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Para o PID-5, os resultados das MANOVAS para os domínios e facetas, sugerem que, em geral, os mesmos podem diferenciar adequadamente entre pacientes com PPB e pacientes sem PPB.

Se olharmos para os coeficientes de determinação obtidos para cada instrumento no que respeita às funções discriminantes, obtiveram-se coeficientes R2 = .08 (R = .28) para o NEO-FFI e

R2 = .19 (R = .44) e R2 = .10 (R = .31) para o PID-5, para as suas facetas e domínios, respetivamente. Por mais que os dois instrumentos consigam distinguir os grupos com e sem PPB, a correlação para o NEO-FFI pode ser considerada inadmissível. Já para o PID-5 as correlações são fracas, sendo que as facetas apresentam um valor mais alto. Estes resultados sugerem que o PID-5 discrimina melhor os doentes com PPB do que o NEO-FFI e que o faz melhor ao nível das facetas. Este resultado sustenta a ideia de que o PID-5 é um instrumento capaz de distinguir perturbações de

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personalidade e que pode ser utilizado na avaliação e eventual diagnóstico das mesmas.

Os resultados que surgiram na análise discriminante para os domínios não eram esperados. Esperava-se que os domínios mais relevantes fossem a Afetividade Negativa, a Desinibição e o Antagonismo. No entanto surgiram os domínios Psicoticismo, Afetividade Negativa e Desinibição. O Psicoticismo descreve um conjunto de comportamentos ou cognições estranhas e incomuns. A elevação no Psicoticismo para a PPB já tinha sido apontada por Sellbom, Sansone, Songer e Anderson (2014). Mais adiante, encontram-se algumas sugestões para explicar este fenómeno. A elevação na Afetividade Negativa, que reporta experiências frequentes e intensas de emoções negativas, pode também associar-se ao domínio Neuroticismo e é consistente com a ideia de que os doentes com PPB tendem a sentir emoções negativas como a raiva. Já a dimensão Desinibição, que traduz comportamentos impulsivos e conduzidos por estímulos externos atuais, pode associar-se à impulsividade característica dos PPB mas também à Extroversão.

Em termos do peso de cada faceta na descrição da PPB dados pela análise discriminante, os resultados são só parcialmente consistentes com o algoritmo proposto. Encontrou-se que as facetas mais explicativas para a PPB seriam o Envolvimento em comportamentos de Risco, Impulsividade, Crenças e experiências incomuns, Ansiedade, Procura de atenção, Desregulação cognitiva e percetual, Hostilidade e Labilidade emocional. As facetas Envolvimento em comportamentos de risco e Impulsividade são traços que têm de estar presentes para o diagnóstico da PPB de acordo com a secção III do DSM-5, para além da Hostilidade, e surgiram como relevantes nesta análise. Estes resultados suportam que a proposta de um algoritmo de classificação para a PPB é relevante e potencialmente útil na avaliação clínica. No entanto, apenas as facetas Labilidade emocional, Ansiedade, Hostilidade, Envolvimento em Comportamentos de Risco e Impulsividade se sobrepõem ao algoritmo proposto, não tendo surgido a Insegurança de Separação e a Depressividade.

O facto das facetas Insegurança de Separação e Depressividade (do domínio Afetividade Negativa) não terem surgido parece ir de encontro a algumas críticas propostas a este modelo. Bach, Sellbom, e Simonsen (2016) sugeriram que teria sido utilizado um excesso de facetas pertencentes ao domínio Afetividade Negativa para descrever a PPB. A Depressividade, tal como descrita no DSM-5, refere-se a sentimentos de desesperança com dificuldade em recuperar de um humor negativo, pessimismo sobre o futuro e vergonha e/ou culpa invasiva, associados a sentimentos de menos valia e pensamentos e ideação suicida. O facto da Depressividade não ter surgido como relevante pode confirmar a ideia de Coimbra de Matos (1994), de que o paciente borderline está aquém da verdadeira depressão no sentido em que o seu humor negativo está mais associado a um sentimento de desamparo, vazio e solidão do que propriamente à culpa, vergonha ou sentimentos de menos valia.

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O resultado para a Insegurança de Separação é particularmente relevante, uma vez que o medo de ficar só parece ser uma característica distintiva dos doentes com PPB. É difícil explicar a razão deste resultado. Em primeiro lugar, há que considerar que o PID-5 é um instrumento de autorrelato e que os doentes com PPB tendem a rejeitar a necessidade do outro (Celani, 2010), pelo que poderão não a reportar. Ainda, chama-se à atenção para o item 64. Na sua versão inglesa o item diz “I can’t stand being left alone, even for a few hours”. Na versão portuguesa o item foi traduzido para “Não suporto ficar só, mesmo por poucas horas”. Pensa-se que o item original pretendia captar algo mais extenso do que apenas ficar só mas também ficar só por ação do objeto que escolhe deixar o indivíduo (to leave alone). Estas considerações são apenas uma reflexão. Ainda assim, a escala Insegurança de Separação revela boa consistência interna.

As facetas Crenças e experiências incomuns, Procura de atenção, Desregulação cognitiva e percetual e Excentricidade, do domínio Psicoticismo, não eram esperadas pelo algoritmo proposto. Pensamos ser possível avançar algumas explicações sobre os resultados encontrados.

A faceta Crenças e experiências incomuns, pertencente ao domínio Psicoticismo, refere-se à crença de que se tem capacidades e experiências incomuns. Segundo Schroeder, Fisher, & Schäfer (2012), entre 20% e 50% dos pacientes diagnosticados com PPB reportam sintomas psicóticos. As alucinações podem ser muito semelhantes às existentes em pacientes com perturbações psicóticas em termos fenomenológicos, impacto emocional e persistência no tempo. Este facto pode ser explicado pela existência de comorbilidade com perturbações psicóticas (Schafer & Fisher, 2011). Outros autores encontraram também que o abuso físico e sexual na infância prediz significativamente a presença de alucinações visuais e auditivas na adultez (Shevlin, Murphy, & Read, 2011). Como se mostrou nos resultados, os doentes com PPB da presente amostra possuem 2.4 mais chances de ter sofrido abuso sexual na infância do que os restantes doentes. Desta forma, podemos supor uma relação entre a existência de sintomas psicóticos e a presença de um trauma infantil, nomeadamente o abuso sexual, apesar desta relação só indiretamente poder explicar a eventual presença de sintomas psicóticos nestes sujeitos. Os sobreviventes de traumas infantis, especialmente de traumas estendidos no tempo, parecem apresentar maior probabilidade de sofrer de PTSD e trauma complexo e de demonstrar episódios dissociativos (MacIntosh, Godbout, & Dubash, 2015).

A possibilidade de existência de sintomas dissociativos nos doentes com PPB leva-nos também à elevação na Desregulação cognitiva e percetual, que diz respeito ao processo de pensamento e experiências estranhas ou incomuns, como despersonalização, desrealização e experiências dissociativas. As experiências dissociativas aparecem representadas, quer na secção II do DSM-5 quer no critério A da secção III. No entanto, não há nenhuma faceta que lhe corresponda no algoritmo proposto. Sellbom, Sansone, Songer e Anderson (2014) sugeriram que a faceta

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Desregulação cognitiva e percetual fosse incluída no perfil prototípico, não só pelos resultados que encontrou, como também pela extensa literatura que sugere que a dissociação é uma característica importante nesta perturbação (Sellbom, Sansone, Songer, & Anderson, 2014). Além disso, como já referido, o trauma, especialmente na forma de abuso sexual, está fortemente correlacionado com comportamentos de automutilação (Herman, Perry, & Van der Kolk, 1989) que costumam ter lugar em estados dissociativos (Cloitre, Gavert, Weiss, Carlson, & Bryant, 2014).

A faceta Excentricidade diz respeito a comportamentos, aparência e discurso incomuns, que se podem associar em certa medida às facetas anteriores. Pode pensar-se que o doente PPB, por dificuldade no autorrelato, exacerbe algumas características. Pode pensar-se ainda que o doente borderline exibe um comportamento bizarro, eventualmente na tentativa de procura de atenção.

É claro que o Psicoticismo pode estar também associado ao abuso de substâncias, algo a não descartar, especialmente tendo em conta que grande parte da amostra clínica foi recolhida em comunidades e centros especializados em perturbações de consumos de substâncias. Um estudo conduzido com uma amostra portuguesa de doentes internados numa Unidade de Internamento (Carreiro & Borrego, 2007) com diagnósticos de psicose e consumo de substâncias tóxicas, revela uma percentagem elevada de doentes com patologia psicótica com história de consumos (42%). Este estudo encontrou que dentro dos doentes com esquizofrenia, 40% relatam consumos de substâncias, havendo uma predominância de consumo de canabinóides, seguida por consumo de álcool. Desta forma, pode pensar-se que alguns sintomas psicóticos possam surgir em consequência do consumo de substâncias tóxicas (Carreiro & Borrego, 2007).

No que concerne à faceta Procura de atenção, a mesma diz respeito ao envolvimento em comportamentos desenhados para atrair as atenções dos outros e tornar-se o foco de atenção e admiração dos outros. Esta característica é relativamente saliente nestes doentes, considerando que uma das suas tensões centrais é o apego versus desespero de abandono (PDM-2), que os leva a procurar objetos que possam satisfazer as suas necessidades e que os façam sentir amados e admirados.

De uma forma geral, pode-se dizer que os resultados da análise discriminante sugerem que os doentes com PPB se caracterizam, em termos comportamentais, pelo envolvimento em atividades perigosas, arriscadas e potencialmente autolesivas e por ações marcadas pela impulsividade, agindo de acordo com os impulsos do momento em resposta a estímulos diretos e imediatos. Estes comportamentos poderão relacionar-se com dificuldades ao nível da mentalização. Em termos cognitivos, parecem caracterizar-se por pensamentos e crenças estranhas e incomuns, com a possibilidade de vivência de sintomas psicóticos e em termos afetivos por instabilidade nas experiências emocionais, sentimentos de nervosismo, tensão e também raiva e irritabilidade.

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descrições, de acordo com o DSM-5. No entanto, deve ressalvar-se que muito do que foi dito não foi medido de forma direta, pelo que há que ter cautela com as interpretações anteriormente apresentadas. Há ainda que ter em consideração que os r apresentados são relativamente baixos, o que não nos dá total confiança na análise.

3.1. Serão os algoritmos propostos pelo DSM-5 os mais adequados à descrição da PPB?

A falta de concordância total entre os algoritmos propostos para a PPB e os resultados encontrados, especialmente no que diz respeito ao do DSM-5, pode fazer-nos questionar sobre o real número de domínios e facetas necessários ao diagnóstico da PPB e sobre a possível existência de dimensões e facetas chave que determinem um perfil clínico relevante. Ainda não existem muitos estudos que envolvam a avaliação da PPB com o PID-5 em amostras clínicas mas os que existem (Calvo et al., 2016; Sellbom, Sansone, Songer, & Anderson, 2014) também parecem sugerir que a concordância entre o algoritmo proposto e e os resultados encontrados não é total. São necessários mais estudos sendo provável que o algoritmo tenha de ser atualizado, à luz dos resultados encontrados por diversos autores, onde este trabalho se inclui.

Considera-se importante ressalvar que o presente estudo parece oferecer suporte ao algoritmo proposto pelo DSM-5, com concordância em 5 das 7 facetas propostas. O facto de terem surgido na análise discriminante 9 facetas potencialmente explicativas e diferenciadoras da PPB, um número não muito maior que as 7 propostas, também sugere que a sugestão de delinear um perfil com base em traços faz sentido e é relevante clinicamente. Adicionalmente, o PID-5 tem revelado boas propriedades psicométricas em diversas amostras de populações diferentes e parece apto à diferenciação e descrição dimensional da personalidade patológica.

Parece que estamos longe de chegar a um consenso quanto às características distintivas da PPB, por mais que algumas das facetas pareçam descrever razoavelmente bem o comportamento destes doentes. Neste estudo, a dimensão Psicoticismo surgiu como particularmente importante, o que vai de encontro a algumas correntes e autores, como alguns autores psicodinâmicos (Gunderson & Kolb, 1978). Aliás, este dado faz-nos remontar à origem do termo borderline, que se referia a um grupo de doentes na charneira entre a psicose e a neurose.

Mas esta questão não é apenas sobre quais as facetas a incluir e a retirar do Modelo Alternativo. A esta discussão junta-se uma muito mais vasta: diversas escolas de pensamento e métodos de investigação pretendem dar conta deste diagnóstico, tão controverso quanto multifacetado. É difícil dizer qual a melhor abordagem para pensar a PPB.

Talvez a abordagem dimensional possa ser um compromisso entre certas correntes teóricas e o modelo puramente categorial. Este modelo pode contribuir para melhores descrições, um melhor entendimento dos padrões de variabilidade (eventuais subtipos da PPB) e comorbilidade e ainda

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para a estruturação dos tratamentos. Encontraram-se alguns estudos (Widiger, 2015) que reportam que os clínicos não costumam estruturar os tratamentos a pensar na PPB como um todo, mas tendo em consideração traços mais específicos da personalidade, pelo que uma avaliação dimensional poderá ser importante. Ainda assim, é preciso investigar se a abordagem dimensional consegue captar e refletir a realidade da PPB e se tem relevância clínica. Por exemplo, seria interessante perceber se algumas facetas são mais preditivas em termos de curso e prognóstico e quais as que costumam estar associadas a uma maior ou menor adesão ao plano terapêutico. Ainda, seria relevante se fosse possível determinar o tipo de psicoterapia mais adequada, tendo em conta a constelação de facetas.

Além disso, este modelo já sofreu algumas críticas, como o facto de não entrar em linha de conta com aspetos desenvolvimentistas (Van Riel, et al., 2017). O facto do abuso sexual infantil parecer ter alguma associação com o desenvolvimento da PPB reforça a importância de adotar uma perspetiva desenvolvimentista na avaliação da PPB.

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