No Brasil, o primeiro relato de um isolado de K. pneumoniae produtor de KPC ocorreu
em 2006 (Monteiro et al., 2009). Até então, a resistência aos carbapenens em bactérias
Gram-negativas era mais comumente descrita em isolados de P. aeruginosa e A. baumannii produtores
de ML e/ou CHDLs (Sader et al., 2004), os quais eram facilmente reconhecidos pelos testes de
sensibilidade empregados. Em 2009, os laboratórios brasileiros, seguindo a recomendação do CLSI (CLSI, 2009), passaram a realizar o MHT para confirmação da produção de carbapenemase em isolados de enterobactérias que apresentassem redução de sensibilidade para ao menos um carbapenem, já que cepas produtoras de KPC poderiam se apresentar como sensíveis a estes compostos no antibiograma habitualmente realizado.
Com a disseminação de enterobactérias resistentes aos carbapenens pelo país, o Laboratório ALERTA passou a receber diversos isolados positivos no MHT para a confirmação
molecular da produção de carbapenemases. Sendo assim, um total de 28 isolados de K.
pneumoniae, provenientes de oito hospitais brasileiros, apresentando redução de sensibilidade
aos carbapenens foram investigados em nosso laboratório (ANEXO 1). Estes isolados foram
distribuídos em 7 diferentes genótipos através da técnica de eletroforese em gel de campo pulsado (PFGE). Embora o teste de MHT tenha sido realizado segundo as recomendações do CLSI, optamos por também realizar o teste com inóculo maior. Nesse estudo, um total de 25% e 54% dos isolados testados com o inóculo padrão e o inóculo mais alto, respectivamente, apresentaram MHT positivo quando utilizado o disco de ertapenem. Entretanto, nenhum desses isolados apresentou hidrólise pela espectrofotometria ou carreavam os genes codificadores de
carbapenemase. Os resultados falso-positivos do MHT foram atribuídos à produção de ESL,
confirmada por PCR e sequenciamento dos genes relacionados, principalmente o gene blaCTX-M-2
(86%), associada à alteração de permeabilidade devido à ausência de uma (18%) ou ambas
Resultados similares ao nosso estudo foram reportados por Pasteran e colaboradores (2009) que descreveram 25% de resultados falso-positivos no MHT associados à produção de
CTX-M ou à hiperprodução de AmpC (Pasteran et al., 2009). Entretanto, segundo os autores,
apesar da baixa especificidade, o MHT apresentava elevada sensibilidade para detecção de
carbapenemases da classe A, especificamente KPC (Pasteran et al., 2009). Em outro estudo,
Girlich e colaboradores (2012) reportaram 100% de sensibilidade do MHT para a detecção de carbapenemases das classes A e D em enterobactérias. Apesar disso no mesmo estudo, resultados falso-positivos também foram reportados (55%; 11/20) entre os isolados produtores de ESL ou hiperprodutores de AmpC (Girlich et al., 2012). No Brasil, a prevalência de
enterobactérias produtoras de ESL é elevada, chegando a 50% em isolados clínicos
hospitalares de K. pneumoniae (Gales et al., 2012), sendo a maioria destes (>90%) produtores
de CTX-M (Seki et al., 2013).
Com o objetivo de melhorar a especificidade do MHT para isolados brasileiros, Cury e colaboradores (2012) estratificaram os resultados positivos em “verdadeiros-positivos”, quando o
crescimento da cepa de E. coli ATCC 25922 tocava o halo do disco de ertapenem, e
“inconclusivo” quando o crescimento não chegava a tocar o disco (Cury et al., 2012). Apesar de
elevar a especificidade do teste (>90%) nos isolados classificados como
“verdadeiramente-positivos”, o gene blaKPC-2 foi detectado em apenas 51% dos isolados incluidos no grupo
“inconclusivo” (N=154; 28%). Consequentemente, apesar de muitos laboratórios no Brasil ainda utilizarem o MHT para detecção de carbapenemase, este deve ser utilizado com parcimônia em regiões onde a produção de CTX-M é endêmica, pois outros testes serão ainda necessários para a confirmação da produção de carbapenemases, o que poderia retardar ainda mais a liberação dos resultados.
Após relatos de resultados falso-negativos pelo MHT para isolados de enterobactérias produtores de NDM-1, a confiabilidade na sensibilidade do teste diminuiu ainda mais
(Castanheira et al., 2011; Girlich et al., 2012). Embora algumas tentativas de modificações no MHT tenham sido realizadas, elevando a sensibilidade, a baixa especificidade ainda é um fator limitante do uso clínico deste teste. Uma dessas modificações foi a execução do MHT em ágar
MacConkey ou com a adição de sulfato de zinco ao ágar Müeller-Hinton (Lee et al., 2010; Girlich
et al., 2012). Além disso, o MHT também foi avaliado para isolados de P. aeruginosa, porém um grande número de resultados inconclusivos foi observado, devido à inibição do crescimento da
cepa de E. coli ATCC 25922 ao redor dos isolados de P. aeruginosa (Lee et al., 2003; Pasteran
et al., 2011). Desta forma, apesar do CLSI ainda recomendar o uso do MHT para fins epidemiológicos e de controle de infecção (CLSI, 2014), o EUCAST, assim como a ANVISA, optaram pela recomendação de testes baseados na inibição da atividade de carbapenemases
para cada uma das classes moleculares de -lactamases (ANVISA, 2013; EUCAST, 2013).
Os testes baseados na inibição de carbapenemases, utilizando discos combinados ou por dupla difusão, foram amplamente descritos devido à sua fácil execução e alta sensibilidade (Tsakris et al, 2009; Pasteran et al., 2011; Giske et al., 2011). Inicialmente, estes testes foram
propostos para detecção de ML em isolados de P. aeruginosa, as quais geralmente
apresentam elevadas CIMs para carbapenens (Picão et al., 2008). Entretanto, o mesmo não
ocorre com isolados de Acinetobacter spp. e espécies de enterobactérias, nos quais as MLs
podem variar tanto na habilidade de conferir resistência aos substratos, ceftazidima e imipenem, comumente utilizados para triagem dessas enzimas, quanto no grau de inibição por certos
compostos (Walsh et al., 2005). Consequentemente, não há um inibidor perfeito para a detecção
de todas as MLs, e algumas destas carbapenemases podem não ser detectadas por
apresentarem-se sensíveis ou com discreta redução de sensibilidade aos carbapenens,
especialmente as amostras pertencentes à família Enterobacteriaceae (Walsh et al., 2005).
Segundo Lee e colaboradores (2003), o teste com discos de EDTA é o mais acurado
melhores resultados para Acinetobacter spp. Entretanto, quando os dois inibidores foram testados em conjunto em um único disco observou-se maior sensibilidade comparado ao teste
com cada composto isoladamente (Lee et al., 2003). Com o aumento do número de isolados de
enterobactérias coprodutoras de MLs (VIM e IMP) e KPC na Grécia, e relatos na Alemanha,
Itália, China e Colombia, a combinação de inibidores, como o EDTA e o APBA, foi proposta para evitar resultados falso-negativos com os inibidores utilizados isoladamente (Giakkoupi et al.,
2009; Miriagou et al., 2013; Rojas et al., 2013). Apesar do tempo necessário de 24 horas para a
leitura dos resultados, os testes com inibidores são uma alternativa para a detecção de carbapenemases em enterobactérias. Baseado nestes dados, o EUCAST recomendou o uso de
discos de meropenem associados ou não aos seguintes inibidores: (i) EDTA ou ácido dipicolínico
(DPA) para triagem de ML; (ii) PBA ou APBA para a detecção de carbapenemases da classe
A; e (iii) cloxacilina para distinguir isolados hiperprodutores de AmpC que poderiam falsear o teste com PBA ou APBA (EUCAST, 2013). Segundo o estudo de Giske e colaboradores (2011), o DPA apresentou menos resultados falso-positivos para isolados produtores de KPC, OXA-48 e CTX-M-15 associada à alteração de porina em enterobactérias do que o EDTA (Giske et al., 2011).
Embora discos combinados com inibidores estejam disponíveis comercialmente na Europa, Doyle e colaboradores (2012) observaram baixa sensibilidade (78-80%) para a detecção
de ML em enterobactérias, devido ao grande número de isolados produtores de IMP e VIM
(42-50%) não terem sido detectados, apesar de alcançarem 100% de sensibilidade e especificidade para aqueles isolados produtores de NDM-1 e 98-100% de sensibilidade e 93% de
especificidade para detecção de KPC (Doyle et al., 2012). Igualmente, Giske e colaboradores
(2011) reportaram 100% de sensibilidade do teste com APBA para a detecção de KPC, apesar de resultados falso-positivos terem sido observados em isolados apresentando hiperprodução de AmpC associado à alteração de porina. Entretanto, os autores relataram que tais isolados foram
discriminados quando a cloxacilina foi testada, alcançando uma especificidade de 98% (Giske et al., 2011).
Atualmente, não existe um inibidor eficiente capaz de detectar todas as CHDLs. Entretanto, segundo van Dijk e colaboradores (2014), a presença de OXA-48 pode ser sugerida pela ausência de sinergismo com inibidores de classe A e B, associada à resistência de alto grau à temocilina (CIM ≥ 32 µg/mL) (van Dijk et al., 2014; Hartl et al., 2013; EUCAST, 2013). Recentemente, a associação desse antimicrobiano ao novo inibidor de β-lactamase avibactam (potente para classe A e alguns representantes da classe D, como a OXA-48) pode se tornar uma alternativa para detecção de isolados produtores de OXA-48 em um futuro próximo (Huang et al., 2014).
Atualmente, o récem-criado Comitê Brasileiro de Teste de Sensibilidade aos Antimicrobianos (BrCAST) recomendará as diretrizes nacionais para a execução e interpretação do teste de sensibilidade aos antimicrobianos. O BrCAST é composto por representantes das quatro sociedades brasileiras, Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC), Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC). Além disso, o comitê brasileiro traduzirá e publicará os documentos do EUCAST para o público brasileiro, permitindo a ampla divulgação dessas informações no âmbito nacional. As recomendações deste comitê para a suspeita e confirmação da produção de carbapenemases ainda não estão disponíveis.
Até o momento, de acordo com as recomendações da ANVISA, testes com os inibidores PBA e EDTA devem ser utilizados para a detecção inicial de cepas produtoras de carbapenemases das classes A e B, respectivamente. O teste com cloxacilina também é indicado para inibir a atividade de AmpC plasmidial (ANVISA, 2013). Entretanto, a mesma nota técnica recomenda que testes moleculares sejam utilizados quando houver suspeita de produção de carbapenemase entre isolados produtores de AmpC cromossomais (grupo CESP -
Citrobacter spp., Enterobacter spp., Serratia marscescens, Proteus vulgaris, Providencia spp., entre outros).
No Brasil, o uso de testes moleculares ainda está restrito a poucos laboratórios de
microbiologia. Como Enterobacter spp. constitui a segunda espécie mais frequente de isolados
produtores de KPC no Brasil, o uso do teste com inibidores tem seu valor limitado para os laboratórios de microbiologia em geral. Além desta limitação, os testes com inibidores, assim como o MHT, requer tempo prolongado para confirmação do resultado, o que prejudica a rápida liberação dos resultados e, consequentemente, a introdução de terapia adequada e a aplicação de medidas de controle de infecção. Dessa forma, testes alternativos que apresentem maior sensibilidade, especificidade e rapidez são necessários na prática laboratorial (Carmeli et al., 2010).
Dentro deste cenário, uma nova metodologia revolucionou a microbiologia clínica pela sua rapidez e acurácia na identificação de patógenos, a espectrometria de massa. Porém, o teste de sensibilidade aos antimicrobianos ainda constitui uma limitação dessa técnica, e por isso, atualmente, a detecção de resistência em isolados bacterianos é um dos maiores desafios
para a espectrometria de massa por MALDI-TOF MS (Kostrzewa et al., 2013).
A maioria dos estudos da literatura se concentrou na detecção da hidrólise de
compostos β-lactâmicos, especialmente os carbapenens (ANEXO 2), provavelmente devido a
urgente demanda por testes rápidos e acurados para detecção de um dos mecanismos de resistência bacterianos mais temidos na prática clínica. Diferentemente dos ensaios acima propostos, este representa um ensaio funcional, baseado no monitoramento molecular da
atividade enzimática das β-lactamases (Kostrzewa et al., 2013). O teste baseia-se na clivagem
enzimática do anel β-lactâmico, caracterizada pela adição de uma molécula de H2O, resultando em um acréscimo de 18 Da no peso molecular do antimicrobiano. Entretanto, para alguns antimicrobianos o produto originado é instável e a reação química, após a hidrólise, se completa
com a perda de um grupo carboxila (CO2), resultando em um decréscimo de 44 Da no peso molecular do produto final do antimicrobiano. Esta mudança de massa pode ser facilmente
monitorada pelo MALDI-TOF MS (Sparbier et al., 2012; Kostrzewa et al., 2013), como
demonstrado na Figura 1 do Artigo Científico 1.
Como toda reação química, o tempo necesário para ocorrer a hidrólise de qualquer
antimicrobiano presente em uma solução depende: (i) da concentração inicial do antimicrobiano;
(ii) da quantidade de enzima presente na amostra; e (iii) da velocidade de hidrólise da enzima
em questão (kcat/Km). O pré-requisito desta reação é a presença da enzima com atividade
hidrolítica sobre a molécula do antimicrobiano testado, outros mecanismos de resistência como
alteração de porina ou efluxo não são detectados (Sparbier et al., 2012).
Alguns pontos são críticos em relação a utlização desta técnica para a detecção de carbapenemases, e a falta de padronização entre os diversos estudos pode ser observada na
Tabela 9 (ANEXO 2). O primeiro deles é o ajuste inicial do equipamento de MALDI-TOF MS,
cujo software deve permitir a adequação da faixa de massa a ser analisada. A identificação de micro-organismos nestes equipamentos utiliza a faixa de massa entre 2 000 e 20 000 Da, sendo que a molécula dos antimicrobianos possuem peso molecular abaixo de 500 Da. A otimização do equipamento é necessária para obter resolução e sensibilidade suficiente na faixa de 0 a 1.000 Da. A calibração nesta faixa de massa com três ou mais massas conhecidas torna-se crítico para
a máxima acurácia do teste (Sparbier et al., 2012). Em nosso estudo, três pontos foram
utilizados para a calibração do equipamento, permitindo uma elevada acurácia dos espectros de massas observados.
Em seu estudo, Sparbier e colaboradores (2012) monitoraram a mudança de massa de diferentes β-lactâmicos após incubação com cepas controles, caracterizadas como produtoras
de ESL e KPC, além de controles negativos (E. coli DH5α e K. pneumoniae não produtora de
cada molécula de antimicrobiano testada (ampicilina, piperacilina, cefotaxima, ceftazidima, ertapenem, imipenem e meropenem), assim como de seus aditivos de cátions (Na+ e K+) e respectivos produtos após reação de hidrólise e descarboxilação. Ao testar os carbapenens, os autores observaram diferentes comportamentos destes compostos em relação à adição de cátions, descarboxilação das moléculas após a hidrólise e visualização dos produtos da hidrólise. No momento da padronização de nosso ensaio de carbapenemase, os três compostos, ertapenem, imipenem e meropenem foram testados e diluídos em concentrações crescentes
(Tris-HCl 20 mM), ajustando-se o pH para 6,8 (pH ideal para atividade das β-lactamases) (Artigo
Científico 1). A análise do espectro do imipenem mostrou um pico de 300 Da, correspondente a
sua massa molecular [M+H+]. Entretanto, não foram visualizadas adição de moléculas de cátions
(Na+ ou K+) ou dos seus produtos de hidrólise esperados após a incubação com isolados produtores de carbapenemase (SPM-1 e KPC-2), apesar do pico de 300 Da ter claramente desaparecido. Da mesma maneira, quando testado o meropenem, apesar da visualização dos
picos correspondentes a sua massa molecular ([M+H+], 384) e à adição de Na+ ([M+Na+], 406),
não foram visualizados picos esperados correspondentes aos produtos da hidrólise após incubação com isolados produtores de KPC-2 e SPM-1. Porém os picos de 384 e 406 Da desapareceram. Outros autores apresentaram resultados semelhantes, com desaparecimento dos picos correspondentes às massas das moléculas intactas, porém sem visualização dos
produtos de hidrólise para imipenem e meropenem (Sparbier et al., 2012; Hrábak et al., 2011;
Knox et al., 2014). As possíveis explicações para este fenômeno são de que trata-se de produtos
instáveis ou de difícil ionização (o que seria um pré-requisito para a técnica de MALDI-TOF MS), ou ainda que estes produtos poderiam se ligar às estruturas celulares e não estarem presentes
no sobrenadante analisado pela técnica (Sparbier et al., 2012).
Com o objetivo de melhorar a técnica, utilizando o ensaio com meropenem, Hrábak e colaboradores (2012) sugeriram modificações na solução de diluição do meropenem,
adicionando SDS a 0,01%, para evitar a aderência dos produtos às estruturas celulares. Segundo o estudo, com este ajuste foi possível a visualização dos picos correspondentes às moléculas de meropenem hidrolisada e descarboxilada adicionadas ou não a mol[eculas de sódio ([Mhidr./desc.+H+], 358 Da; [Mhidr./desc.+Na+], 380 Da) (Hrábak et al., 2012). A interpretação dos espectros de massas é o ponto mais crítico deste ensaio. Desta forma, a facilidade da clara
visualização dos picos das moléculas de ertapenem ([M.+ H+], 476 Da) assim como seu aditivo
de sódio ([M + Na+], 498 Da) e dos produtos de hidrólise correspondentes ([Mhidr.+H+], 494 Da;
[Mhidr./desc.+ H+], 450 Da e [Mhidr./desc.+ Na+], 472 Da), fazem com que este carbapenem seja a
molécula preferencial para ser testada contra isolados produtores de carbapenemases (K.
pneumoniae produtora de KPC-2, P. aeruginosa produtora de SPM-1 e Acinetobacter spp.
produtor de OXA-23) (Artigo Científico 1). O uso do ertapenem em um ensaio para detecção de
carbapenemases em isolados de P. aeruginosa e Acinetobacter spp. poderia ser questionável,
uma vez que este composto não tem atividade contra estes patógenos. Entretanto, a inatividade deste composto ocorre por impermeabilidade da membrana nestes dois patógenos, sendo que
em P. aeruginosa é consequente à hiperexpressão de sistemas de efluxo e em Acinetobacter
spp. pela redução do tamanho das porinas. O princípio da detecção de carbapenemase pelo MALDI-TOF MS está na capacidade das bactérias em modificar a molécula do ertapenem, o que somente ocorrerá na presença de uma carbapenemase. Porém, como as β-lactamases encontram-se no espaço periplasmático das bactérias Gram-negativas, o ertapenem precisa entrar na célula bacteriana para sofrer modificação, o que pode justificar o maior tempo
necessário para a detecção de carbapenemases em isolados de Acinetobacter spp., onde o
influxo pode ser mais lento (Artigo Científico 1; Kempf et al., 2012; Lee et al., 2013). Este fato associado à lenta capacidade hidrolítica das CHDL em geral, poderia explicar a demanda por um
período de incubação mais prolongado para isolados de Acinetobacter spp (Artigo Científico 1;
Em nosso estudo, o ensaio utilizando o ertapenem como substrato durante 2 horas de incubação, apresentou 100% de sensibilidade e especificidade para a detecção de
carbapenemase em enterobactérias e P. aeruginosa produtoras de diferentes enzimas, inclusive
as variantes de GES, para as quais resultados falso-negativos foram reportados com o teste
CarbaNP (Tijet et al., 2013; Artigo Científico 1). Até o momento, todos os estudos que
avaliaram a atividade de carbapenemase pela técninca de MALDI-TOF MS, utilizando o ertapenem como substrato, reportaram 100% de sensibilidade e especificidade (Burkhradt & Zimmermann, 2011; Sparbier et al., 2012; Hoyos-Mallecot et al., 2014; Lee et al., 2013; Vogne et
al., 2014). Portanto, este parece ser um excelente substrato para a detecção de
carbapenemases em enterobactérias e P. aeruginosa. Da mesma maneira, tais estudos
utilizaram o mesmo critério para a interpretação dos resultados, ou seja, a ausência dos picos correspondentes à massa molecular do ertapenem e seus aditivos de cátion. Dessa forma, estes estudos, apesar de diferirem em relação à concentração do antimicrobiano (de 0,25 a 0,5 g/L, ou disco de 10 µg em 1 mL de solução), à solução utilizada (Tris-HCl 20 mM pH ajustado, NaCl 0,45% ou citrato de amônio) e ao tempo de incubação (de 1 a 12 horas), tornam-se comparáveis quanto aos critérios interpretativos. Tornando-os mais próximos de uma possível padronização inter-laboratorial do que aqueles que utilizaram como substrato o imipenem ou meropenem.
Os estudos que utilizaram imipenem como substrato, além de variarem quanto à concentração do antimicrobiano (de 0,25 a 0,5 g/L), à solução utilizada (Tris-HCl 20 mM pH ajustado ou NaCl 0,45% ou citrato de amônio) ou ao tempo de incubação (de 1 a 4 horas), também diferiram quanto aos critérios de interpretação de positividade, possivelmente em consequência à dificuldade de visualização dos picos correspondentes às moléculas hidrolisadas, o que torna difícil a comparação entre os seus resultados (Sparbier et al., 2012; Kempf et al., 2012; Alvarez-Buylla et al., 2013; Sauget et al., 2014; Knox et al., 2014). Entretanto, a seleção deste substrato poderia trazer benefício para a detecção de CHDLs, especialmente em
isolados de Acinetobacter spp., uma vez que constitui-se no substrato preferencial destas enzimas (Queenan & Bush, 2007).
Entre os cinco estudos que avaliaram isolados de Acinetobacter spp., apenas dois
utilizaram imipenem como substrato (Kempf et al., 2012; Alvarez-Buylla et al., 2013). Kempf e
colaboradores (2012) testaram 63 isolados de Acinetobacter spp. produtores de OXA-23 (n=57),
OXA-24 (n=3) e coprodutores de OXA-23 e OXA-24 (n=3), alcançando 95% de sensibilidade após duas horas de incubação e 100% quando o período de incubaçao foi ampliado para 4 horas (Kempf et al., 2012). Da mesma forma, em nosso estudo, a incubação por quatro horas foi
suficiente para detecção de todos os isolados de Acinetobacter spp. produtores de CHDLs
(OXA-23, OXA-24, OXA-143, OXA-25, OXA-26 e OXA-58) utilizando ertapenem como substrato. Porém, com duas horas de incubação, apenas 33% destes isolados teriam sido reconhecidos como produtores de carbapenemase. O mesmo período foi reportado por Lee e colaboradores (2013), em ensaio semelhante ao nosso (Lee et al., 2013). Já no estudo de Alvarez-Buylla e colaboradores (2013), os autores compararam diferentes soluções, inóculos bacterianos e concentrações de imipenem com objetivo de potencializar a reação e minimizar o tempo de
detecção de isolados de Acinetobacter spp. produtores de IMP e diferentes CHDLs
(Alvarez-Buylla et al., 2013). A melhor combinação encontrada, segundo os autores, constituiu-se no
conjunto de Tris-HCl ou NaCl, 1 g/L de imipenem e 1010 UFC/mL de inóculo bacteriano com uma
hora de incubação. Nessas condições, os autores detectaram 100% dos isolados testados. Entretanto, diferentemente do critério utilizado por Kempf e colaboradores (2012) (desparecimento do pico 300 Da), Alvarez-Buylla e colaboradores (2013) utilizaram critérios mais subjetivos, como a redução significativa dos picos de 300 Da e 489 Da, sendo a massa de 489 Da correspondente à composição do imipenem com a matriz. Esta modificação no critério de positividade poderia explicar a diferença no tempo de detecção entre os dois estudos, uma vez
que no estudo de Alvarez-Buylla e colaboradores (2013) a hidrólise de todo conteúdo de imipenem pela amostra foi necessária para classificá-la como positiva.
Entre os estudos que avaliaram a detecção da atividade de carbapenemase de isolados produtores de OXA-48, dois utilizaram o imipenem como substrato. Sauget e colaboradores (2014) detectaram 99% dos 92 isolados de enterobactérias produtoras de OXA-48, com 97% de especificidade, utilizando uma hora de incubação, e a razão entre as áreas dos picos do imipenem e de seu metabólito como critério de positividade (Sauget et al., 2014). Entretanto, este é o único estudo na literatura que reporta o pico de 254 Da como correspondente a um metabólito da hidrólise do imipenem. Knox e colaboradores (2014) também utilizaram o imipenem para detectar a produção de carbapenemases em enterobactérias, dentre as quais a OXA-48 (n=4). Naquele estudo, os autores compararam estes resultados com o teste CarbaNP (Knox et al., 2014). Os autores consideraram apenas o desaparecimento do pico de 300 Da, como critério de positividade. Todos os isolados produtores de OXA-48 foram detectados pela técnica de MALDI-TOF, enquanto que três destes não foram detectados pelo teste CarbaNP.