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DISCURSOS E NARRATIVAS DE AUTORREFERENCIAÇÃO

No documento rafaelpereiradasilva (páginas 58-61)

4. INVESTIGAÇÕES SOBRE O MUNDO DO JORNALISMO

4.3 DISCURSOS E NARRATIVAS DE AUTORREFERENCIAÇÃO

Outra temática importante são os discursos e narrativas de autorreferenciação sobre a profissão e sobre ser jornalista. Em nossa análise, essa é uma linha de pesquisa importante, já que pretendemos compreender a identidade do jornalista em assessoria de imprensa por meio de seu ethos discursivo. O argumento defendido nesta linha de investigação é que a identidade é construída discursivamente, por representações e posicionamentos de sujeitos, nesse sentido os trabalhos analisados no escopo da pesquisa corroboram com a ideia de que pensar a identidade a partir da comunicação significa pensar como são construídas as narrativas de identidade. Woodward (2005) considera que as identidades adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas.

Ao fazer apontamentos para a constituição da identidade dos jornalistas na contemporaneidade, Fonseca e Kuhn (2008) argumentam que não são muitos nem recentes os trabalhos produzidos sobre o tema no âmbito dos estudos acadêmicos da Comunicação.

Contudo, não sendo objeto exclusivo da área, é possível resgatar algumas discussões empreendidas também em campos afins, como a Sociologia e a Antropologia, o que confere um olhar interdisciplinar à questão. Em geral, esses trabalhos procuram delinear uma identidade e/ou traçar um perfil do jornalista, à exceção do texto de Albuquerque (2004), que aborda como os programas de pós-graduação em Comunicação no país tratam o tema, discute a sua importância e faz observações quanto aos problemas teóricos e metodológicos implicados nesse tipo de investigação (FONSECA e KUHN, 2008, p.5).

Segundo as pesquisadoras, a questão é relevante porque o jornalista tem uma imagem perante o público que se legitima pelo ‘poder dizer’, ‘falar a verdade’. Desta forma, a figura do jornalista provoca certo fascínio na sociedade. Seja no cinema, na literatura ou mesmo nos quadrinhos, a figura do repórter-herói contribui para a construção do imaginário da profissão. Tal imaginário, na maioria das vezes, ignora a complexidade do processo de produção de notícias, visto como um trabalho individual e personalizado do jornalista (PEREIRA, 2005, p.1). Essa questão da mitificação e fascínio da profissão confirma a proposição de Lopes (2012), onde a compreensão de processos de mistificação através dos quais os jornalistas produzem significado sobre sua própria existência se embasa nas reflexões dos anos 1950 feitas por Roland Barthes (1985) a respeito dos mitos da vida cotidiana francesa.

Para o autor, os usos de certos termos, a adoção de certas posturas, a repetição de formas criam esquemas ou tipos embalsamados. “Pois o objetivo preciso dos mitos é imobilizar o mundo” como se todo o processo histórico que contribuiu para a construção daquele sentido fosse apagado e que as coisas fossem percebidas como essenciais e permanentes - e não fruto de construção ou derivadas do uso dado a elas. (BARTHES, 1985, p.174).

A narrativa mitificada sobre a identidade e o papel do jornalista é aumentada devido à aproximação do jornalismo com áreas como a política, as ciências sociais, a literatura e a história, entre outras, de quem toma emprestado. Muitas vezes, alguns procedimentos fazem do jornalista um misto de intelectual e técnico, condição que o aproxima das profissões liberais (PEREIRA, 2005).

Para Maia e Pereira (2009), os jornalistas se apropriam dos diferentes discursos em torno da liberdade de imprensa, pois estes serviriam, antes de tudo, para legitimar um modelo de imprensa e de jornalista que se desenvolveu nas últimas décadas nas democracias liberais, cuja base argumentativa foi estabelecida na segunda metade do século XVIII e no início do século XIX.

Lopes salienta que,

Durante o regime militar instaurado pós-golpe de 1964, e, sobretudo em relatos memorialistas sobre o período, as situações de autorreferência por parte dos jornalistas apontam para a construção de uma identidade profundamente ancorada nas ideias de defesa das liberdades (de imprensa, principalmente) e dos valores democráticos. A figura mítica de herói é exaltada em face das situações de censura, prisões e perseguições que atingiram o campo jornalístico, ainda que elas tenham sido vividas de modo bem particular, apresentando diferentes graus de intensidade e resultando em reações diversas em relação a diferentes veículos de comunicação e grupos de jornalistas (LOPES, 2012, p. 99)

É importante colocar em evidência que temos uma imagem social do jornalista atrelado à liberdade de imprensa e à defesa da sociedade, assim, a liberdade é balizada como um ponto de partida para definir qual seria a identidade ideal desses atores sociais. De tal modo, existiriam os verdadeiros jornalistas (“livres”) e os demais (“sem liberdade”) e que atuariam numa espécie de simulacro da prática jornalística. No entanto, como expõe os autores:

todos esses discursos evidenciam, em primeiro lugar, os problemas identitários e que estão estritamente vinculados à noção de liberdade de imprensa. Tais discussões são bastante comuns no jornalismo e nas demais profissões porque remetem à dificuldade de nos prendermos apenas a um mito fundador como único elemento definidor de uma determinada identidade ou prática (MAIA; PEREIRA, 2009, p. 3)

A noção de liberdade de imprensa é importante para a construção da identidade profissional do jornalista na medida em que está subjacente à ideia de objetividade.

Para se constituir como campo profissional, o jornalismo teve de se separar da política e da literatura. Isso, por um lado, envolveu a definição de um conjunto de técnicas, como a reportagem, a entrevista, a técnica do lead e da pirâmide invertida. Implicou também em um lento processo de rejeição do papel político-partidário desse estatuto. Se o jornalista não era mais um político ou um porta-voz de interesses dos grupos sociais, era imprescindível que a sua atividade fosse considerada como livre de qualquer censura estatal e doutrina ideológica. Para isso, a noção de objetividade possuía (e possui) um forte componente de legitimação porque afastaria dos discursos sobre a profissão qualquer tipo de acusação de manipulação da realidade pelo jornalista (MAIA; PEREIRA, 2010, p. 199)

Os pesquisadores ponderam que, ao se apropriar da noção de objetividade, o grupo de jornalistas pode assumir um novo perfil profissional: o do informante ou mediador sobre o que acontece no mundo. Essa apropriação faz parte de um conjunto argumentativo para alcançar a legitimidade e impor o seu estatuto profissional. Para atingir tal fim, utiliza-se de argumentos para justificar sua competência profissional, fundamentada sobre os eixos da necessidade, da ciência e da competência. De toda forma, em caso de desestabilização, provocada pelo questionamento de sua competência e de seu monopólio, os grupos profissionais devem recorrer a outras estratégias que assegurem a sua autonomia. Para tanto,

eles vão se apropriar de valores que não faziam parte da argumentação inicial (MAIA; PEREIRA, 2009, p. 3).

Ao discursar sobre a identidade do profissional de jornalismo, é preciso levar em conta também a presença de uma elite jornalística, que seriam os detentores dos lugares de fala e da percepção sobre a identidade do jornalista. Oliveira (2009) defende que,

Os jornalistas de prestígio têm sido, no Brasil, atores fundamentais na construção de atributos identitários e estruturação da identidade jornalística. O capital simbólico acumulado por estes agentes - com passagem em grandes veículos da mídia nacional, lembrados comumente como referência de profissionais - lhes confere certa autoridade para fixar suas representações e valores sobre a profissão – em livros, biografias, entrevistas, palestras, ou seja, em espaços de afirmação discursiva da identidade jornalística. (OLIVEIRA, 2009, p. 1).

A autora ressalta ainda que, ao articular publicamente seu discurso identitário, os jornalistas procuram a maximização do ganho simbólico, ou seja, das vantagens associadas à posse de uma identidade legítima, suscetível de ser publicamente afirmada e reconhecida. Dessa maneira,eles reivindicam um lugar diferenciado em relação às outras ocupações, o pertencimento a um grupo profissional que seria dono de uma aura particular. Assim, jornalistas que possuem poder de fala ampliado, dado o capital simbólico acumulado em função da posição que conquistaram no campo jornalístico, costumam acionar em suas declarações identárias elementos que parecem atribuir certo sentido missionário ao seu trabalho, reforçando a ideia de que atuaria em nome de um bem maior e coletivo. A imagem de si como partícipe de uma profissão de relevância no conjunto social com objetivos socialmente reconhecidos, ressoa sobre os demais agentes do campo, que não possuem o mesmo poder e autoridade sobre os discursos de identidade.

No documento rafaelpereiradasilva (páginas 58-61)