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5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.2 FAMÍLIA SANTOS

5.2.5 Discussão do caso: Família Santos

Refletindo sobre os dados encontrados nesta família, identificamos que Rosa e Márcio trouxeram as suas concepções de autonomia exemplificadas em suas práticas educativas cotidianas, havendo diferenças significativas entre eles no que se refere aos estilos e práticas educativas adotadas. Tal dado pode ser observado na fala de

Márcio quando explicitou que, quando ele e a esposa discutem sobre Luís poder comprar pão sozinho ou não, estão refletindo a respeito de questões que envolvem a

autonomia do filho.

Márcio e Rosa afirmaram que, desde o nascimento dos filhos, se preocupam em assumir práticas educativas que favoreçam a autonomia destes. Porém, Márcio apresentou mais coerência entre as suas intenções e práticas educativas, se comparado a Rosa. As condutas de Márcio mostraram-se permeadas pelo diálogo, suporte e orientação em situações cotidianas. Desta maneira, podemos perceber que ele adota práticas educativas indutivas visando favorecer o desenvolvimento da autonomia do filho. São exemplos: ainda na infância de Luís, o permitiu que levasse à tesouraria da escola o pagamento do passeio escolar, após ter convencido à esposa sobre a importância para o filho de tal permissão. Já na adolescência de Luís, o acompanhou até o metrô para que dali o filho fosse sozinho realizar a prova do Enem, explicando-lhe passo a passo sobre a necessidade de ficar atento com as questões que envolvem a sua segurança, ou quando concordou que o filho, na companhia dos colegas da escola, fosse caminhando até o Mc Donald´s, localizado no mesmo bairro. Ele referiu-se à criminalidade como um dos seus maiores medos que envolvem a liberdade de circulação do filho, mas demonstrou não ser este um aspecto que o impede de autorizá-lo a vivenciar experiências sem a presença dos pais no âmbito externo à casa, pois reconhece a importância de tais vivências para o filho.

A respeito das práticas educativas indutivas adotadas pelos pais, Hoffman (1975) refere que são aquelas que indicam às crianças e/ou adolescentes as conseqüências de seu comportamento sobre o ambiente, sobre outras pessoas, e sobre si mesma, proporcionando à reflexão sobre os aspectos lógicos da situação. O autor acrescenta que funciona como um meio de controle indireto, que coloca o indivíduo como responsável pelas conseqüências de seus atos.

Do mesmo modo, observamos nos exemplos apontados acima estratégias educativas de Márcio que estimulam a autonomia atitudinal do filho, bem como a sua autonomia condutual. A primeira compreende a percepção de metas pelo exame das oportunidades e desejos, considerando os processos cognitivos para criar as possibilidades de fazer suas próprias escolhas e se evidencia quando os jovens são hábeis para definir suas metas e pensar sobre seus atos (NOOM, DEKOVIC; MEEUS, 2001). A autonomia condutual, de acordo com estes autores, refere-se à percepção de estratégias pelo exame do autorrespeito e controle, capacidade de tomar decisões

e tratar os próprios assuntos sem a ajuda dos pais. Consiste no processo regulador do comportamento adolescente, no desenvolvimento de estratégias e habilidades para alcançar as suas próprias metas.

Em contrapartida, Rosa, embora tenha ressaltado a importância dos pais favorecerem a autonomia dos filhos, revelou adotar práticas superprotetoras com aspectos autoritários. Demonstrou rigidez às suas crenças e a valores vivenciados em sua família de origem, bem como dificuldades em lidar com as mudanças sociais, as quais exigem novas condutas no manejo com os filhos. Em outras palavras, Rosa estabelece condutas guiadas por um modelo mais hierárquico frente aos filhos, tendo utilizado de argumentos que perpassam pela idade e posição hierárquica para a obediência destes. A este respeito, Caldana (1998) acrescenta que, tais aspectos estão relacionados à falta de um padrão de educação que integre práticas educativas coesas, tanto entre as famílias quanto dentro de uma mesma família, e às transformações nas relações familiares ocorridas com a transição de um ideal tradicional para o moderno.

Nesta perspectiva, apontamos para as constantes tensões nas relações pais e filhos no processo de transiçao geracional, nas quais há confronto de valores entre as gerações. A este respeito, Coelho (2005) afirma que:

O descompasso vivido por esses sujeitos, os mais velhos, leva-os a rever e a reformular seus valores, a partir dos conflitos, e, ao mesmo tempo, continuar a tradição. Da mesma forma, os mais jovens estão questionando esses valores antigos e trazendo novos, numa velocidade contemporânea que dificulta a cristalização da experiência, trazendo confrontos mais

constantes (COELHO, 2005, p. 201).

Desta maneira, fazendo referência à forma como Rosa foi educada, esta referiu que “competir com o que eles têm acesso nos dias de hoje é difícil“. À isso, Pratta; Santos (2007) afirmam que, no momento que o pai ou a mãe vê-se envolvido com o processo educativo dos filhos, esses valores entram em choque, o que leva a se

perceberem destituídos de um referencial para seguir. Muitas vezes, se mostram

contraditórios na educação dos filhos, resultando em práticas educacionais inconsistentes que influenciam no desenvolvimento.

Cerveny et al (1997), ao discorrerem sobre os efeitos para os filhos em famílias

cujas decisões e autorregulação são limitadas, destacam as repercurssões para os jovens que tendem a ficar mais dependentes e menos seguros. Foi uma queixa de Rosa quando se referiu aos comportamentos reativos apresentados por Luís,

chegando a referi-lo como “um adolescente imaturo e rebelde”. Nichols; Schwartz (1998) dizem a este respeito que os pais que impõem suas preocupações aos filhos deixam a eles pouca escolha além de “se conformar ou se rebelar”.

Sustentando-se nesta ideia, Bowen; Keer (2009) referem que:

[...] em uma família pobremente diferenciada, emotividade e subjetividade têm uma forte influência nas relações familiares. A alta intensidade de emotividade ou pressão por união não permite a uma criança crescer para pensar, sentir e agir por si mesma. A criança se comporta em reação aos outros. Um bom exemplo disso é um adolescente rebelde. Sua rebeldia reflete a falta de diferenciação que existe entre ele e seus pais. O rebelde é uma pessoa altamente reativa onde o “self” é pobremente desenvolvido. Ele se comporta em oposição a seus pais e aos outros; estes, em troca, são

suficientemente inseguros de si, reagindo automaticamente ao

comportamento expresso pelo rebelde. A maioria de seus valores e crenças é formada em oposição às crenças dos outros (BOWEN; KEER, 2009, p. 93).

No ensejo da discussão em relação às atitudes de Rosa e às reações do filho, sobretudo quando não é autorizado a vivenciar experiências adolescentes no âmbito externo a casa, adentramos ao conceito de diferenciação e pertencimento da teoria Boweniana (1991). A superproteção e os comportamentos mais rígidos de Rosa parecem não favorecer o processo de diferenciação do filho, ou seja, o seu desenvolvimento fim de que possa se tornar uma pessoa emocionalmente independente, um indivíduo com capacidade de pensar, sentir e agir por si mesmo (BOWEN, 1991).

Para o autor supracitado, diferenciar diz respeito à singularidade do sujeito, aos aspectos específicos que cada membro familiar possui e pretende que seja respeitado

pelos demais, o que o torna ímpar e diferente de qualquer outra pessoa, mesmo

daquelas pertencentes à sua família de origem. Isso seria equivalente à falta de autonomia emocional, de acordo com a categorização de Noom, Dekovic; Meeus (2001) a qual compreende os delicados processos de independência emocional em relação aos pais e aos pares. Ou seja, realmente ocorre quando o jovem sente confiança em definir suas metas, independente dos desejos dos pais ou dos pares.

Neste viés, correlacionando às concepções de autonomia de Rosa com as suas práticas educativas, a genitora referiru que, “querendo ou não”, a autonomia dos filhos é desenvolvida naturalmente, em decorrência da necessidade de adaptação ao meio ambiente, desde os primeiros anos de vida por meio do “caminhar, andar, comer”, e os pais têm o importante papel de intermediar os filhos neste aprendizado. Entretanto, conforme visto ao longo de toda a entrevista, mesmo ao ponderar que tem consciência

do papel dos pais neste processo, a participante demonstrou dificuldades em facilitar a independência e autonomia dos filhos, explicando que isso se deve por receio dos filhos “crescerem e irem para a vida”, chegando a se indagar sobre o que seria dela futuramente na companhia apenas do esposo, por medo da solidão no futuro.

Autores como Carter; McGoldrick (1995); Cerveny; Berthoud e et al (1997;

2002) referem que o período em que os filhos saem de casa pode ser bastante delicado para os pais, pois tendem a fazer uma retrospectiva de suas histórias pessoais e também conjugais, sendo preciso novos parâmetros relacionais que comportem as necessidades atuais.

Segundo Cerveny (1997; 2002), são indícios de divergências entre o casal que possui filhos adolescentes: crises individuais dos cônjuges, conflitos que surgem em função de divergências no modo de educar os filhos e, ainda, dificuldade de construir modelos inter-relacionais adaptativos, necessários às novas demandas da família nesta fase do ciclo vital. Márcio referiu que há “alguns probleminhas” vivenciados pelo casal, bem como Rosa também verbalizou acerca de turbulências no casamento. Diante do pouco relato dos participantes acerca das dificuldades conjugais, retomamos a história de formação do casal, ocorrida a partir da gestação inesperada de Luís e em época inicial de namoro entre Márcio e Rosa. Este foi um período marcado por grande turbulência do casal, que decidiu unir-se devido à gestação do primogênito, além da história de vida de Rosa, que não vivenciou a adolescência como gostaria e não teve vida social até os vinte anos, conforme referiu.

Neste sentido, Berthoud; Begami (1997), ao discutirem sobre a base na qual se

estrutura uma nova familia na união de duas pessoas, relatam que, apesar dos

objetivos que unem um casal serem revistos e se alterarem ao longo do casamento, os objetivos que originam a união são determinantes para o tipo de estrutura conjugal que será estabelecido. Acrescentam, ainda, que o período de nascimento do primeiro filho é momento de transição e mudanças profundas e irreversíveis nos níveis individual, conjugal e familiar, que, por um lado, as recompensas podem ser maravilhosas e intensas, mas, por outro, marcado por ansiedades, conflitos e angústias, além de um forte sentimento de responsabilidade.

Logo, as dificuldades de Rosa, em permitir ao filho alcançar a autonomia, revelam contradições em sua conduta educacional, e que parece interferir tanto na formação dos filhos quanto na dinâmica da família como um todo. É possível inferir que o olhar de Rosa sobre o filho, considerando-o imaturo e, por vezes, “como uma

criança”, tende a reforçá-lo a permanecer em um lugar de não amadurecimento, dependência e insegurança e, por sua vez, a fortalecer suas práticas educativas de maior proteção, pouca legitimação e autorização para novas experiências.

Em situações em que o filho Luís, aos dezesseis anos, não conquistou a autorização para ir caminhando junto aos colegas da mesma idade até o Mcdonals, próximo à escola, ou ir ao show com estes colegas conhecidos dos pais, geram tensões na família, uma vez que o adolescente tem naturalmente apresentado comportamentos de maiores contestações, passando a não aceitar facilmente os “nãos” que recebe dos pais. Autores como Luisi; Filho (1997); Cerveny (1997; 2002); Carter; McGoldrick (1995) abordam a respeito da muitas transformações vivenciadas pelas famílias que possuem filhos adolescentes, as quais exigem adaptações na sua estrutura e organização para lidar com as necessidades e interesses do adolescente dentro e fora da família. Estes costumam trazer novos elementos de possíveis contestações e confrontos com os pais, mas que até então eram mantidos sob intenso controle.

Neste cenário familiar, Márcio cumpre o papel de mediador das comunicações. Neste sentido, ele faz intermediação de situações cotidianas entre a mãe e o filho, sobretudo no que diz respeito a superproteção. Podemos perceber que, quando ele faz isso, é buscando acordos com Rosa, por discordar da esposa, na tentativa de minimizar os impactos para o filho do que afirmou considerar atitudes que limitam a autonomia dele. Cerveny (2002) chama atenção para a necessidade dos cônjuges que têm filhos adolescentes negociarem as regras e valores a serem adotados na educação dos filhos:

Algumas vezes, ambos são mais ou menos flexíveis, o que diminui os conflitos entre os padrões a serem adotados; porém, quando um dos cônjuges deseja adotar padrões que, para o outro, configuram-se como excessivamente flexíveis, surge a necessidade de negociação das regras, o que nem sempre é bem sucedido (CERVENY, 2002, p. 78).

O mesmo é equivalente à dinâmica da família Santos, porém considerando a rigidez de Rosa e a necessidade de negociação das regras com Márcio. Desta maneira, podemos questionar a respeito de como estas diferenças entre práticas e estilos parentais na educação repercutem na formação do filho, isto é, até que ponto sucessivas práticas tão divergentes entre os pais interferem nas respostas que Luís apresenta ao longo do seu desenvolvimento e em relação ao ganho de autonomia.

Desta maneira, a partir do observado nas entrevistas, é possível afirmar que Rosa adota práticas educativas que se aproximam do estilo parental autoritário, onde há um maior controle e regras impostas, caracterizado por Baumrind (1966) como pais rígidos, com maior controle, regras impostas. Isso normalmente provoca atitudes de submissão por parte dos filhos que acatam momentaneamente as regras, ainda que discordem delas.

Em contrapartida, as práticas educativas apresentadas por Márcio se aproximam de um estilo parental do tipo autoritativo ou autorizante, o qual, segundo Baumrind (1966), reflete o alto envolvimento, controle e apoio parental, com limites e regras claras, comunicação aberta entre filhos e pais. Estes incentivam a autonomia, independência e a individualidade dos filhos. Do mesmo modo, se mantêm disponíveis ao diálogo, trocas e discussões sobre os modelos e regras estabelecidas, estimulando condutas maduras, a análise das consequências de seus atos, promovendo valores positivos. Algumas práticas educativas de Márcio, neste sentido, podem ser elucidadas: a instrução dada ao filho no dia da realização de sua prova do Enem e a

conversação com a esposa e o filho no dia que este decidiu ir andando ao Mc Donald’s

com os colegas24.

Por fim, cabe elencar algumas práticas educativas que Rosa e Márcio empenham como investimento na formação dos filhos, as quais caracterizam práticas adotadas pela camada média urbana: curso de inglês, balé da filha Laura, reforço escolar do filho Luís, acompanhamento psicológico dos dois filhos, viagem à Disney de excurção como uma experiência citada por Márcio favorável à autonomia do filho, pois envolveu contexto maiores de socialização com os amigos e acesso à outra cultura.

Vale ressaltar que o fato deles serem donos do próprio negócio favorece maior flexibilidade nos horários de Rosa para acompanhá-los em suas atividades extra escolares, em três turnos à tarde da semana. Já Márcio relatou permanecer menos tempo em casa em virtude do seu ritmo de trabalho mais intenso, chegando a afirmar que ele não sabe dizer se é machismo ou não, mas que ele entende que em uma casa a mãe deve ser a responsável pelos filhos e o pai tem o papel de dar sustentação, tanto emocional quanto financeira.