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PARTE II REDIMENSIONANDO O PROBLEMA DO ATRASO DO PAÍS: EDUCAÇÃO, SAÚDE E DESENVOLVIMENTO

EUGENIA E HIGIENE COMO PRÁTICAS DE MEDICALIZAÇÃO SOCIEDADE

1 AS ORIGENS DO EUGENISMO MODERNO

1.1 Rumo ao Brasil e a raça como questão primordial

A eugenia brasileira não foi um pálido reflexo das teorias que se desenvolveram na Europa, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo (STEPAN, 2005). Isto porque o eugenismo brasileiro foi um movimento extremamente complexo e paradoxal que, mesmo recebendo influências de movimentos exteriores, se desenvolveu a partir de suas próprias razões, motivações e estratégias, fortemente vinculadas às questões sociais, raciais, políticas e científicas vividas no país. Certamente recebeu influência dos movimentos eugenistas e da

ciência (evolucionismo, lamarckismo, mendelismo, racismo) que se desenvolviam em outros países, principalmente na França. Sobretudo, desde o final do século XIX, inquietavam os brasileiros as opiniões racistas sobre a composição do povo brasileiro vindas da Europa e dos

Estados Unidos. “Os intelectuais tinham de confrontar o fato de que, texto após texto europeu,

o Brasil era considerado exemplo privilegiado da “degeneração” que ocorria em uma nação tropical, racialmente mista.” (STEPAN, 2005, p. 53).

Imputava-se principalmente ao negro e à mistura de raças entre brancos, negros e índios o fato de o Brasil não ter atingido um alto patamar de civilização e ser incapaz de desenvolver-se. Como o país possuía uma população mestiça e de indivíduos negros e indígenas, fora entendida como uma população constituída de fracos e de incapazes. Preponderava uma visão negativa da miscigenação construída sob a influência de teorias evolucionistas e racistas que glorificavam o tipo branco anglo-saxão ou o mito ariano, ou seja, partia-se da premissa da superioridade da raça branca e da inferioridade das outras raças. Por esse motivo seria preciso construir uma nação de homens brancos e diminuir a população não branca do país.

Com vistas a superar o negativismo da miscigenação, os brasileiros criaram a teoria do branqueamento, que imprimiu à miscigenação um caráter positivo e um fator de redenção racial.

O “caucásico” era considerado o pináculo natural e inevitável da pirâmide social. O europeu branco representava a “imagem normativa somática” ideal – a frase cunhada por H. Hoetink para designar os característicos físicos mais estimados socialmente. Os brasileiros em geral tinham o mais branco por melhor, o que levava naturalmente a um ideal de “branqueamento”, que teve expressão tanto nos escritos elitistas quanto no folclore popular (SKIDMORE, 1989, p. 60).

No final do século XIX, a formação de um tipo nacional, o branqueamento da população, a miscigenação, a política imigratória, o selvagem versus o civilizado, o medo da presença do negro livre22 na sociedade, eram partes que compunham um mesmo discurso relacionado à civilidade, ao progresso e à construção do Brasil como nação. Esta tese do branqueamento está fortemente relacionada com o processo de imigração, em que a mão de obra negra é substituída pela do imigrante europeu, que ocorre em decorrência da abolição da escravatura. Essa substituição do negro pelo imigrante era justificada pelo discurso que se

22 Segundo AZEVEDO (1987, p. 33), desde inícios do século XIX até meados dos 1880, este tema, o do ‘negro livre’, já ocupava lugar privilegiado em livros publicados no período que buscavam, seja em forma de projetos ou de sugestões, tratar do fim da escravidão, do futuro do país frente ao trabalho livre e da regularização das relações entre brancos e negros, proprietários e não proprietários.

construiu sobre a suposta apatia dos negros para o trabalho livre (AZEVEDO, 1987). Além da apatia, justificou-se também essa substituição com a argumentação de que eles sempre trabalharam sob coação, portanto não seriam páreo para o imigrante europeu, já acostumado ao trabalho disciplinado e racionalizado. Assim, eram considerados mais responsáveis, auto- disciplinados e mais capazes de adequação aos novos desafios impostos pela industrialização, colonização e produção agrícola.

Esta marginalização do negro, afirma Azevedo (1987), foi entendida pela historiografia da transição23 como uma questão inevitável, relacionada à própria herança da escravidão que ele carregava e não em termos raciais. Segundo essa autora, a argumentação a este favor é sustentada pela crença de que os negros estariam acostumados com um sistema escravista, pré-capitalista, que não exigia o trabalho de homens muito racionais, ao contrário dos novos padrões contratuais, esquemas racionalizadores e modernizantes da produção agrícola e industrial que se impunham em decorrência do progresso capitalista24.

A discussão em torno desta questão da irracionalidade versus racionalidade de dois sistemas – pré-capitalista e capitalista – é de suma importância, porque se a aceitarmos assim como tem sido tradicionalmente colocada, justificamos a política de imigração européia, sem quaisquer questionamentos a respeito de uma possível mentalidade racista e segregacionista a norteá-la (AZEVEDO, 1987, p. 26).

Isto porque, além da construção de um discurso que exaltava o imigrante como capaz, responsável, ordeiro, disciplinado, civilizado25 e acostumado à racionalização do trabalho, esse imigrante deveria ser branco, normal, saudável, para que se conseguisse uma purificação do povo brasileiro e a construção de uma identidade nacional forjada pelo branqueamento26.

A imigração de trabalhadores brancos, embora colocasse outras questões, parece ter sido, em suma, não apenas uma solução para o problema da escassez de mão de obra que o final do tráfico teria ocasionado, mas também uma oportuna possibilidade de reverter as previsões alarmistas de um futuro “Brasil negro”, feitas por alguns observadores nacionais e visitantes estrangeiros nos meados do século passado (CORRÊA, 2001, p. 51).

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Azevedo (1987) cita Florestan Fernandes, Henrique Cardoso, Octavio Ianni e Celso Furtado. 24

Para uma análise do negro como sujeito de sua própria história, Cf. Azevedo (1987). 25

Principalmente o europeu, Cf. Seyferth (2006). 26

Segundo Seyferth (2006, p. 43), o tema da miscigenação ocupou um grande espaço no discurso nacionalista após 1850. Além de ser entendida como um mecanismo de formação de um tipo ideal nacional, via branqueamento da população, foi também “[…] assunto obrigatório da política imigratória, especialmente a relacionada com a colonização, porque nesta estava em jogo o outro elemento fundamental para a nação – a ocupação do território”.

Para evitar essa configuração negra da população brasileira, seria preciso trazer brancos para o Brasil, a fim de formar um tipo nacional, de preferência branco, selecionado racialmente, o que exigia a desqualificação dos não brancos como incapazes para os novos desafios agrícolas ou industriais. Os tipos que existiam aqui eram considerados o contrário de tudo isso, portanto, seria preciso construir o brasileiro regenerado, um tipo nacional, capaz de fazer o Brasil progredir e constituir-se uma nação. Dessa forma, o progresso, a ordem e a identidade do Brasil como nação estavam fortemente relacionados com a questão da raça, da imigração e da miscigenação.

A desqualificação dos negros, índios e mestiços foi baseada em uma hierarquização tanto biológica quanto cultural. Podemos dizer que o projeto de construção da cidadania, da ordem e do progresso foi justificado cientificamente, ao inferiorizar biologicamente e culturalmente índios, negros e mestiços perante a figura do homem branco.

Na verdade, o principal dogma do racismo afirma que as raças humanas são desiguais, os brancos superiores, e toda a mestiçagem resulta em degenerescência. O processo evolutivo, associado à idéia de progresso, é pensado como “luta de raças”, na qual os “inferiores” são naturalmente dominados. O dogma racista condena todos os mestiços à extinção progressiva, criando, assim, uma dificuldade quase incontornável para a ciência das raças à brasileira, defrontada com uma enorme variedade de mestiços de todos os matizes. Mas, assim como Gobineau conseguiu imaginar algum tipo de mestiçagem criativa, nossos pensadores inventaram o branqueamento, dando alguma chance a uns poucos eleitos como “mestiços superiores.” (SEYFERTH, 1995, p. 181).

Nesse novo momento político nacional, teorias científicas contribuíram muito para o processo de desqualificação biológica, social e cultural dos negros, índios e mestiços, servindo como subsídio para a visão de que uma nação miscigenada (que não visava ao branqueamento) e constituída por indivíduos de cor não teria condições de alcançar o progresso e constituir-se como tal. Além das opiniões racistas exteriores que influenciaram os intelectuais brasileiros acerca da constituição mestiça do povo brasileiro, também dentro do Brasil, no final do século XIX e início do XX, muito se escreveu a este respeito na medicina, psiquiatria, antropologia e direito. Essas teorizações legitimaram práticas e concepções eugênicas que seriam usadas mais tarde em uma organização mais clara e mais explícita do aperfeiçoamento do brasileiro, que foi o movimento eugenista no país.

Segundo Seyferth (2006), desde 1860 o Brasil já possuía uma ciência das raças, sob a influência das teorias racistas de Paul Broca, apesar de serem, até 1877, temas esparsos sobre a origem das raças e outros temas, realizados no âmbito das escolas de medicina. Dada a dificuldade de se abarcar todos os intelectuais que sob influências evolucionistas e racistas

trataram da questão desde 1870, focalizamos aqui apenas algumas das discussões mais relevantes em torno do tema realizadas por alguns intelectuais em fins do século XIX e início do XX. O trabalho de Schwarcz (1993) ajuda a compreender alguns autores vinculados a diferentes locais de pesquisa, que tiveram maior relevância na discussão racial. Denominados homens de sciencia, esses autores estavam vinculados a museus etnológicos, institutos históricos e geográficos, escolas de direito e medicina27, espaços onde se encontravam condições favoráveis para desenvolvimento de idéias e obtenção de reconhecimento social.

Nas diversas instituições a discussão racial assumiu, naquele momento, um papel central, surgindo teses alternativas embora contemporâneas. Da frenologia dos museus etnográficos à leitura fiel dos germânicos na Escola de Recife, passando pela análise liberal da Escola de Direito paulista ou pela interpretação “católico- evolucionista” dos institutos, para se chegar ao modelo “eugênico” das faculdades de medicina […] (SCHWARCZ, 1993, p. 19).

Perante a tese da inferioridade racial aceita como postulado científico, cientistas encontrados nessas instituições adotaram o evolucionismo, darwinismo, positivismo, naturalismo, monogenismo e poligenismo, dos modos mais variados em suas pesquisas, nas quais a raça, nos diversos temas que foram desenvolvidos, teve papel primordial28. Segundo Schwarcz (1993), os diferentes museus buscavam exemplos de culturas atrasadas, asselvajadas pela miscigenação, que ajudaram a popularizar no exterior a imagem do Brasil como um grande laboratório racial.

Schwarcz (1993) revela o conhecimento sobre os grupos raciais construído nos institutos históricos e geográficos, cuja missão principal era fundar uma historiografia

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Schwarcz (1993) estuda as seguintes instituições e suas publicações: Museu Nacional ou museu Real, Museu Paulista ou museu do Ipiranga, Museu Paraense Emílio Goeldi, Instituto Historico e Geographico Brasileiro, Instituto Archeologico e Geographico de São Paulo, Faculdade de Direito de Recife, Academia de Direito de São Paulo e as faculdades de medicina da Bahia e Rio de Janeiro, através da ‘Gazeta Medica da Bahia’ e do ‘Brazil Medico’.

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Segundo Schwarcz (1993), no caso dos museus, as pesquisas desenvolvidas ajudaram a fortalecer as análises deterministas sobre as questões raciais, sendo a degenerescência vista como produto da hibridação das raças. Neste contexto, destacamos as conclusões de J. B. Lacerda (AMN, 1887 apud SCHWARCZ, 1993), do Museu Nacional, cujos estudos foram baseados na escola frenológica francesa de Paul Broca. Lacerda entendia que os índios representavam o atraso, e a evolução era o único meio de se chegar à civilização. Os botocudos, para este intelectual, significavam o máximo de inferioridade humana. Mas acreditava que a depuração das raças deveria ser feita através do processo de branqueamento. Outra forte presença sobre as discussões raciais era a de Von Ihering (do Museu Paulista), que, apesar de não expor na Revista do Museu

Paulista suas opiniões controversas, em 1911 vai a público, através do Estado de São Paulo, pedir o

extermínio dos Kaingang, grupo que considerava bárbaro e denegenerado. Segundo ele, “[…] por habitar no caminho da estrada de ferro noroeste do Brasil, impedia o “desenrolar do progresso e da civilização” (OESP, 1911 apud SCHWARCZ, 1993, p. 82-83). Sua visão era a de que a evolução encontrada na natureza também servia de modelo para explicar a evolução da humanidade; portanto, acreditava na aplicação do evolucionismo na sociedade. IHERING, Herman Von. O Estado de São Paulo, São Paulo, 1911; LACERDA, J. B. Archivos do Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1887.

nacional e regional do Brasil. Cada instituto teve sua produção, que não necessariamente coincidia com a produção dos outros institutos. Segundo essa autora, no Instituto Historico e Geographico Brasileiro (IHGB) se difundiu uma postura dúbia quanto às raças, pois o projeto de centralização nacional implicava pensar também nos negros e indígenas, os excluídos desse processo. Enquanto os negros eram considerados incivilizados, as opiniões sobre os indígenas eram variadas. Um exemplo dessa variação encontra-se na opinião de Varnhagen, afirma Schwarcz (1993), que era a favor do massacre da população indígena residente no Brasil. Contrários a essa posição, outros intelectuais tentaram recuperar a visão de que o índio, considerado bárbaro e errante, seria passível de ser redimido e incluído na civilização.

Em 1844, o IHGB (SCHWARCZ, 1993) organizou um concurso sobre como deveria ser escrita a história do Brasil, cuja idéia era relacionar o aperfeiçoamento das três raças que aqui existiam com o desenvolvimento do país. O vencedor foi Karl F. P. von Martius cuja opinião sobre o Brasil era a de que este teria uma evolução das raças bem diferente, sem a inclusão dos negros escravos (SCHWARCZ 1993). Para von Martius29, as três raças brasileiras

[…] possuíam características variadas. Ao branco, cabia representar o papel de elemento civilizador. Ao índio, era necessário restituir sua dignidade original ajudando-o a galgar os degraus da civilização. Ao negro, por fim, restava o espaço da detração, uma vez que era entendido como fator de impedimento ao progresso da nação […] (SCHWARCZ, 1993, p. 112).

Com base nessa interpretação racial, acreditava-se que os negros desapareceriam com o tempo. Tal interpretação denota também a permanência de uma hierarquização entre as raças:

[…] o primeiro na terra foi o thronco negro… depois o vermelho e finalmente o branco que deve ser contemporâneo aos primeiros gelos… julgo também que na ordem do desaparecimento a nathureza há de proceder pela mesma forma. O thronco negro há de desaparecer antes do amarello e assim sucessivamente até o branco… (RIHGB30, 1873, p. 389-91apud SCHWARCZ, 1993, p. 113)31.

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MARTIUS, Karl Friedrich von. Como se deve escrever a história do Brasil. Revista Trimestral de Historia e

Geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Rio de Janeiro, n. 24 jan., v. 6., 1844.

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Revista Trimestral de Historia e Geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Rio de Janeiro, 1873.

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De acordo com Schwarcz (1993), por volta de 1908 aparece no IHGB uma postura um pouco pessimista em relação à mestiçagem e ao futuro do Brasil. Esse não é o caso do intelectual Silvio Romero, sócio do IHGB, que acreditava que o branco tinha um papel fundamental no processo civilizador e que a mestiçagem era a saída para resolver a situação do país.

Portanto, predominava uma visão evolucionista e determinista, em que os negros e os índios eram considerados menos aptos, sujeitos à extinção32. Quanto à questão racial, o ponto em comum desses institutos resume-se na constatação de terem ajudado a construir uma

história européia e branca para o país. “Mais uma vez a cópia não é fiel ao modelo: nos

institutos, teoria evolucionista e monogenismo apareciam ao lado dos pressupostos darwinistas sociais e poligenistas, como se modelos originalmente excludentes pudessem ser

mesclados.” (SCHWARCZ, 1993, p. 136-137). Enquanto o evolucionismo justificava o

predomínio branco e a hierarquia social, o darwinismo social explicava o natural branqueamento e as teorias raciais ajudavam a compor um atraso ou condenavam a mistura racial (SCHWARCZ, 1993).

Segundo Schwarcz (1993), a questão racial foi também tema essencial nas faculdades de direito, nas quais se destacaram importantes personagens dessa história do eugenismo no Brasil, como Silvio Romero e Clóvis Bevilacqua, que fomentaram discussões e teorias principalmente relacionando criminalidade e raça33. O jargão evolucionista, afirma essa autora, fortemente presente no discurso jurídico pernambucano, parece ser uma síntese própria que Tobias Barreto fez de Haeckel, Buckle, Littré, Le Play, Le Bon e Gobineau. Tais leituras ajudaram a fundar uma nova versão científica do direito aliada à biologia evo lutiva, às ciências naturais e a uma antropologia física e determinista. Os escritos daqueles autores apareciam também na Revista Acadêmica da Faculdade de Direito de Recife, juntamente com textos de Lombroso, Ferri e Garofalo sobre as relações entre crime e raça (SCHWARCZ, 1993).

A visão sobre o crime passara a ser centrada na constituição física e racial do indivíduo. Nessa área do direito, havia uma estreita relação entre degeneração, loucura e criminalidade associadas à questão da mestiçagem brasileira. A delinqüência era justificada

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Segundo Schwarcz (1993), as raças também foram objeto de estudo do Instituto Archeologico e Geographico de Pernambucano. Neste local, teorizava-se sobre as diferenças entre os homens, ao exaltar a superioridade branca e ao condenar as populações indígena e negra. Seus dirigentes apostavam na miscigenação com constante fluxo de sangue branco, contra a influência maléfica de outras raças e para desenvolvimento da região. Também no Instituto Historico e Geographico de São Paulo, apesar das opiniões diversas, predominava a crença na supressão de uma raça pela introdução e atuação do branco como elemento civilizador e colonizador.

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Silvio Romero (apud SCHWARCZ, 1993) citava em seus artigos Haeckel, Darwin e Spencer e acreditava que a saída para a homogeneização do Brasil era a mestiçagem, pois tudo o que dizia respeito ao futuro do Brasil para este autor estava relacionado com o fator raça. ROMERO, Silvio. O evolucionismo e o positivismo no

pela mistura de raças e, por este motivo, achava-se que o país precisava construir um tipo único34.

Diferentemente dessa escola, a Faculdade de Direito de São Paulo construiu em suas produções um discurso cauteloso quanto às teorias deterministas raciais (SCHWARCZ, 1993). Essa escola considerava as raças desiguais, mas não se submeteu ao determinismo racial. Schwarcz (1993, p. 182) explica que, o modelo evolucionista era consensual, relacionado à adoção do modelo liberal de governo, assim:

A crítica ao determinismo racial não implicava, portanto, descartar a perspectiva evolutiva, os homens continuavam desiguais, porém passíveis de “evolução e perfectibilidade” em função de um Estado soberano e acima das diferenças não só econômicas como raciais.

Nos anos de 1880, uma das propostas políticas que vinha dos juristas paulistas era a restrição à imigração, uma constante nos debates da câmara dos deputados e em outros locais (SCHWARCZ, 1993). Esses juristas paulistas tiveram também forte influência na Sociedade Central de Imigração (1883-1891), cuja discussão girava em torno da restrição à entrada de asiáticos e africanos no país. Sobre os asiáticos, diziam os juristas que não assimilariam a cultura brasileira, tinham costumes e línguas diferentes35. Diante disso, podemos entender que estava implícita a aceitação das hierarquias existentes na Europa e que, em São Paulo, havia um liberalismo de fachada que disfarçava o discurso racial, acionado para defesa de hierarquias e explicação de desigualdades (SCHWARCZ, 1993). Em suma, nesse contexto de discussões sobre imigração, as raças negras e asiáticas significam atraso, pois, consideradas inferiores, poderiam comprometer o processo de branqueamento da população.

Posição contrária a essa tese do branqueamento pode ser encontrada em Nina Rodrigues (1938), que tinha uma visão pessimista da mestiçagem. Esse cientista acreditava que a mestiçagem seria prejudicial e um obstáculo ao progresso do país. Nina Rodrigues (1938), totalmente afeito a essa versão, afirmava que o Brasil não ficaria mais branco com a

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De acordo com Schwarcz (1993), nos anos 20, apesar de a raça ser ainda central, a antropologia criminal perdeu força nas publicações da Revista Academica da Faculdade de Direito de Recife (RAFDR); temas como educação, saúde e higiene ganharam força no debate. Mas ainda predominava a crença em um processo de mestiçagem que não levasse à degeneração. Já nos anos 30 o modelo evolucionista passa a ser entendido, neste contexto, como subjetivo e ultrapassado.

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Segundo Scwarcz (1993), em 1º de agosto de 1893 houve a contratação de 15 mil trabalhadores europeus e 500 asiáticos. Minas Gerais, em 1894, se interessou pela entrada de orientais, separados dos europeus. Em 1895, São Paulo permitiu a entrada de europeus, americanos e africanos, de forma limitada a alguns países: europeus (Itália, Suécia, Alemanha, Holanda, Noruega, Dinamarca, Inglaterra, Áustria e Espanha); da América (canadeneses da Província de Quebec, naturais de Porto Rico); e, da África (apenas os canarinos).

mestiçagem. Ao observar a distribuição das raças pelo Brasil, ele acreditava na existência de três raças puras (branca, indígena ou vermelha e negra), formadas pela minoria de elementos que habitavam o território brasileiro (CORRÊA, 2001). Os mestiços, na sua interpretação, formavam a grande maioria de elementos existentes do cruzamento entre as raças puras nos graus mais variados. Diante dessa realidade, o grande horror de Nina Rodrigues era imaginar

[…] a possibilidade de o negro transformar o branco, alterá-lo, torná-lo outro […] é como se, com a eliminação da barreira jurídica da escravidão e a visibilidade que, talvez, por isso, a ‘miscigenação’ parecia assumir naquele momento, se explicasse também a diferença entre as velhas táticas de separação, de exclusão, utilizadas pelas classes dominantes e essa nova, de procurar o perigo potencial, virtual que o negro passava a representar. Liberto o escravo, tornava-se óbvia a entrada do negro

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