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PARTE II REDIMENSIONANDO O PROBLEMA DO ATRASO DO PAÍS: EDUCAÇÃO, SAÚDE E DESENVOLVIMENTO

EUGENIA E HIGIENE COMO PRÁTICAS DE MEDICALIZAÇÃO SOCIEDADE

1 AS ORIGENS DO EUGENISMO MODERNO

1.2 Eugenia brasileira

O primeiro passo para a institucionalização da eugenia no Brasil foi dado com a Fundação da Sociedade Eugênica de São Paulo, em 1918 (MARQUES, 1994). A fundação dessa Sociedade pode ser considerada o marco institucional dessa ciência, apesar de a eugenia certamente já ser conhecida dos intelectuais brasileiros, que viviam antenados aos acontecimentos científicos da Europa e dos Estados Unidos. Haja vista que a criação dessa Sociedade ocorreu apenas seis anos após a criação da sua congênere na França e após dez anos da sua congênere inglesa (STEPAN, 2004). Antes da organização dos movimentos eugênicos no Brasil e em outros países, houve a divulgação do que Stepan (2005) denomina idéias proto-eugênicas, que salientavam a necessidade de eugenização da família. Segundo Antunes45 (1926 apud MARQUES, 1994), há registros na Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro de que, no final do século XIX, Souza Lima já tratava da necessidade de uma legislação acerca do exame pré-nupcial e sobre proibição do casamento entre sifilíticos e tuberculosos.

Nesse período, anterior à fundação dessa sociedade, outros textos sobre medicina e direito divulgaram idéias eugenistas em relação a casamento, infância, sexualidade e legislação46. Desses primeiros trabalhos sobre eugenia no Brasil, destacam-se os pequenos artigos escritos por Erasmo Braga, João Ribeiro, Horacio de Carvalho, a tese de Alexandre Tepedino, apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, denominada Eugenía47, em 1914. Nesse texto, Alexandre Tepedino48 (1914 apud Stepan, 2005) introduz uma discussão sobre o termo Eugenía, diferentemente do termo eugenesia, adotado na América

45 ANTUNES, P. C. A. Eugenia e immigração. 1926. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina de São Paulo, São Paulo, 1926.

46

Cf. DIWAN, 2007, p. 12, nota 2. 47

Foi o filólogo João RIBEIRO quem propôs o termo eugenía, ao contrário da palavra eugénica, proposta por gramáticos e cientistas (STEPAN, 2005).

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TEPEDINO, Alexandre. Eugenia. 1914. Tese – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 1914.

Espanhola. Há, também, uma publicação de um folheto denominado Pro-eugenismo49, na Bahia, escrito por Alfredo Ferreira Magalhães (SOUZA, 2006)50.

Em 1912, o farmacêutico e médico Renato Kehl (1929), maior propagandista da eugenia brasileira, afirmou em seu livro Lições de Eugenia que seu contato inicial com a ciência de Galton se deu com a sua participação no I Congresso Internacional de Eugenia. Os ecos desse congresso o impulsionaram a escrever, em 1913, um trabalho sobre o assunto, relacionando-o às teorias hereditárias de Weismann. Mais tarde, em 1917, suas preocupações com as idéias da melhoria racial o levaram a realizar uma conferência intitulada Eugenia na Associação Cristã de Moços (KEHL, 1929). Nessa conferência, Renato Kehl (1929) tratou de relacionar a eugenia com a discussão sobre o código matrimonial da nação e a permissão de casamentos consangüíneos. O texto dessa conferência também foi publicado no Jornal do Commercio (edição paulista), contendo questões da hereditariedade relacionada à ciência de Galton, fatores disgênicos, a teoria de Malthus e a eugenia, a relação entre direito e eugenia e, no final, um apelo para divulgação das idéias e preceitos eugênicos, no seu entendimento, para o bem da nação brasileira.

Após essa conferência, Renato Kehl mobilizou diversos intelectuais da área médica e autoridades locais para a fundação da Sociedade Eugênica de São Paulo, a primeira do gênero na América do Sul. Segundo Stepan (2005), essa sociedade eugênica, assim como diversas outras congêneres, destacou-se mais pela proeminência dos membros que a compunham. No caso da Sociedade Eugênica de São Paulo, os 140 participantes eram eminentes profissionais da área médica de São Paulo, Rio de Janeiro e, também, dois eminentes correspondentes internacionais, Victor Delfino, da Argentina, e Carlos Henrique Paz Soldán, do Peru (STEPAN, 2005). Dentre os membros associados brasileiros, destacamos: Belisário Penna, Amâncio de Carvalho e Agostinho de Souza Lima (presidentes honorários da associação), Arnaldo Vieira (presidente efetivo da associação e diretor da Faculdade de Medicina de São Paulo), Vital Brazil (bacteriologista e diretor do Instituto Butantã), Arthur Neiva (microbiologista do Instituto Oswaldo Cruz), Luís Pereira Barreto (médico paulista), Antônio Austregésilo (psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro), Fernando de Azevedo (educador escolanovista), Oscar Freire (que, segundo Kehl (1929), foi um dos expoentes da discussão acerca da reforma do código civil), Afrânio

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MAGALHÃES, Alfredo Ferreira. Pró Eugenismo. Bahia: Tipografia de São Francisco, 1913. 50

Citamos também: HENRIQUE, João. Do conceito eugênico do Habitat Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Tipografia Besnard Fréres, 1917; ARMINSTRONG, Charles W. Melhoremos a nossa raça. Rio de Janeiro: Editora Imprensa Inglesa, 1916 (Cf. SOUZA, 2006).

Peixoto, Antonio Austregésilo, Juliano Moreira (diretor do Hospital de alienados) e o próprio Renato Kehl (secretário geral) (ANNAES DE EUGENIA51, 1919 apud MARQUES, 1994; STEPAN, 2005).

Essa associação realizou reuniões regulares durante seu curto período de existência, de apenas um ano52. A Sociedade Eugênica de São Paulo (SESP) se auto representava como uma entidade culta, científica e profissional, ainda que não tenha realizado pesquisas (STEPAN, 2005). Seus estatutos estampavam os seguintes objetivos:

Ella estuda as leis hereditariedade, esmiuçalha as questões da evolução e descendencia, tirando desses conhecimentos as bases applicaveis á conservação e melhoria da especie humana. Nesta sociedade serão discutidas as questões relativas á influencia do meio, do estado econômico, da legislação dos costumes, do valor das gerações sucessivas e sobre as aptidões physicas, intellectuaes e Moraes, sempre tirando dessas discussões idéas mais palpáveis desta aggremiação e ao qual dou a maior importancia, é o de divulgar, entre o publico, conhecimentos eugenicos e destinados a bem da nossa raça […]. Um dos fins, de resultados hygienicos, que o tirem da ignorância, no que se refere aos vícios sociaes e ás doenças infecciosas. Por meio de conferencias publicas e nas escolas, sempre procurando mostrar o que é alcoolismo, a syphilis, a tuberculose, ensinar como esperar as suas garras. Entre outros fins da sociedade está o estudo da importantíssima questão da regulamentação do meretricio […] bem como a importante questão do exame pre-nupcial, um dos meios de cercear a liberdade de dar nascimento a uma prole de degenerados, de idiotas, de tarados de toda especie (ANNAES DE EUGENIA53, 1919, p. 6-7 apud MARQUES, 1994, p. 53-54).

O foco principal dessa sociedade era divulgar a eugenia, ligando-a à questão da purificação da raça, hereditariedade, evolução, legislação, hábitos e costumes saudáveis, de modo a inseri-la no debate científico da nação. A imprensa carioca e paulista contribuiu favoravelmente saudando a eugenia como uma nova ciência com a capacidade de construir uma nova ordem social mediada pelo aperfeiçoamento médico da raça humana (STEPAN, 2005).

Todos os participantes dessa sociedade e outros intelectuais que saudaram a fundação da sociedade, ou que de algum modo ajudaram na divulgação eugênica, faziam parte da pequena elite científica do país, pois ocupavam cargos importantes em instituições médicas, jurídicas, políticas e econômicas. Compreender isso é fundamental para o entendimento do alcance da divulgação da eugenia a partir das relações sociais que foram estabelecidas. Além do mais, ajuda a compreender que a maioria da intelectualidade médica

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ANNAES DE EUGENIA. São Paulo: Editora da Revista do Brasil, 1919. Publicação da Sociedade Eugênica de São Paulo.

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A Sociedade Eugênica de São Paulo não conseguiu manter suas atividades após a mudança de Renato Kehl para o Rio de Janeiro e a morte de Arnaldo Vieira de Carvalho (MARQUES, 1994).

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nas primeiras décadas do século XX, apesar das divergências teóricas, esteve de algum modo envolvida com a ciência eugênica.

Apesar do curto tempo de duração da Sociedade Eugênica de São Paulo, a sociedade realizou conferências, discussões, divulgação, publicou os Annaes de Eugenia e auxiliou na formação de núcleos eugênicos na América Latina (MARQUES, 1994). O fim da Sociedade Eugênica de São Paulo, em 1919, não significou o fim da eugenia em São Paulo e no Brasil. Sua divulgação e discussão continuaram vivas, através da produção de teses médicas e jurídicas, da publicação de livros e de artigos em periódicos especializados, de jornais locais e da promoção de eventos.

Esse desenvolvimento da eugenia não deve ser visto como um fenômeno isolado, mas conectado a uma conjuntura que proclamava o nacionalismo, após a Primeira Guerra Mundial (REIS, 1994).

De fato, com o crescimento dos chamados setores médios urbanos impulsionado pelo avanço industrial observado no decorrer da 1ª guerra, diversos movimentos nacionalistas emergem na cena nacional apoiados num programa agressivo e militante de combate aos males do país. Assim é que, Liga de Defesa Nacional (1916), Liga Nacionalista de São Paulo (1917), Propaganda Nativista (1919), ação social Nacionalista (1920), além dos periódicos Gil Blas, Braziléia, Revista do Brasil, surgem nesse contexto de busca de uma solução original e autônoma aos diversos problemas que atingem a Nação Brasileira (REIS, 1994, p. 51).

Imbuídos também nesse debate pró-nacionalista, os eugenistas encontraram espaço para desenvolvimento de suas idéias em diversas organizações que surgiram no período, fossem elas propriamente eugenistas ou sanitaristas, psiquiátricas, jurídicas e/ou educacionais. A Sociedade Eugênica de São Paulo nasceu apenas um ano depois da organização da Liga Pró-Saneamento. Em decorrência do movimento realizado pela Liga Pró- Saneamento, conforme vimos, em 1920, é criado o Departamento Nacional de Saúde Pública. Nesse mesmo período, também foram criadas, em 1923, a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) e a Sociedade Brasileira de Higiene.

Era comum a participação dos mesmos intelectuais nessas diversas organizações54; por exemplo, Renato Kehl, Belisário Penna e Arthur Neiva participaram da Liga Pró-Saneamento e foram também associados da Sociedade Eugênica de São Paulo. Juliano Moreira, Renato Kehl, Antonio Austregésilo, Afrânio Peixoto, Maurício de Lacerda e J. P. Fontenelle fizeram parte da Liga Pró-Saneamento e posteriormente fizeram parte da

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LBHM (REIS, 1994) e também alguns desses fizeram parte da Sociedade Eugênica de São Paulo.

Marques (1994) observa os objetivos comuns da Liga Pró-Saneamento e da Sociedade Eugênica de São Paulo. Primeiramente nas duas entidades a questão nacional aparece como central do ponto de vista político (construir o estado-nação) e do ponto de vista cultural (realçar o genuinamente nacional), contra as teorias deterministas climáticas; segundo, havia divergências teóricas entre as organizações a respeito da composição étnica e da miscigenação do povo brasileiro. Apesar das divergências teóricas e de a Liga Pró- Saneamento concentrar seus esforços na propagação das idéias de saneamento, na denúncia acerca da situação de saúde do homem do sertão e reivindicar ações que pudessem contribuir na área da saúde pública, não é equivocado afirmar que a eugenia se fez presente em muitos discursos dos intelectuais que dela participaram. Em 1918, em seu livro Saneamento do Brasil, Belisário Penna55, afirma Stepan (2005), não introduz uma linguagem eugênica, mas em seu livro seguinte, O exército e o saneamento56, de 1920, a eugenia passava a ser uma solução necessária para o problema da degeneração hereditária do povo brasileiro. Como bem observou Stepan (2005, p. 58), “à medida que o credo eugênico conquistava novos convertidos, a linguagem da eugenia começou a incorporar discussões científicas sobre

saúde.”

Portanto, é errôneo acreditar que a eugenia estivera restrita ou que fora praticada em apenas uma instância ou por apenas alguns poucos intelectuais. O discurso eugênico esteve presente em diversas organizações médicas, jurídicas, psiquiátricas etc. Este último campo abrangia o campo da higiene mental, e foi considerado um propício espaço para o desenvolvimento das propostas eugênicas.

A Liga Brasileira de Hygiene Mental (LBHM), fundada em 1923 pelo psiquiatra Gustavo Riedel, teve como finalidade a regeneração física e mental da nacionalidade, de modo preventivo, através de ações baseadas na higiene mental e na ciência eugênica (REIS, 1994; 2000). De acordo com a Ata de Fundação da LBHM57, a sua criação, enquanto uma instituição civil, era voltada para a “divulgação e propagação das noções exatas da eugenia mental, num plano uniforme de defesa da mentalidade da raça.” (1941, p. 92 apud REIS,

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Penna, Belisário. Saneamento do Brasil. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunaes. 1918. 56

Penna, Belisário. Exército e Saneamento. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunaes, 1920. 57

LIGA BRASILEIRA DE HYGIENE MENTAL. Ata de Fundação da Liga em 1923. In: Archivos Brasileiros

2000, não paginado). Conforme consta nos estatutos da LBHM58 (1925, p. 223-234 apud REIS, 1994, p. 50), seus objetivos eram os seguintes:

a) prevenção das doenças mentais pela observação dos princípios de higiene geral e especial do sistema nervoso; b) proteção e amparo no meio social dos egressos dos manicômios e aos doentes mentais passíveis de internação; c) melhoria progressiva dos meios de assistir e tratar os doentes nervosos e mentais em asilos públicos, particulares ou fora deles; d) realização de um programa de Higiene Mental e Eugenia no domínio das atividades individual, escolar, profissional e social.

Os objetivos expostos acima afirmam o amplo escopo e abrangência da higiene mental e explicitam também a intervenção médica na sociedade. Coerente com esses objetivos e com essa intervenção médico-social, em 1923, pelo decreto n. 4.778, a LBHM é reconhecida como de utilidade pública e passa a receber subvenção federal para o desenvolvimento de suas atividades (REIS, 1994). Pelos objetivos, é também explícita a presença da eugenia no programa da LBHM, que se tornou mais intensa ao longo dos anos, com a atuação de uma nova geração de psiquiatras liderados por Ernani Lopes, que em 1929 assumiu a presidência da organização (STEPAN, 2005).

A eugenia era entendida por Riedel59 (1920, p. 190 apud REIS, 1994, p. 54),

fundador da LBHM, como uma “[…] verdadeira religião da humanidade […] pois que exprime aperfeiçoamento moral, physico e mental da espécie humana.” Segundo Reis (1994),

imbuída nesta missão nacionalista e regeneracionista, a LBHM definiu suas ações e elegeu certos temas prioritários, como o combate ao alcoolismo e outros vícios morais, o tratamento de questões sobre imigração, a seleção e orientação profissional, o controle de casamentos e cuidados com a infância, assim como a esterilização compulsória daqueles considerados degenerados e cuidados com a infância.

Composta por mais de 120 membros oriundos da elite intelectual – psiquiatras, educadores, juristas, empresários, políticos –, essa instituição foi considerada uma das mais importantes sociedades de orientação científica do Rio de Janeiro. Conforme notamos na composição da Sociedade Eugênica de São Paulo, diversas lideranças e participantes da LBHM atuavam também em outras instituições que surgiram no período. Além dos nomes anteriormente mencionados – Juliano Moreira, Afrânio Peixoto, Renato Kehl, Antônio Austregésilo –, destacam-se os nomes de Miguel Couto (então presidente da Academia

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LIGA BRASILEIRA DE HYGIENE MENTAL. Estatutos da Liga Brasileira de Hygiene Mental. Archivos

Brasileiros de Hygiene Mental. Rio de Janeiro, ano I, n. 01, mar. 1925. p. 223-234.

59RIEDEL, Gustavo. “A inauguração do Ambulatório Rivadavia Corrêa”. Archivos Brasileiros de Neuriatria e

Nacional de Medicina), Carlos Chagas (diretor do Instituto Oswaldo Cruz e do Departamento Nacional de Saúde Pública), Edgar Roquette-Pinto (diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro) e Henrique Roxo (STEPAN, 2005).

Além de encontrar espaço nas discussões da elite médico-higienista ligadas às questões psiquiátricas e de saneamento, os princípios científicos da eugenia também serviram como subsídio teórico e prático para intervenção na medicina legal. Essa área de atuação já havia se estabelecido ao final da segunda década do século XX, geralmente dentro de faculdades de medicina, ainda que com forte atuação de juristas (STEPAN, 2005). Como salienta Stepan (2005), foi propício o desenvolvimento da eugenia dentro da medicina legal, pois os problemas de crime e responsabilidade foram vinculados pelos médicos às questões racial e eugênica. Podemos aqui relembrar a Escola Nina Rodrigues e sua influência no reconhecimento da medicina legal pela sociedade.

A eugenia fez parte desse esforço de regeneração nacional e foi vista como uma ciência promissora, cujos atributos auxiliariam na empreitada de regeneração da raça e construção da identidade nacional. Os membros dessas sociedades compunham a intelectualidade da sociedade, formada em sua maioria por médicos que, apesar das divergências teóricas e dos campos específicos de atuação, tinham em comum a preocupação com a regeneração nacional, seja focalizando o âmbito da saúde, da higiene mental, da raça etc. Assim, a eugenia, como ciência do aprimoramento racial e/ou da espécie humana, foi ganhando terreno e se instituindo em diversas organizações e campos de atuação articulados entre si na busca do aperfeiçoamento do homem brasileiro.

1.2.1 Professores: os Moleiros da Nacionalidade

Nesse tópico procuramos apresentar algumas vertentes do movimento eugenista brasileiro, salientando seus subsídios teóricos e seus principais articuladores no Brasil. Esse movimento influenciou fortemente a educação tanto no que diz respeito à racionalização das ações pedagógicas, quanto ao seu uso como instrumento em prol da propaganda eugênica.

Na historiografia da ciência e da educação que problematizam a eugenia na sociedade brasileira, é comum vermos colocados no mesmo bojo teórico de análise idéias eugenistas, higienistas e procedimentos médicos. Sempre que um estudo problematiza a questão, o faz a partir desse imbricamento teórico que revela não uma confusão de idéias, mas uma característica própria do movimento eugenista brasileiro. Para muitos eugenistas, e durante muito tempo, sanear foi entendido como eugenizar, assim como também, para muitos,

a eugenia fora entendida como um ramo da higiene. Tanto os procedimentos eugênicos quanto os higiênicos fizeram parte do processo de medicalização da sociedade a partir do final do século XIX.

Apesar de a institucionalização da eugenia no Brasil ter acontecido no final dos anos de 1920, o problema da nacionalidade, da constituição do povo brasileiro e da construção do Brasil como nação desencadeou todo um processo de racionalidade médica aplicada à sociedade antes desse período, a partir de estratégias que visavam sanear, moralizar e eugenizar as pessoas, que, conforme vimos nesse capítulo, foram denominadas de idéias proto-eugênicas. Tais idéias foram provocadas por fatores como crescimento das cidades, devido ao processo de migração e imigração, desemprego, preocupações relativas à heterogeneidade racial e social, vícios, prostituição, mortalidade infantil, abortos, entre outros. Devido a esses fenômenos, surgiram preocupações relativas à higiene da família (particularmente da mulher e da criança), à educabilidade das raças, ao convívio entre as diversas raças, ao desenvolvimento físico e mental das crianças, aos hábitos de higienização das pessoas, à formação do caráter, à cura e profilaxia das doenças e vícios e à moralização e regulação sexuais.

Diante da necessidade de construção de uma nova organização da sociedade, com vistas a resolver problemas de ordem social, moral, racial e cultural, figuravam as teses eugenistas e higienistas, aplicadas por diversos setores da sociedade, dentre os quais tinha grande importância o sistema educacional. A preocupação com a educação sempre esteve presente no movimento eugenista como uma importante medida eugênica, figurando como tema de inúmeros textos eugenistas brasileiros e estrangeiros, que mencionamos.

No vasto material sobre eugenia que se produziu nas primeiras décadas do século XX, surgiram diversas teorias que influenciaram o campo educacional e/ou trataram da relação entre eugenia e educação: as teorias baseadas no branqueamento da população; as teorias que visavam a um aperfeiçoamento da espécie, vinculadas a um determinismo racial e contrárias ao processo de miscigenação; as teorias que visavam a um aperfeiçoamento da espécie desvinculadas da questão racial. Essas várias tendências eugênicas refletem a heterogeneidade do movimento eugenista brasileiro. As diversas teses que procuraram traçar os rumos da educação com base na ciência eugênica nada tinham de homogêneas. Há diversos modos de se compreender a educação e como esta poderia atuar sobre o indivíduo, seja com base no evolucionismo, no lamarckismo, no mendelismo etc. De modo geral, delimitar onde começa e onde termina essa influência na educação é extremamente difícil, uma vez que diversos foram os personagens do movimento eugenista que opinaram, escreveram,

discutiram sobre a questão e o fizeram a partir de uma enormidade de veículos, como teses, jornais, boletins, periódicos, livros, palestras, panfletos e congressos.

Destacam-se nesse contexto os eugenistas que faziam parte da elite intelectual brasileira e foram membros de instituições eugênicas e higiênicas, fundadas no período. Dentre esses eugenistas há diversos modos de se compreender a educação e como esta poderia atuar sobre o indivíduo, seja com base no evolucionismo, no lamarckismo, no mendelismo etc. Entre esses eugenistas, há divergentes modos de se conceber o problema nacional em relação à questão racial e como se daria o processo de melhoramento da espécie humana, que poderia ser viabilizado pela seleção racial, pela seleção dos geneticamente bem dotados, pelo aprimoramento de categorias inatas ou pelo incremento do patrimônio hereditário. O certo é que todos acreditavam em um aperfeiçoamento do homem e consideravam a educação um importante meio para alcançar esse fim. Ainda que o movimento eugenista fosse extremamente heterogêneo, os eugenistas acreditavam que havia uma degeneração da espécie que precisava ser combatida, fosse causada pela raça (por causa do sangue índio, negro ou mestiço), fosse causada por vícios, doenças, falta de higiene e/ou saneamento. Além disso, todos eles acreditavam na educação como medida eugênica, instruindo novos

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