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CAPÍTULO VI – ESTUDO: INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA ,

6.3 Discussão dos resultados e linhas futuras de investigação

De seguida procede-se a uma discussão dos resultados de acordo com os objetivos e hipóteses propostas para o estudo.

1) Avaliação do grau percebido de QV geral e nos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente

A avaliação da QV em geral revelou que 49,1% dos sujeitos com incapacidade física adquirida que participaram no estudo consideraram a sua QV boa ou muito boa. Em relação a estes dados, não se pode esquecer que a QV é definida pela OMS ―como a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações‖ (p. 20, WHOQOLGroup, 1994). Desta forma, não pode ser esquecido que os resultados obtidos aquando a avaliação da QV correspondem sempre à perceção individual do sujeito. Por vezes, bons resultados aferidos pelos pacientes não são necessariamente equivalentes a bons resultados clínicos e vice-versa. De qualquer forma, sabe-se que variáveis psicossociais ajustadas e perceção geral positiva da sua QV por parte do paciente são importantes preditores de evolução positiva do estado clínico.

Todavia, a satisfação com o seu estado de saúde é menor, o que explica o fato de 45,9% se sentirem insatisfeitos com a sua saúde. Desta forma, é de relembrar que estes utentes encontravam-se a frequentar um serviço hospitalar o que só por si tem um impacto psicológico negativo.

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Não pode igualmente ser esquecido que apesar da saúde ser o domínio que melhor explica a QV geral e que muitas vezes estes conceitos surgem na literatura como sinóminos (Fries & Spitz, 1990). Muitos autores consideram que estes conceitos são substancialmente diferentes (Kaplan & Anderson, 1990; Ware, 1991 e Herman, 1993 citados por Ribeiro, 2002). Daí os resultados acima expostos serem diferentes.

A análise estatística parece indicar que os entrevistados se encontram mais fragilizados no domínio físico, nos restantes domínios da QV os resultados encontram- se dentro da média esperada. Em relação a este resultado apesar de saber-se que a saúde engloba factores sociopsicossociais, o serviço em questão trabalha doentes com incapacidade física adquirida. Desta forma, a problemática física aqui tem grande impacto. Este resultado vai ao encontro da segunda hipótese prevista.

Mais de 50% dos entrevistados nas duas semanas que antecederam à aplicação do questionário, sentiram muitas ou muitíssimas dores físicas e necessidade de cuidados

médicos. Realça-se que um dos principais motivos que leva o Médico Fisiatra a referenciar o utente para o psicólogo é a presença de queixas álgicas/dores.

Outro dado importante a realçar é que existe satisfação com estruturas de

suporte social como as suas relações pessoais, o apoio dos amigos, o acesso aos serviços de saúde, a satisfação com as condições do lugar onde vive e os transportes que utiliza. A este respeito 50% e 62,3% dos entrevistados responderam a estes aspectos no nível satisfeito. A perceção de uma boa rede de suporte social é determinante para a evolução positiva das patologias e sensação de bem-estar subjetivo. Estes dados poderão ser preditores do bom funcionamento do serviço em questão e de uma boa perceção de uma rede de suporte social.

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Na hipótese 1) previa-se que o grau percebido de QV, geral e nos diferentes domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) variasse consoante as variáveis sociodemográficas em estudo, nomeadamente, género, nível de escolaridade; estado civil, idade e presença de filhos menores. Contudo, o estudo demonstrou que o grau percebido de QV apenas é variável em relação à escolaridade. Aliás, em todas as dimensões observamos que o valor médio da QV aumenta com a escolaridade.Não foram encontrados estudos significativos que abordassem esta questão. Desta forma, sugere-se um estudo mais aprofundado do possível impacto do grau de escolaridade na

QV.

Outro dado a considerar é que na amostra existe uma fraca correlação entre as dimensões da QV e a idade. Porém, é comum associar que a QV tende a diminuir com a idade pois em todas as dimensões o coeficiente de correlação obtido foi negativo. Sugere-se igualmente que sejam realizados mais estudos acerca da possível relação entre QV e velhice.

2) Avaliação da presença de indicadores de sintomatologia depressiva na amostra

Em relação à presença de sintomatologia depressiva na amostra, os dados obtidos indicam em geral que o fato de se estar atualmente doente aumenta a probabilidade de se apresentar sintomatologia depressiva.

Porém, observou-se um maior número de doentes que não se sentem tristes, pessimistas, fracassados, insatisfeitos, com sentimentos de culpa, etc. Estes resultados

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permitem antever reduzida percentagem de doentes considerados como tendo sintomatologia depressiva significativa, a saber: 22,5% dos entrevistados tem indicadores de sintomatologia depressiva de grau leve, apenas 13,8% têm depressão de grau grave. Convém, realçar que a perturbação depressiva não pode ser diagnosticada apenas com o recurso a um questionário como o BDI. Na avaliação da possibilidade de existência de depressão devem-se sempre ter em consideração entrevistas junto do utente, familiares e equipas de profissionais de saúde, não só questionários estruturados. Os instrumentos de avaliação dão-nos apenas indicadores que devemos explorar mais detalhadamente.

Os resultados obtidos corroboram a hipótese anteriormente sugerida (hipótese 3) e os estudos que indicam que após a perda de capacidades físicas, é frequente surgirem situações em que está presente o sentimento de tristeza. No entanto, a tristeza nem sempre é sinónimo de depressão, pois também está presente no processo de luto (Wolpert, 2000). É importante sensibilizar a equipa multidisciplinar para a importância da distinção entre o processo de luto e depressão.

Novamente a escolaridade surge associada à sintomatologia depressiva, sendo que entre os utentes com escolaridade inferior ao 4.º ano, a probabilidade de existir sintomatologia depressiva é significativamente superior. Este grupo está associado a pessoas mais idosas, que pode constituir também um factor de risco. Em relação a estes últimos dados é extremamente importante não confundir velhice com tristeza.

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3) Avaliação do grau de adesão à medicação prescrita

No que diz respeito à avaliação do grau de adesão à medicação prescrita pode-se considerar que a maioria da amostra é aderente, o que corrobora a hipótese sugerida (n.º 4).

Outro dado importante que é indicado em alguns estudos acerca da adesão à medicação é que os utentes por receio não são verdadeiros com os profissionais de saúde, relativamente à toma da medicação. Daí ser difícil medir com muita previsão esta variável. É de todo importante continuar a sensibilizar os profissionais de saúde para esta problemática. Cabe aos profissionais de saúde continuar a explicar os efeitos adversos da não adesão à medicação.

No futuro seria de todo conveniente o estudo da adesão e motivos de dropout a tratamentos não farmacológicos, essenciais em contexto de medicina física e reabilitação, como a fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional e psicologia.

4) Avaliação do impacto da sintomatologia depressiva na QV da amostra

Ao contrário do que era previsto (na hipótese n.º 5) não foram encontradas relações muito significativas entre as variáveis, indicadores de sintomatologia depressiva e QV. Estes dados são contrários à maioria dos estudos existentes, que indicam que parece consensual que a sintomatologia depressiva tem um forte impacto na QV dos sujeitos (Vaz Serra, Carnavarro, Simões, Pereira, Gameiro, Quartilho et al. 2006).

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Porém, o fato de serem obtidos níveis de significância inferiores a 0,05, comprova que alguns aspectos da percepção da QV parecem ser afectados de alguma forma pela presença ou ausência de sintomatologia depressiva.

Contudo, não pode ser esquecido que não foram encontrados estudos a nível internacional e nacional que avaliassem estas variáveis em utentes que frequentassem serviços de medicina física e reabilitação. Desta forma, sugere-se que estes estudos possam vir a ser realizados num futuro próximo.

5) Análise dos motivos que levam o Médico Fisiatra a encaminhar utentes para a consulta de psicologia

Pode-se constatar que os principais motivos que levam os Médicos Fisiatras a encaminharem utentes para o Psicólogo prendem-se com a tristeza/depressão, seguidos de ansiedade, de dificuldades de adaptação à doença, de dores/queixas álgicas e de problemas familiares/emocionais. Estes resultados corroboram a hipótese n.º 6 proposta, relativamente ao encaminhamento por dificuldades emocionais e de adaptação à doença. É de realçar que a não adesão à medicação também é um motivo de encaminhamento. Estes resultados sugerem que os psicólogos que trabalham em contexto de incapacidade física adquirida devem continuar a aprimorar as suas intervenções junto dos utentes de forma a ganharem mais confiança e credibilidade junto destes e das equipas em que estão inseridos.