• Nenhum resultado encontrado

Discussão das observações nas aulas de Língua Portuguesa e Matemática

5.2 OBSERVAÇÕES ANTERIORES AO PROGRAMA DE AÇÃO DE FORMAÇÃO

5.2.3 Discussão das observações nas aulas de Língua Portuguesa e Matemática

Tendo em vista as aulas observadas de Língua Portuguesa e Matemática, a discussão

será apresentada de acordo com o desenho elaborado para o roteiro de observação (ANEXO

3).

Durante as aulas observadas, nota-se que entre Marisa e João ainda há um certo

distanciamento, por mais que a professora tenha comentado na entrevista e informalmente que

promove estratégias para aproximá-lo dela. O que fica evidente nas observações é que, se o

aluno está quieto, sem atrapalhar o andamento de sua aula, ela não promove ações para

aproximá-lo, estreitar relação com a criança.

Esse certo distanciamento talvez possa ser motivado pelo fato de a professora não

possuir embasamento sobre TEA. Dessa forma, ela não conhece as características centrais do

transtorno, não sabendo como realizar as mediações de maneira que seu aluno possa

progredir.

Conceber a definição do transtorno, suas características, níveis de gravidade, torna-se

imprescindível para que o aluno receba um novo olhar em relação às suas dificuldades e

potencialidades, uma vez que, a partir disso, a docente conseguirá adequar suas práticas de

acordo com a realidade de seu aluno e repensar estratégias de interação entre professora,

aluno e colegas.

Durante o período de observação, notei em sua fala que ela deveria “deixar pra lá

seus comportamentos inadequados”, pois ele era assim mesmo e ela que precisava aprender a

lidar com essa situação. Diante dessa fala, percebemos o quão valiosos são os momentos em

que a docente deixou passar por não realizar uma intervenção correta com João, por não saber

como lidar com o comportamento do aluno, por exemplo.

Nesse sentido, devido à falta de embasamento sobre essa condição e faltar uma

aproximação com o aluno, haja vista que ela, muitas vezes, permite suas saídas da classe sem

autorização ou a execução de suas atividades sem intervenção, observa-se falta de repertórios

de como lidar com o aluno com TEA. Em função disso, observa-se que o relacionamento com

os colegas da classe também não é adequado. João não é adequadamente acolhido pelo grupo

de seus colegas, que, muitas vezes, o excluem das atividades e conversas, e seus

apontamentos não são levados em consideração pela professora e amigos.

Sendo assim, caso a professora mediasse de maneira mais adequada os

comportamentos do João, e também conversasse com a classe sobre ele, poderia ampliar sua

rede de relações e ele seria mais aceito pela sala.

Notamos que a dinâmica frequentemente observada em diferentes escolas está

pautada em excluir incluindo, tendo relação direta com o processo de inclusão. De nada

adianta cumprir a lei em matricular o aluno em condição de inclusão em sala regular, se a ele

não forem garantidas condições de escolarização, sendo necessária uma metodologia de

ensino que consiga ser eficaz a esse aluno. Analisando a inclusão de uma maneira ampla,

observa-se que a garantia de matrícula em uma sala de aula regular é a parte mais simples

desse processo, uma vez que todos os envolvidos precisam estar dispostos a romper barreiras

e preconceitos, de modo a não se implantar assim uma inclusão perversa com essa criança

(ANTUNES, 2016).

A criança com TEA tem déficit de habilidade social, que a mantém distante das

outras crianças, por exemplo. Isso ocorre porque faz parte das características do transtorno

dificuldade colocar-se no lugar do outro (teoria da mente), fazer suposições literais sobre o

que os outros pensam ou sentem, ter dificuldade de prever o que os outros falarão ou como se

comportarão (DUARTE; VELLOSO; SCHWARTZMAN, 2015).

Desse modo, essas dificuldades afetam as relações interpessoais e a aprendizagem,

pois interferem na compreensão e na interpretação de textos, no entendimento de

comportamentos sociais, assim como instruções dadas pela professora.

Nesse sentido, percebe-se que momentos valiosos e privilegiados, em que as escolas

poderiam oportunizar ao educando em condição de inclusão, são perdidos, tendo em vista que

poderia ser um local enriquecedor por conta da interação com outras crianças e pelas

intervenções mediadas pela professora, podendo propiciar o desenvolvimento de diversas

habilidades da criança, além da importância dos outros alunos aprenderem a lidar com as

diferenças (LEMOS; SALOMÃO; AGRIPINO-RAMOS, 2014).

Outro ponto a ser discutido está centrado em relação às propostas e atividades

pedagógicas para o João, não foram observadas adaptações nas atividades para ele. Apesar de

não ter comorbidade com deficiência intelectual, as consignas das atividades eram longas, o

que prejudicava o seu tempo dedicado à tarefa e, consequentemente, seu entendimento.

Em relação às intervenções realizadas pela professora para mediar a aprendizagem

do aluno em condição de inclusão, foram observados vários momentos em que elas poderiam

ter sido feitas e não foram. Todas as explicações dadas sobre a tarefa eram longas, deixando o

João incomodado, apresentando, inclusive, estereotipias em relação a balançar o corpo.

Quando o aluno solicitava auxílio, a professora pedia que ele esperasse ou repassava a mesma

explicação dada anteriormente, ocasionando dificuldade de compreensão por parte do João.

De acordo com o estudo de Lemos, Salomão e Agripino-Ramos (2014), faz-se

necessário que os professores tenham capacitação adequada de modo que consigam realizar

estratégias referentes à comunicação verbal e não verbal para que propiciem a aprendizagem

para a criança com autista.

Foi observada falta de estratégias realizadas pela professora para incluir o aluno

efetivamente. Durante a atividade em Língua Portuguesa, em grupo, ficou claro que a

professora não se deu conta que seria importante ajudar João a encontrar uma dupla com

quem faria a tarefa, sabendo que a classe não tinha ações de aproximação com ele, uma vez

que os alunos não tinham o hábito de falar com ele sobre qualquer outro assunto.

Mesmo o aluno sem grupo, a professora não teve ciência do fato, pois ela não se

reportava a ele ou procurava saber com quem faria a atividade. De acordo com Marisa, sua

atitude estava embasada no fato de dar autonomia para o João; desejava tratá-lo da mesma

forma que os outros alunos. Porém, ficou claro que ela não sabia como trabalhar com o aluno

com TEA. Dessa forma, não sabia passar isso aos outros alunos, realizar um trabalho para

incluí-lo ao grupo que pertencia: a sua sala de aula.

As pesquisas apontam que, para conhecermos pessoas, é necessário entendermos e

experimentarmos relações sociais, ou seja, participarmos de grupos sociais. Nesse sentido, as

relações interpessoais acarretam em uma relação interpessoal plena, no momento em que

exista reciprocidade entre os sujeitos da ação, permitindo partilhar vivencias e experenciar

situações. Pensando no ambiente escolar, podemos inferir sobre as relações estabelecidas

entre aluno e professor ou com seus colegas. Tal relação pode ser influenciada de acordo com

as situações vividas nesse ambiente, observando que alguns alunos são mais aceitos pelo

grupo do que outros, de acordo com o comportamento de cada indivíduo. Porém, para que

exista uma interação social de troca entre os indivíduos, é necessário que haja diálogo e

envolvimento afetivo. Será por meio do diálogo e do envolvimento afetivo na interação social

que teremos o fenômeno social de compartilhar (HOBSON, 1993; MARTINELLI;

SCHIAVONI, 2009; TONDIN; NARDON; PIECZKOWSKI, 2016; PAGNI, 2017).

De acordo com os fatos aqui citados, utiliza-se como embasamento o estudo de

Mazzotta e D’Antino (2011) que explica o motivo de ocorrer exatamente ao contrário do que

Hobson (1993) propõe. Segundo os pesquisadores, existem dois pontos cruciais em relação à

inclusão: discurso e ação, gerando uma certa ambiguidade nessa temática. O discurso

inclusivista está presente na fala da professora, mas sua ação é contrária à sua fala. Tal fato

ocorre, provavelmente, pela falta de conhecimento em relação ao transtorno e em como lidar

com crianças em situação de inclusão, causando, muitas vezes, estranheza, acarretando no

afastamento das pessoas em relação à criança.

Diante dos fatos expostos, percebemos que a falta de formação da professora em

relação ao TEA é a ponta do iceberg, acarretando em uma reação em cadeia. A falta de

manejo da professora em relação ao João não a fez explorar seus conhecimentos e

potencialidades durante a correção das tarefas, assim como a contribuição oral sobre o

conteúdo estudado.

Tal afirmativa pode ser embasada pelo fato ocorrido na aula de Matemática, sobre

expressões numéricas. A professora desconstruiu o pensamento do aluno sobre a

multiplicação 2X5 quando ele realizou 2+2+2+2+2 e ela disse que estava errado, pois não fez

a multiplicação. Na verdade, para que a criança compreenda a multiplicação, ela precisa

internalizar primeiro que a base da multiplicação nada mais é do que o pensamento aditivo.

De acordo com a teoria da aprendizagem de Ausubel (1982), os conhecimentos

prévios dos alunos devem ser valorizados por parte do professor, de modo que consigam

construir estruturas mentais. Sendo assim, a aprendizagem significativa acontece sempre que

um novo conhecimento é relacionado com outro já existente. Dessa maneira, o professor

precisa estabelecer relação entre o conhecimento que o aluno traz e o que está aprendendo

sobre o mesmo. É imprescindível que o professor gere questionamentos e não desconstrua o

conhecimento que ele apresenta.

A utilização do conhecimento da adição para se chegar à multiplicação poderia ser

uma proximação a essa função utilizada professora para leva-lo ao raciocínio da

multiplicação. De acordo com Piaget,o conhecimento é decorrente das contínuas interações

entre o organismo e ambiente, processo de desenvolvimento se dá de modo contínuo pelo

estabelecimento do equilíbrio entre uma estrutura precedente e uma ação do meio, sendo que

essas estruturas se sucedem e assim asseguram equilíbrio mais estável do que o anterior, em

direção a estruturas mais abrangente (FERRACIOLI, 1999).

Nesse sentido, percebemos que, além de o aluno não ser incluído socialmente em

relação aos colegas de turma, a professora não realizava as intervenções necessárias para a

evolução pedagógica do João.

Observou-se em vários momentos da aula que a professora não deixava claro para o

aluno com TEA, talvez porque não estivesse claro para ela, quais eram são seus objetivos com

aquela aula, suas expectativas, nem ressignificar sua aula devido a alguma intercorrência,

sendo difícil para a criança, pois a profissional não conseguia trabalhar suas potencialidades e

fraquezas.

5.3 O PROGRAMA DE AÇÃO DE FORMAÇÃO

O programa de ação de formação sobre práticas pedagógicas em inclusão

relacionadas ao TEA aconteceu em quatro encontros de duas horas cada. Para esse momento,

a escola disponibilizou uma sala de aula vazia, onde somente a pesquisadora e a professora

estivessem presentes, sem interrupção de outra pessoa.

Os encontros foram descritos separadamente para que ficasse claro o que ocorreu a

cada momento. Com o objetivo de não perdermos a descrição do programa, a discussão sobre

esse momento ficou após o quarto encontro, com o intuito de analisar o percurso de maneira

ampla.

5.3.1 Primeiro encontro: expectativas do processo de inclusão

No primeiro dia do programa de ação de formação, Marisa disse que estava

extremamente ansiosa, pois queria aprender sobre TEA. A conversa foi iniciada perguntando

à professora quais eram suas expectativas em relação ao processo de inclusão.

“Eu quero aprender a trabalhar com alunos em condição de inclusão, porque, muitas

vezes, sei que o aluno está ali na sala e que poderia fazer um trabalho diferenciado

com ele. Há uma infinidade de transtornos e síndromes, o que acaba me deixando

confusa, porque sei que não posso trabalhar com todos da mesma forma, mas se eu

souber o mínimo, poderei fazer algo diferente na vida escolar do aluno.”

A docente citou muito sua situação com o João, pois, de acordo com ela, precisou se

reinventar a cada dia em relação à sua prática pedagógica, porque sabia que aquilo que havia

dado certo com ele no dia anterior poderia ser que não desse certo no outro dia. Ressalta que

fazia tudo isso com base nos vídeos que assistia ou mesmo ia pelo caminho de tentativa do

erro e acerto.

Ela relata que sabe da importância da inclusão não somente para o aluno, mas

também para a sociedade de maneira geral. Para ela, todos devem conviver com todos os tipos

de pessoas para que seja “uma sociedade mais justa, mais tolerante em relação às limitações

das pessoas”.

Durante a conversa, Marisa disse que João foi primeiro aluno em condição de

inclusão, não sabia muito sobre esse tema, mas que queria aprender para fazer algo diferente

em sala de aula para ele. De acordo com ela, utilizou muito o senso comum para lidar com

João, mas sabe que o referencial teórico faltou em sua prática para que fizesse um trabalho

diferenciado com ele. Frisou que ele avançou em relação ao comportamento, pois não destruía