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Ao se determinar o método de remoção do esôfago, são fatores contribuintes o tipo e a localização da lesão primária do órgão, a facilidade de acesso e até mesmo a preferência do cirurgião (PINOTTI, 1977; MATHISEN, 1995). No presente experimento, a esofagectomia por invaginação retrógrada, sem toracotomia através de incisões cervical e abdominal, mostrou-se um método simples e eficaz para a retirada do esôfago torácico em cães, minimizando o tempo cirúrgico e as complicações de um acesso pela via torácica. A forma de efetuar a esofagectomia baseou-se no descrito por Ferreira (1973); que a testou em 10 cães e, posteriormente, utilizou-a em pacientes humanos com algumas modificações na forma de dissecar e abordar o esôfago (FERREIRA, 1974).

Embora o acesso hiatal tenha vantagens, tais como não requerer toracotomia, permitir redução do trauma cirúrgico e reduzir as alterações pulmonares (MATHISEN, 1995; ZWISCHENBERGER et al., 2002; GUPTA e GUPTA, 2004; GOCKEL et al., 2007), o procedimento em pacientes humanos tem sido associado à paresia ou paralisa do nervo laríngeo recorrente e outros problemas, como quilotórax, lesão traqueal e perda sangüínea (GUPTA e GUPTA, 2004; CELIKER et al., 2005; GOCKEL et al., 2005; LAGARDE et al., 2005). Para minimizar esses problemas, a esofagectomia sem toracotomia pode ser efetuada com abertura do diafragma ou com auxílio de videolaparoscopia, de forma a permitir dissecação do esôfago e hemostasia dos vasos sob visão direta (PINOTTI et al. 1980; PINOTTI et al., 1991; BERNABE et al., 2005; GARCIA et al., 2005).

O estudo endoscópico efetuado após a remoção do esôfago dos cães do Grupo 1 mostrou que, quando existentes, os pontos de hemorragia foram de pequena intensidade. Fato similar foi verificado por Ferreira (1973), que, ao avaliar cães 48 horas após o procedimento de esofagectomia torácica

sem toracotomia, constatou hematoma inexpressivo, sem lesão de tecidos e órgãos contínuos. Provavelmente contribuam para esses resultados as características da anatomia circulatória do esôfago canino, formada por irrigação segmental em que os dois terços da porção torácica são nutridos pela artéria broncoesofágica, e o segmento terminal, pelos ramos da artéria diafragmática esquerda em conjunto com os ramos esofágicos da gástrica esquerda (ROSIN, 1975; GRANDAGE, 2003).

As duas limitações importantes da técnica de invaginação retrógrada ora utilizada são a extensão e o tipo da lesão primária localizada no esôfago. Em casos de tumores infiltrativos, o método se torna inadequado, pois há necessidade de remoção com visão direta das estruturas acometidas (GOCKEL et al., 2005). Ressalta-se que em pacientes humanos a esofagectomia subtotal por via cervicoabdominal sem toracotomia tem sido utilizada particularmente nos casos de megaesôfago (FERREIRA, 1974; PINOTTI et al., 1980; PINOTTI et al., 1991) ou lesões por injúria corrosiva (GUPTA e GUPTA, 2004).

A ruptura da pleura em todos os cães do Grupo 1 após a remoção do esôfago, constatada tanto pelo exame endoscópio como pelo teste de irrigação com azul de metileno, deve-se à espessura delgada da estrutura, em especial no terço medial e caudal do tórax. Segundo Grandage (2003), dentro do tórax a pleura mediastinal é delicada e diretamente aderida à adventícia. Sendo assim, a ruptura da pleura é passível de ocorrer independentemente da técnica transhiatal escolhida. Dessa forma, um dispositivo de respiração controlada no momento do procedimento cirúrgico e a drenagem do pneumotórax no período pós-operatório serão procedimentos imprescindíveis na esofagectomia torácica em cães in vivo.

Há várias controvérsias quanto à substituição do esôfago torácico pelo estômago, seja na forma tubular, semitubular ou inteiro (BEMELMAN et al., 1995; DOMENE et al., 1998; ZWISCHENBERGER et al., 2002). Contudo, além dos cuidados para manter a perfusão do órgão, no cão deve-se considerar a capacidade de esvaziamento do substituto esofágico na posição quadrupedal.

A irrigação sangüínea do estômago a ser utilizado como substituto esofágico normalmente se baseia nas artérias gastroepiplóicas

direita e esquerda e gástrica direita (PINOTTI et al., 1991). Entretanto, variações anatômicas da comunicação entre as artérias gastroepiplóicas direita e esquerda, observadas em pacientes humanos por Yamato et al. (1979), também foram detectadas nos cães do presente experimento. Por sua vez, Swenson e Magruder (1944) verificaram inconstância na origem da artéria gastroepiplóica esquerda em estudo de esofagoplastia utilizando gastrotubos em cães. Vale citar que outros vasos podem apresentar modificações, como verificado no cão 4 do Grupo 2 e nos cães 2 e 6 do Grupo 3, que apresentavam, respectivamente, comprimento reduzido dos vasos gástricos curtos, vasos gástricos esquerdos muito próximos à veia esplênica e proximidade da artéria gástrica esquerda à parede gástrica. Como referido por Yamato et al. (1979), para a construção de um gastrotubo viável é fundamental identificar as variações da circulação gástrica.

Entre as diversas técnicas de gastrotubo isoperistálticos ou antiperistálticos (SWENSON e MAGRUDER, 1944; YAMAGISHI et al., 1970; HENDERSON et al., 1974; AKIYAMA et al., 1976; ANDERSON e RANDOLPH, 1978; YAMATO et al., 1979; LÁZÁR et al., 2003), optou-se pela gastroplastia por rotação do fundo descrita por Büchler et al. (1996), por permitir a construção de tubo gástrico isoperistáltico de comprimento razoável com manutenção de reservatório gástrico.

Para desenvolver o gastrotubo em pacientes humanos, Büchler et al. (1996) preservaram todas as tributárias maiores das artérias gástricas direita e esquerda; porém, no presente estudo foi necessária a ligadura da artéria e veia gástrica esquerda. Quando intactos, esses vasos impediram que a extremidade do gastrotubo alcançasse a região da anastomose com o esôfago cervical. Pelo mesmo motivo, os vasos gástricos direitos foram ligados em posicionamento mais caudal do que o utilizado por Büchler et al. (1996).

A transformação das medidas absolutas em medidas relativas, através das proporcionalidades de mensurações, foi de fundamental importância para a comparação de animais de medidas anatômicas discrepantes, característica essa da espécie canina com suas diversas raças em que há as mais variadas constituições físicas. E de acordo com as análises estatísticas das proporcionalidades de mensurações, quanto maior a medida do estômago ou gastrotubo em relação à medida do tórax, menor a

possibilidade de tensão na anastomose. Isso explica a ruptura do gastrotubo ocorrida com o cão 6 do grupo 3. Em virtude do comprimento do tórax, o comprimento final do gastrotubo foi insuficiente para permitir a anastomose sem tensão com o esôfago cervical, e o neo-estômago precisou ser posicionado dentro da cavidade torácica em todos os cães do grupo 3, exceto no cão 9. As características anatômicas do estômago canino, que resultam em um neo-estômago de aspecto apendiciforme, e a necessidade de posicioná-lo dentro da cavidade torácica tornam questionável a vantagem da manutenção desse neo-estômago em cães.

O uso do estômago inteiro, quando comparado ao gastrotubo, teve como vantagens a maior facilidade de execução, a redução do número suturas e, portanto, uma menor probabilidade de deiscências. Adicionalmente, com relação às médias entre os cães dos Grupos 2 e 3, observou-se que, ao contrário do gastrotubo, o estômago inteiro foi capaz de ultrapassar a região da anastomose com o esôfago cranial. Dessa forma, a tensão anastomótica provavelmente é menos acentuada com o emprego do estômago inteiro. Ressalta-se que o estômago ou o gastrotubo com comprimento mínimo equivalente a, respectivamente, 79% e 84% da medida da laringe até a extremidade caudal do xifóide, interferem positivamente na capacidade de o substituto esofágico atingir a região da anastomose, o que pode auxiliar o cirurgião em uma avaliação transcirúrgica.

O volume ocupado no tórax pelo estômago inteiro foi maior que o gastrotubo. Sendo assim, os órgãos adjacentes podem ser comprimidos mais facilmente pela repleção de conteúdo alimentar com o primeiro substituto. Contudo, exames radiográficos efetuados em pacientes humanos com estômago inteiro mobilizado no leito esofágico mostraram que o órgão adquiriu um formato tubular com o passar o tempo (PINOTTI et al., 1991). Por outro lado, segundo Bemelman et al. (1995), para prevenir o atraso do esvaziamento gástrico, o remanescente gástrico precisa ser pequeno e de baixa complacência. Para tanto, esses autores recomendaram a técnica de estômago tubulizado sem piloroplastia e não o emprego do estômago inteiro.

Na análise das raças de cães utilizadas no presente experimento não foi possível correlacionar uma raça específica com uma maior ou menor dificuldade no transcirúrgico. No entanto, especialmente nos cães de tórax

profundo, com ou sem raça definida, o acesso à região do cárdia exigiu um maior afastamento do fígado, que se tornou mais suscetível às lesões. Adicionalmente, no cão 6 do grupo 3 isso favoreceu a uma secção mais caudal na região do cárdia, gerando um gastrotubo mais curto em comprimento e com grande estoma, que se rompeu na tração para a região cervical. Assim, o uso do estômago inteiro, órgão menos suscetível à ruptura, em vez do gastrotubo parece ser mais adequado para a substituição do esôfago em cães com essa conformação.

Entre as diversas rotas para mobilização do substituto esofágico (AKIYAMA et al., 1976; ANDERSON e RANDOLPH, 1978; YAMATO et al., 1979; HIEBERT e BREDENBERG, 1995; GUPTA e GUPTA, 2004; SPITZ et al., 2004), optou-se pela intratorácica mediastinal, ou seja, a do mesmo trajeto do órgão original. O procedimento foi de fácil execução, sem necessidade de toracotomia adicional ou dissecação de tecidos e, pela posição ortotópica, permitiu a anastomose com o remanescente do esôfago cervical em posição terminoterminal, o que facilitou a avaliação endoscópica pós-cirúrgica.

Independentemente da técnica utilizada, o uso do gastroscópio foi de fundamental importância, seja para avaliação da permeabilidade do substituto gástrico e qualidade das anastomoses, ou mesmo como acessório durante o procedimento cirúrgico. Esta última função ficou evidente no cão 5 do Grupo 2, em que o equipamento foi necessário para levar a sonda acessória. A endoscopia é o método diagnóstico de eleição para avaliação da luz do aparelho digestivo, bem como foi para a avaliação da rota mediastinal, e não há, até o presente momento, outro meio diagnóstico tão sensível para detectar pequenos pontos hemorrágicos, pequenas lacerações e alterações na parede do esôfago e estômago. Fato que corrobora com os resultados de Stopiglia et al. (1991), que utilizaram, com sucesso, o endoscópio como método de avaliação pós-cirúrgica em 25 cães submetdos a esofagectomia cervical parcial.

Apesar de o estômago inteiro ser um substituto de maior luz e, conseqüentemente, mais propenso ao timpanismo e à parada de alimentos, os estudos endoscópicos do Grupo 3 mostraram tensão do gastrotubo com desvio do piloro em 5 cães. Isso promoveu dificuldade (cão 7) ou mesmo

impossibilitou (cães 4, 5, 8 e 9) a passagem do endoscópio, sugerindo que o mesmo pode ocorrer com a passagem do conteúdo alimentar.

O retardo no esvaziamento gástrico e a disfagia são complicações freqüentes na substituição esofágica, motivo pelo qual vários autores utilizam a piloroplastia no intuito de prevenir a estase gástrica (AKIYAMA et al., 1976; YAMATO et al., 1979; PINOTTI et al., 1991). A mesma conduta foi adotada para os cães dos Grupos 2 e 3, porém a validade do procedimento somente poderá ser comprovada em estudos in vivo em cães com afecções esofágicas irreversíveis de grande extensão. Pelo fato de a esofagectomia ser uma cirurgia de grande morbidade, cabe ao veterinário avaliar a necessidade cirúrgica de acordo com a qualidade de vida atual do paciente, bem como se as condições clínicas do animal permitem submetê-lo a esse tipo de cirurgia.

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