5.3 O PROGRAMA DE AÇÃO DE FORMAÇÃO
5.3.5 Discussão sobre o programa de ação de formação
A inclusão escolar de alunos com TEA é considerada uma das mais difíceis por conta
de ter diferentes níveis e graus de comprometimento. Também podem apresentar prejuízos
significativos quanto ao comportamento, interação social e comunicação. Dessa maneira, o
transtorno em questão causa muitas dúvidas ao professor em relação à inclusão desse aluno,
uma vez que ele se sente perdido em relação ao manejo comportamental e propostas
pedagógicas para a criança.
De acordo com a pesquisa realizada por Brentani e colaboradores (2013), estima-se
que aproximadamente 60% a 70% das pessoas com TEA possue algum nível de deficiência
intelectual. Já os autistas de nível leve apresentam frequentemente habilidades intelectuais
preservadas.
Sendo assim, o programa de ação de formação foi concebido com o objetivo de
oportunizar à professora a relação entre teoria e prática em relação ao transtorno, uma vez
que, de acordo com as pesquisas apresentadas neste trabalho, as produções científicas
envolvendo inclusão escolar de TEA no Ensino Fundamental I ainda são escassas no Brasil,
gerando angústia e despreparo por parte dos professores em como trabalhar com essa criança.
O primeiro encontro do programa de ação de formação esteve centrado nas
expectativas sobre o processo de inclusão. Nessa primeira etapa, Marisa demonstrou bastante
interesse em querer aprender a trabalhar com alunos em condição de inclusão, apesar de
nunca ter participado de nenhum curso de formação continuada. Ela se mostrou muito
consciente das dificuldades e de como seu trabalho poderia ter sido diferente se tivesse em
mãos o conhecimento. É interessante perceber em sua fala que ela tem consciência que,
quanto mais repertório teórico tiver, mais ela poderá contribuir para a evolução acadêmica de
seu aluno, mas não foi motivo suficiente para que ela buscasse ir além de sua formação inicial
no curso de Pedagogia para embasar sua prática.
Diante da fala da professora, notamos que sua formação se encontra desatualizada
em relação à inclusão escolar. Sua formação inicial foi concluída em 1995, apenas um ano
após a Declaração de Salamanca (1994), com o objetivo de fornecer diretrizes básicas para a
formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais de acordo com o movimento de
inclusão social. Na sequência, ocorreu a promulgação da LDB 9394/96, com a qual foi
instituído, entre outros aspectos na educação, um capítulo destinado à inclusão escolar.
Dessa maneira, percebemos que todo o movimento ocorrido em relação à inclusão
escolar, a partir da segunda metade dos anos 90, Marisa não presenciou durante formação
inicial, nem fora dos muros da universidade, uma vez que não se capacitou para compreender
toda reestruturação que a educação estava e ainda passa sobre a inclusão.
Nesse sentido, fica claro notar sua necessidade de ter mais conhecimento da
temática, ressaltando que há uma infinidade de transtornos e deficiências, deixando-a confusa
em como trabalhar com esses alunos. Porém, é importante dizer que, antes de saber como
trabalhar com alunos em condição de inclusão, os professores precisam estar dispostos a
conhecer o novo e querer fazer a diferença na vida do educando.
Nessa perspectiva, Delors (1998) aborda pontos centrais em relação à prática
pedagógica, os quais devem estar centrados nos quatro pilares fundamentais da aprendizagem:
aprender a ser (explicita o papel do cidadão e o objetivo de viver), aprender a conviver (traz o
desafio da convivência que representa o respeito ao outro), aprender a conhecer (indica o
interesse, a abertura para o conhecimento) e aprender a fazer (a coragem de fazer, de errar na
busca de acertar).
Em relação ao segundo encontro, ele esteve pautado nas principais condições clínicas
do TEA. A discussão embasada na temática foi bastante rica utilizando como instrumento
para esse momento o livro Manejo comportamental de crianças com transtorno do espectro
autista em condição de inclusão escolar. O livro escolhido como instrumento no programa de
ação com a professora é de fácil compreensão por ter linguagem clara, sendo acessível mesmo
para aqueles que não têm conhecimento prévio em relação ao tema, assim como a
apresentação de exemplos corriqueiros, em contexto escolar, envolvendo teoria e prática.
Para elucidar um dos exemplos trazidos pelo livro em relação à interação social, o
material aborda uma situação de uma criança que só queria conversar com os colegas sobre
dinossauros, passando a impressão de chato, por não conseguir dialogar sobre outros temas,
sendo excluído por sua insistência nesse tipo de assunto. Pautado nesse exemplo, o livro
mostra que a criança com TEA tem seu contato social prejudicado pelo transtorno, não sendo
ela desinteressada em relação aos outros assuntos a serem tratados, mas porque não sabem
interagir e manter vínculos.
Durante o programa, a professora esteve atenta a todos os detalhes, questionando
sempre que tinha alguma dúvida. Fez diversas anotações para que pudesse ter em sua posse
assuntos abordados que ela julgasseserem importantes de guardar.
Trazer à profissional essa temática fez compreender a importância de sabermos, de
fato, quem é o aluno em condição de inclusão, desde a terminologia de espectro até os níveis
de gravidade que o transtorno apresenta.
Nessa percepção, Silva e Balbino (2015) relatam a importância da formação
continuada do professor, pois está intrinsecamente ligada a ensino-aprendizagem de alunos
com TEA, uma vez que o docente sentirá capacitado em relação a sua prática em sala de aula,
oportunizando melhora em relação ao ensino desses alunos.
Apesar da formação universitária de Marisa ser anterior às novas propostas
educacionais, ela demonstrou querer conhecer sobre o transtorno para ressignificar sua
prática, demonstrando interesse constantemente pelos temas abordados. As reflexões sobre as
condições clínicas dos TEA fizeram com que ela compreendesse o motivo pelo qual João tem
determinados comportamentos e o que poderia fazer para que isso fosse minimizado.
A falta de conhecimentos específicos sobre TEA contribuiu para que a professora
proporcionasse ao aluno autonomia em relação à escolha de lugar para sentar, ficando longe
de sua mesa, por exemplo. Tais atitudes podem acarretar prejuízos para crianças com TEA,
uma vez que como dito anteriormente, é importante que seu lugar esteja o mais próximo
possível da mesa da professora para que consiga manter seu foco de atenção.
Outro ponto a ser discutido é em relação à rotina, ponto importante para o TEA. A
rotina se faz importante para a criança com esse transtorno, pois ela necessita de uma previsão
sobre o que ocorrerá em seu dia. Isso faz com que o aluno sinta segurança e consiga cumprir
seus objetivos. Utilizar estímulos visuais para o estabelecimento de regras e instruções auxilia
os TEA, como forma de orientação sobre as tarefas que devem ser cumpridas (KHOURY et
al., 2014).
Na fala da professora, ficou claro que ela não tinha conhecimento sobre esse aspecto,
o que, muitas vezes, acarretava a emissão frequente de comportamento inadequado ou
estereotipias.
Dessa maneira, observa-se o quanto a formação continuada para inclusão escolar dos
TEA é primordial para que a professora da criança compreenda quem é esse aluno, quais são
suas limitações, potencialidades e o que fazer para que ela consiga se desenvolver tanto
socialmente quanto pedagogicamente.
Após a apropriação do conhecimento em relação às principais condições clínicas dos
TEA, no terceiro encontro foi abordado sobre o manejo comportamental das crianças com o
transtorno em questão.
De acordo com o que foi discutido no encontro, Marisa salienta que tudo parecia ser
bastante simples em relação ao manejo comportamental do TEA, porém no dia a dia passava
despercebido. Sua afirmativa foi embasada após a explanação sobre o tema citado pela
professora, onde os dois princípios básicos estão centrados nos seguintes aspectos:
compreender que os comportamentos ocorrem em virtude da relação entre os eventos e a
importância da intervenção em relação ao comportamento.
Nessa perspectiva, Khoury e colaboradores (2014) apresentam em seu estudo que o
comportamento da criança dependerá do que ocorre antes e depois dele mesmo. Dessa
maneira, boas consequências oportunizam o aumento da frequência de ocorrências do
comportamento, e deve ser utilizado para os comportamentos adequados. Já as consequências
aversivas acarretam na diminuição de ocorrências em relação ao comportamento, mas não
ensinam repertórios e não se mantêm a longo prazo.
Dessa maneira, utilizando como referência para o nosso encontro a análise aplicada
do comportamento, Marisa fez relações sobre determinados comportamentos do João.
Segundo a professora, muitas vezes não realizava nenhuma mediação e deixava ele se
acalmar, porque achava que esse tipo de comportamento estava ligado ao transtorno, quando,
na verdade, ela não compreendia o motivo de o fato ter ocorrido por não refletir sobre o que
havia acontecido antes do evento nem depois dele.
A professora ressaltou em sua fala como foi importante ouvir sobre o reforçador
positivo, uma vez que isso parece ser óbvio, mas que a rotina excessiva a deixa esquecer,
ressaltando apenas o que está errado. Marisa foi além ao dizer que tudo que aprendeu sobre
manejo comportamental foi importante para trabalhar com o TEA, mas que algumas coisas,
por exemplo, o reforçador positivo, ela utilizará com os demais alunos.
O reforçador positivo é importante para a aprendizagem de novos comportamentos,
porém é preciso que, durante a intervenção, deixe claro à criança o comportamento que está
reforçando, para que o aluno saiba por que foi elogiado. É extremamente importante que esse
reforçador seja utilizado no momento do comportamento (KHOURY et al., 2014).
No quarto e último encontro do programa de ação de formação, foi discutido sobre as
propostas pedagógicas para o João. A teoria apresentada nos três encontros anteriores,
interligando embasamento teórico e a realidade da professora, em sala de aula, a fez repensar
sua prática.
Nesse sentido, as discussões dos encontros anteriores e o conhecimento adquirido no
programa fizeram com que a docente percebesse que, a partir do seu entendimento sobre as
condições clínicas do TEA e o comportamento, ela conseguisse compreender o que antecedeu
para que ele tivesse tido determinada atitude.O detalhamento na explicação das atividades ela
ressalta que acreditava que estava fazendo da maneira correta, mas foi apresentado a ela que
precisa usar instruções claras, diretas e simples para cada tarefa. Ela compreendeu que é
necessário dividir uma instrução complexa em várias instruções simples.
Tendo em vista o conhecimento adquirido, as limitações, potencialidades e sua
realidade em sala de aula com João, Marisa conseguiu elaborar duas atividades, sendo uma de
Língua Portuguesa e outra de Matemática, de acordo com a relação feita nos encontros entre
teoria e prática. As observações das aulas contendo essas atividades e a discussão sobre elas
estão descritas mais adiante em “Observações posterior ao programa de ação de formação”.
5.4 ENTREVISTA COM A PROFESSORA PÓS-PROGRAMA DE AÇÃO DE
No documento
FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E SEUS EFEITOS NA PRÁTICA
(páginas 72-77)