coloca diversos problemas. Apesar de o termo aparecer em alguns autores como sinônimos, para muitos, há divergências conceituais que refletem, muitas vezes, a concepção que se tem do ensino e da Pedagogia em geral. Pode-se, por exemplo, compreender a disciplina escolar como transposição didática (CHEVALLART, 1998), ou como um produto próprio e originário da escola (CHERVEL, 1990), ou ainda, como modalidade de expressão das práticas científicas em diversos outros idiomas, sendo a disciplina escolar uma dessas modalidades (BELHOSTE, 1995).

As reflexões de André Chervel (1990), bastante difundidas na história da educação, apontaram uma questão crucial a ser considerada em toda pesquisa, que toma os saberes escolares como objeto de investigação, qual seja: o questionamento sobre a natureza

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Com base nessa concepção de disciplina, Chervel (1990) afirma que a escolaridade das crianças e dos adolescentes foi totalmente baseada em procedimentos tipicamente disciplinares. Nesse sentido, a organização interna da disciplina é colocada em relação ao seu potencial de promover um processo de disciplinarização. Chervel (1990) usa os termos disciplina escolar ou matéria escolar para se referir aos níveis básicos de escolarização, enquanto disciplina acadêmica é usada para denominar os ensinos de nível superior. Para Forquin (1992), apesar dos dois termos serem usados indiferentemente freqüentemente apresentam uma nuance de sentido, que confere ao termo matéria uma conotação mais neutra, popular, primária e escolar, enquanto o termo disciplina seria mais indicado para os níveis superiores, apresentando sempre o sentido de exercício do intelecto e formação do espírito. Tal noção exige que a ela se vincule processos de hierarquização e estratificação (FORQUIN, 1992).

do saber escolar. No entendimento de Chervel (1990), os saberes escolares não são um simples desdobramento da ciência referencial; os saberes escolares não são uma transposição, da forma mais adequada possível, da ciência produzida em instituições de pesquisa. Diferentemente da concepção de disciplina escolar como vulgarização científica, ela é considerada como um saber próprio da cultura escolar.

Tal perspectiva rompe com a concepção da escola como sendo apenas uma transmissora de saberes formulados fora dela – concepção esta associada à visão de que a escola seria passiva na produção dos saberes. A partir desses argumentos, Chervel (1990) aponta para a dimensão criativa do sistema escolar, que desempenha um duplo papel na sociedade, que seria tanto de formação dos indivíduos, quanto de formação de uma cultura escolar que penetra, modifica e molda a sociedade global. Ressalte-se nessa concepção uma autonomia do campo escolar na produção das disciplinas escolares. Diante dessa compreensão, o autor propõe que o pesquisador reinterprete a história dos saberes escolares com base na problemática que envolve a gênese, os objetivos e o seu funcionamento.

Para Chervel (1990, p. 184), com base nessa problematização, o pesquisador

estará procurando “[…] na própria escola, o princípio de uma investigação e de uma descrição histórica específica” e não a partir de categorias que lhes são exteriores. Ao aceder à gênese,

aos objetivos e ao funcionamento das disciplinas de ensino, o pesquisador estará partindo da escola, ação metodológica que o leva a questionar uma série de pontos fundamentais, como: o modo de ação inicial da escola para produção de determinado saber; suas finalidades, ou seja, para que eles servem, por que a escola inseriu determinado conteúdo e não outro? Quais expectativas eles atendem? Quais métodos, tendo em vista suas finalidades escolares e não as finalidades da ciência de referência, ou do saber de referência? Qual sua eficácia real e concreta, quer dizer, os resultados de seu ensino?

Com essa análise dos saberes escolares, Chervel (1990) contrapõe-se à noção de transposição didática para o estudo das disciplinas escolares, introduzida por Michel Verret, em 1975 e retomada por Yves Chevallard, em 198567. Situado no campo da didática do ensino da Matemática, Chevallard (1991) dedicou-se à formulação de ferramentas teóricas e metodológicas que explicassem o processo didático desse ensino. A característica essencial de sua teoria é o processo de transposição didática, a partir do qual se processaria a transformação do saber científico (que ele denomina saber sábio), para o saber escolar (que ele denomina saber ensinado).

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A partir de uma abordagem epistemológica dos saberes, Chevallard (1991) compreende que há diferentes esferas por onde passa o saber: a esfera do sistema de ensino, que seria o sistema escolar propriamente dito; a esfera do saber de referência, local onde os saberes seriam produzidos; e, a noosfera, local onde se pensa os saberes de ensino, ou seja, onde operam os técnicos de ensino, inspetores, autores de manuais didáticos, políticos, famílias. Nesse modelo da transposição didática, o saber ensinado deveria sempre ser compatível com o saber científico ou saber sábio, pois este se altera no tempo, se afastando da esfera de produção do saber sábio e se aproximando do saber banalizado. A noosfera faria a mediação entre o saber sábio e o saber ensinado, evitando a descompatibilização, selecionando e realizando o trabalho de transposição propriamente dito com adaptação dos conteúdos. Com base nesse mecanismo, o conhecimento produzido nos círculos científicos, ou em outros campos, passaria por uma série de etapas (denominadas: descontemporalização, naturalização, descontextualização, despersonalização), para se transformar em saber ensinável (CHEVALLARD, 1991).

Bittencourt (2003) mostrou que o grande impacto e aceitação da teoria da transposição didática deveram-se ao fato de colocar a didática em um campo fundamentado cientificamente, e também pela crença de que os conteúdos de ensino originaram-se na ciência, o que aumentaria a legitimidade das disciplinas escolares.

Para Chervel (1990), a necessidade de construção de mecanismos e meios que adaptem o saber para a escola, caracterizado pela imposição e pela exterioridade à cultura escolar, transforma as disciplinas simplesmente em metodologias, conjunto de saberes e técnicas. Nesse modelo, não há espaço para o desenvolvimento autônomo do saber escolar, o que acarreta a configuração das disciplinas como disciplinas-vulgarização e da pedagogia como pedagogia-lubrificante. Contrapondo-se a essa concepção, o autor ressalta a originalidade e a autonomia da criação das disciplinas escolares pela cultura escolar. É neste sentido que esse historiador afirma que para se entender o saber escolar, deve-se partir da escola e não de categorias que lhe são exteriores, como proposto pela teoria da transposição didática.

Sem sombra de dúvida, afirma o historiador da ciência Bruno Belhoste (2005), o alargamento do termo disciplina escolar, feito por Chervel (1990), demonstra que, no processo educativo de aculturação, a escola não age de modo intermediário. Nessa concepção de Chervel (1990), a noção de cultura escolar aparece atrelada à história das disciplinas escolares e conduz a uma ampliação da definição que habitualmente se tem de disciplina escolar. Ao contrário do que se estima comumente, esta noção não se reduz a uma matéria de

ensino, cujo conteúdo é simplesmente determinado pelos programas, manuais e pela tradição,

mas “constitui antes um sistema complexo de conhecimentos e de práticas, integrando o

conjunto de conhecimentos didáticos interessados, tal a atividade magistral, os exercícios escolares e a avaliação dos alunos.” (BELHOSTE, 2005, p. 215). Certamente também, para apreender a lógica de evolução de determinada disciplina, o historiador deve levar em conta todos esses elementos que constróem a disciplina escolar, ou melhor, que fazem dela uma verdadeira construção social. Isto exige que se considere, na análise, os papéis dos professores, pedagogos, alunos, suas famílias, os responsáveis pelo ensino.

Segundo Belhoste (2005), a história das disciplinas se mostra co-extensiva à história do ensino, o que a aproximou da história do currículo desenvolvida paralelamente a essa, pela Sociologia da Educação britânica, pois ambas buscaram mostrar a complexidade da dinâmica do ensino. Longe de ser um saber exterior à cultura escolar, a disciplina escolar é um produto da atividade didática própria e, em certa medida, um produto da cultura escolar (BELHOSTE, 2005). Portanto, as críticas dirigidas à teoria da transposição didática, baseiam-se na concepção a-histórica do conhecimento escolar, na suposta passividade do sistema escolar e na dogmatização do conhecimento científico, concebido como o único discurso legitimador dos saberes na sociedade. Essa lógica de pensamento provocou uma verdadeira inversão em relação à visão tradicional, que compreendia os saberes escolares como subprodutos, que à escola caberia trabalhar, vulgarizar e simplificar.

Não desconsiderando a contribuição dessa corrente de pensamento para a libertação progressiva da noção cultura escolar, principalmente a contribuição de Chervel (1990) para sua elaboração conceitual, para o historiador Bruno Belhoste (2005), esta inversão apresenta um risco do qual não escaparam aqueles que se interessaram pela história das disciplinas escolares. Assim afirma a oposição sistemática realizada pelos historiadores das disciplinas entre saberes escolares e saberes científicos produzidos em outras instâncias, o que pode conduzir a uma compreensão do âmbito escolar como totalmente fechado e autônomo, eliminando a consideração das relações de influência e de trocas que se estabelecem com outros campos do saber. Ao contrário, esse historiador chama a atenção para a consideração acerca da circulação intensa entre os diferentes âmbitos de produção intelectual, da qual a escola participa. Mesmo sendo a escola um local específico de produção de saberes, os conhecimentos elaborados na instituição escolar não teriam razão para escaparem a este movimento global.

Entendemos que essa crítica que Belhoste (1995) faz é fundamental para uma análise histórica, ou seja, para uma fundamentação teórico-metodológica, que possibilite ao

pesquisador se interrogar se o saber que está analisando deve ser compreendido a partir do modelo disciplinar, tal qual usado por Chervel (1990), partindo do pressuposto da autonomia, sempre, do saber escolar diante das ciências de referência68. A partir do modelo disciplinar, pressupõe-se a existência de uma natureza que caracteriza a disciplina escolar, constituída por uma organização, uma economia interna e uma eficácia, que dependem apenas da sua própria história, ou seja, sua construção não deve nada a nenhum tipo de organização, eficácia e economia exteriores à escola. Desse modo, Belhoste (1995, 2005) afirma que à noção disciplina escolar também se associou o entendimento de certo domínio de conhecimento, próprios do ensino, diferentes por natureza dos saberes de referência.

Baseada nessa concepção, desenvolveu-se também a teoria da transposição didática, que para Belhoste (1995, p. 4-5, tradução nossa)69 “[…] descontextualiza

radicalmente “a situação didática” reduzindo o mundo externo (fora da escola) à referências,

que retorna para assim dizer pô-lo entre parênteses. O modelo construído é um modelo

fechado.”. Ao contrário disso, esse autor defende que o historiador deva se esforçar para

elaborar modelos abertos, que considerem a extensão, a diversidade e a temporalidade própria do mundo social. A teoria da transposição didática nada mais diz, afirma Belhoste (1995), que os conhecimentos de referência e os conhecimentos de ensino são distintos fundamentalmente, e que, para os didáticos, o trabalho de transposição é um trabalho de recriação do saber.

No entanto, um outro entendimento de compreensão da ciência e das práticas científicas redireciona o nosso olhar para os saberes escolares. Levando isso em conta, pensamos que vale a pena, nesse trabalho, situar, mesmo que em linhas gerais, os novos elementos que possibilitaram uma redefinição das práticas científicas, evidenciadas pelo historiador da ciência Dominique Pestre (1996), no texto Por uma nova história social e cultural das ciências: novas definições, novos objetos, novas abordagens.

Segundo Pestre (1996), guardadas suas devidas proporções, a história da ciência viveu, a partir da década de 70, do século XX, um movimento análogo ao vivido pela história geral, na década de 30, do século XX, que ficou conhecido como Nova História da Ciência.

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Com respeito à teoria dos saberes escolares, Belhoste (1995) argumenta que a noção ideal-típica de disciplinas

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