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CAPÍTULO IV O PROCESSO DE REABILITAÇÃO DA PESSOA COM

4.3 Intervenção do Psicólogo na Incapacidade Física Adquirida

4.3.1 O luto e a depressão

Em contexto de incapacidade física adquirida é relevante distinguir as situações de luto e depressão, na medida em que, no contexto hospitalar, estas duas situações por vezes se confundem (Galhordas & Lima, 2004).

Após a perda de capacidades físicas, é frequente surgirem situações em que está presente o sentimento de tristeza. No entanto, a tristeza nem sempre é sinónimo de depressão, pois também está presente no processo de luto. Desta forma, no processo de luto e na depressão assiste-se a uma reação com algumas semelhanças ao nível dos sinais e sintomas. Esta reação é desencadeada pela perda de um objecto privilegiado, seja, uma parte do corpo, perda de funções físicas ou de estatuto social (Wolpert, 1999).

O luto é definido como uma reação normal à perda de um objeto importante, constituindo uma fase transitória e necessária da readaptação do investimento a novos objetos. Por outro lado, a depressão é a reação de uma personalidade marcada pela extrema dependência ao objeto perdido (Coimbra de Matos, 2001).

Por outro lado, a depressão consiste numa intolerância à perda do objeto, porque este é do tipo funcional ou complementar (um instrumento ou um prolongamento do próprio), ou seja, o sujeito sente ao perdê-lo que se destaca e afasta uma parte essencial de si mesmo (Coimbra de Matos, 2001).

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A perda de capacidades físicas pode ser sentida como algo que descaracteriza surgindo portanto, a depressão. Por outro lado, a pessoa que consegue fazer o luto, sente que apesar de ter perdido capacidades físicas, na sua essência continua a mesma (Galhordas & Lima, 2004).

A pessoa que realiza um luto consegue adaptar-se à perda de capacidades físicas e consciencializa a impossibilidade de realizar o projeto passado, o que a conduz à elaboração de um projeto de vida coerente com as capacidades atuais. Por outro lado, a pessoa que se deprime, é a maior parte das vezes incapaz de aceitar a perda de capacidades, bem como do projeto planeado e tão desejado. A pessoa deprimida agarra- se ao passado, logo não é capaz de imaginar a vida futura, vive num desejo impossível de realizar (Galhordas & Lima, 2004).

Acrescenta-se ainda que não há depressão sem culpa e sobretudo sem inferioridade porque a perda de amor do objeto provoca uma baixa de autoestima (Coimbra de Matos, 2001). A depressão está ligada a uma baixa de autoestima, ou seja, a pessoa desvaloriza-se e sente-se incapaz de realizar o que se propõe. Na situação de luto, apesar de existirem sentimentos de inferioridade, não ocorre uma significativa baixa de autoestima, pois a pessoa sente-se capaz de realizar os seus projetos (Galhordas & Lima, 2004).

Na depressão surgem sintomas de desânimo, tristeza, inferioridade e culpa, bem como perda de interesse ou prazer em quase todas as atividades (Wolpert, 1999; Coimbra de Matos, 2001). O sintoma característico é o abatimento, a apatia e a desmotivação, enquanto no luto é a tristeza.

Kaplan e Sadock (l984) consideram que após uma perda de capacidades é comum ocorrer uma reação de tristeza que persiste por algum tempo. Estes autores

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acrescentam que apenas se a tristeza for demasiado prolongada ou grave é que esta deve ser considerada atípica.

Também Livneh (1991) considera que durante o ajustamento à incapacidade, o luto e a depressão podem surgir como reações muito similares, diferindo sobretudo nas posições que ocupam num contínuo temporal. Deste modo, enquanto o luto é de curta duração, a depressão e a tristeza de uma parte do corpo perdida ou de uma função corporal perdida é sentida durante um longo período de tempo.

Em suma, a pessoa a realizar um luto pode estar triste, revoltada, sem apetite, com insónias ou mesmo com alguma necessidade de isolamento, mas a intensidade e temporalidade destes sintomas é circunscrita. Porém, permanece que o interesse pelas coisas que a rodeiam, motivação para a reabilitação física e elaboração de um novo projeto de vida. Contrariamente, a pessoa em depressão apresenta os supracitados sintomas com uma intensidade e durabilidade maiores, apresentando ainda um desinvestimento geral que se reflete na reabilitação física e na elaboração de um novo projeto de vida (Galhordas & Lima, 2004).

4.4.Considerações Finais

A incapacidade adquirida pode desafiar muitos dos princípios fundamentais de vida de qualquer pessoa. A disrupção do percurso normal de vida pode alterar o significado personalizado das noções de tempo, espaço e capacidade judicativa. Um acontecimento, como uma doença por exemplo, mesmo que insignificante clinicamente

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e sem repercussões de relevo, pode causar um sofrimento por vezes brutal. O sofrimento não se limita à dor física, decorrendo da violação da integridade da própria pessoa como um todo, e não somente da agressão ao corpo ou às funções por si usualmente desempenhadas (Langer, 1994; Oliveira, 2000).

A pessoa em causa confronta-se com uma situação nova, radicalmente diferente, capaz de lhe limitar o desempenho das suas obrigações sociais, profissionais e familiares como até então sucedia.

Só por si, o novo estado de saúde pode desencadear alterações no comportamento e no modo de ser do indivíduo, passando a doença a constituir um marco importante e determinante na história pessoal de vida (Oliveira, 1994).

No que diz respeito às relações com semelhantes, no contexto da incapacidade física, são raros os indivíduos que se confortam com a simples consciência de igualdade, conhecendo e interagindo com terceiros em situações análogas. Mas, tal como nos diz Langer (1994) esta interação pode contribuir para originar um sentido de perspetiva, embora o sentimento de perda não sofra significativas alterações.

A situação de incapacidade adquirida pode desafiar alguns dos pressupostos básicos sobre o próprio sujeito e o mundo em geral. Os aspectos psicológicos envolvidos podem ser múltiplos, capazes no seu extremo de desencadear reações verdadeiramente catastróficas. As perdas inerentes à incapacidade, independentemente da sua maior ou menor gravidade, físicas, cognitivas ou simbólicas podem originar respostas emocionais mais ou menos previsíveis, certamente sujeitas a uma importante variabilidade individual (Oliveira, 2000).

Apesar da situação de perda de capacidades ser complexa, na medida em que suscita múltiplas perdas, é possível a elaboração da perda e a reorganização por parte da

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pessoa. São vários os aspectos que contribuem para este processo. Factores como funcionamento, aspetos culturais, recursos sociais e materiais, fases do ciclo de vida e história pessoal prévia, são aqueles mais vulgarmente apontados como capazes de influenciar a experiência de incapacidade (Galhordas & Lima, 2004).

Um aspeto que se assume como essencial é a tomada de consciência da lesão ou da doença por parte da pessoa. Deste modo é importante informá-la acerca das possibilidades da reabilitação, competindo à pessoa verificar as limitações que a situação de lesão lhe provoca (Oliveira, 2004).

É importante a consciencialização da realidade por parte do paciente, mesmo que esta lhe suscite sofrimento psicológico. Só consciencializando quais as suas limitações se torna claro o que é capaz de realizar e o que lhe pode dar prazer. Neste contexto, e em termos práticos, durante um internamento relativamente prolongado (por exemplo, três a quatro meses) as pessoas podem beneficiar em ir a casa aos fins de semana, pois isto permite-lhes uma maior consciencialização das suas limitações e capacidades (Glass, 1999).

Outro aspeto muito importante para a readaptação à lesão é a capacidade da pessoa investir em si própria, não desistindo do seu projeto de vida, desde que este seja coerente com as suas capacidades. A este respeito há que relembrar a distinção das situações de luto e de depressão. No primeiro caso há tristeza e sofrimento psicológico, mas não há desinvestimento no meio e no próprio. No segundo caso há uma desistência que se pode traduzir por uma apatia generalizada, o que torna necessária uma intervenção psicológica (Oliveira, 2000).

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Não menos importante é o suporte emocional das pessoas que rodeiam o sujeito, ou seja, o mais importante é a pessoa sentir-se amada e apoiada pelas pessoas próximas (Oliveira, 2000).

Em contexto de reabilitação é fundamental o trabalho em equipa multidisciplinar. Desta forma, importa que cada profissional, à sua maneira ajude as pessoas com incapacidade física adquirida (Oliveira, 2000).

A empatia é outro aspeto a ter em consideração por parte dos elementos da equipa de reabilitação. Desta forma, só poderemos ajudar o outro se tivermos a capacidade de nos descentrarmos e de nos colocarmos na pele dele, o que nos fará estar mais próximos, nas situações de sofrimento e de revolta e nas de felicidade e confiança. (Oliveira, 2000).

O respeito pelo sofrimento do outro é um factor que fortalece a relação, dando- lhe espaço para estar triste, sozinho, ansioso e revoltado. Verifica-se que muitas vezes se dá pouco espaço para as pessoas estarem tristes, negando-se um sofrimento que é natural e humano. É essencial permitir à pessoa que possa sofrer e, consequentemente tolerar a frustração, pois só assim ela pode crescer psicologicamente e estar preparada para orientar a sua vida. Isto é, tolerar a frustração e suportar o sofrimento é importante não só nas situações de reabilitação, mas também na saúde mental e no crescimento do ser humano nas diversas etapas da sua vida (Galhordas & Lima, 2004).

O trabalho dos profissionais de saúde em reabilitação passa também por suportar um pouco a dor psicológica da pessoa. A aceitação do sofrimento do outro permite ajudá-lo na elaboração do seu luto e na reorganização da sua vida.

O trabalho do profissional de saúde em reabilitação apresenta-se gratificante na medida em que ―toda a finalidade do tratamento (…) é recuperar as capacidades

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perdidas‖ (Oliveira, 2001, p. 13). Contudo, o sentimento de impotência perante algumas doenças, e em particular, alguns doentes, cuja cura completa parece não ser possível, e que usualmente arrastam graves consequências sociais, pessoais e familiares, desencadeia, por vezes, sentimentos no profissional de saúde que precisam de ser pensados.

Neste contexto, é importante que os profissionais de saúde tomem consciência das limitações da sua atividade profissional. Por muito esforço que possam fazer, existem situações que não são passíveis de serem resolvidas (Oliveira, 2000).

Por fim, importa realçar que a literatura científica relativa ao acompanhamento psicológico de indivíduos com défices físicos e incapacidades adquiridas é, na verdade muito escassa.

Grzesiak e Hicok (1994) encontraram alguns motivos para este facto: tradicionalmente, a psicologia na reabilitação tem realçado os processos somatopsíquicos, esquecendo-se de variáveis ambientais/ecológicas; a maioria das leituras efetuadas sobre intervenção neste domínio tem focado modelos de abordagem comportamental clássica, não diferindo em grande medida da intervenção junto da população sem incapacidades físicas; por outro lado, os próprios psicólogos têm prestado maior atenção a áreas particulares que podem contribuir para o processo global da reabilitação, negligenciando porém questões da personalidade ou da psicopatologia, complexas mas fundamentais.

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CAPÍTULO V- QUALIDADE DE VIDA, DEPRESSÃO E ADESÃO AO