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Caracterização dimensional da perturbação estado-limite (borderline) da personalidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DIMENSIONAL DA PERTURBAÇÃO

ESTADO-LIMITE (BORDERLINE) DA PERSONALIDADE

Sílvia do Carmo Bento Conde

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

Secção de Psicologia Clínica e da Saúde / Núcleo de Psicologia Clínica Dinâmica

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DIMENSIONAL DA PERTURBAÇÃO

ESTADO-LIMITE (BORDERLINE) DA PERSONALIDADE

Sílvia do Carmo Bento Conde

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Bruno Ademar Paisana Gonçalves

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

Secção de Psicologia Clínica e da Saúde / Núcleo de Psicologia Clínica Dinâmica

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i

Dedicatória

Ao meu avô, que percebeu que a educação é uma das formas mais eficazes de luta. À minha avó, que teria ter sido Professora e que agora é educadora dele.

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ii

Agradecimentos

Começo por agradecer ao Professor Doutor Bruno Gonçalves, meu orientador de dissertação e de estágio, e referência fundamental no meu caminho pela Psicologia. A ele devo um agradecimento pelas horas em que me ouviu no seu gabinete, por me apoiar nas minhas escolhas relativas a esta dissertação e por me ter “aturado” durante mais tempo do que o esperado. Agradeço-lhe também os sábios conselhos e a leitura atenta dos capítulos deste trabalho. Do Professor Bruno levo, acima de tudo, um exemplo de dedicação, humildade e humanismo.

Em segundo lugar, às Professoras Doutoras Joana Calado e Rute Pires, que mesmo não sendo minhas orientadoras de dissertação, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para me ajudar.

Gostaria também de expressar o meu profundo agradecimento aos muitos participantes deste estudo, sem os quais o mesmo não seria possível e às Instituições responsáveis, em especial à Comunidade Vida e Paz e à Comunidade Villa Ramadas, que facilitaram a recolha da amostra.

Aos meus colegas de curso, em particular, à Joice, à Sara, ao Diogo, ao João, à Sofia, à Joana e ao Bruno (que me foi tirando dúvidas de estatística sem nunca se queixar). E também à “minha” Ana.

À Orquestra Académica da Universidade de Lisboa, da qual fiz parte alguns anos e que me permitia descontrair do stress académico. Aos maestros e aos colegas um bem-haja pela música, pelos momentos de convívio agradável e pela troca de experiências (e especialmente de comida internacional).

Aos amigos que fiz no Hospital de Santa Maria e, em especial, ao “meu” Miguel que partilhou comigo o seu “verdinho” e me mostrou a importância de confiar. Também, à Dra. Maria João Centeno que me convidou para fazer parte do Grupo Multifamiliar da Consulta Externa do Hospital Santa Maria e por me ter ensinado a importância dos processos grupais na saúde mental, além de ter sempre uma palavra de incentivo relativa à dissertação.

E também ao Departamento de Saúde Mental de Trieste, que apesar de nada ter a ver com o âmbito desta dissertação, fez com que tenha ainda mais vontade de ser Psicóloga.

Aos meus amigos italianos, Pietro e Matteo, que me emprestaram o gabinete para trabalhar na dissertação (e por me terem ensinado a falar italiano e a fazer pizzas e pastas). E aos meus amigos chineses, Asiya e Aji, não só por me terem acolhido como por me terem deixado ser, pela primeira vez, “tia” de uma bebé tão linda!

Ao meu psicoterapeuta, que me apoiou quando não sabia se deveria ou não deixar para este ano a dissertação e por me ter ensinado a ser uma melhor pessoa e profissional.

Ao Zé, que além de ter sido meu colega de curso, me convidou para fazer Yoga numa altura em que a doença do meu Avô me estava a afetar muito e que tem sempre uma palavra de ânimo.

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iii

Ao meu João que é sempre incansável a apoiar-me e que já sabe (quase) tanto sobre Perturbação da Personalidade Borderline como eu. Ao João, por me ter mostrado que não é a proximidade física mas a emocional que é a base do Amor. Ao meu “Momor”, por ser quem é.

Aos meus avós que ajudaram muito, emocional e financeiramente, ao longo do curso. Agradeço aos meus avós o facto de me terem apoiado quando decidi mudar de curso e também quando decidi ficar mais um ano a concluir o curso de Psicologia. Ainda, por me terem ajudado a ir a Itália e a seguir os meus sonhos.

À minha tia pelo incansável apoio e por me ouvir sempre (talvez demais). Agradeço-lhe por aceitar quem sou e por ter sido uma das primeiras pessoas a entender a minha “estranheza”. Ainda, por me ter ido visitar a Itália e me ter permitido mostrar-lhe um outro lado da minha vida. Ao “tio” Li, por me ter convencido a sair de casa todos os sábados enquanto estava em Portugal, a ir aos “bailaricos” e por me ter ensinado a dançar Mazurkas. E ao Luaty, o gato deles, pelos dias em que esteve comigo e não deixou trabalhar na dissertação, recordando-me do quão bom é cuidar de um ser.

Por fim, um agradecimento especial à minha mãe, que sempre respeitou os meus tempos e nunca me pressionou para fazer as coisas de acordo com o socialmente esperado. À minha mãe, que mesmo “sozinha” me deu acesso a imensas experiências e me incentivou a seguir Psicologia, mesmo quando muitas pessoas nos diziam que não valia a pena. A ela que me ajuda mesmo quando não me compreende e por acreditar sempre que as coisas vão correr bem mesmo quando eu não vejo isso; à minha mãe, por me Amar.

E também ao “Plano Divino”, que me aguenta quando o corpo físico, mental e emocional começa a dar sintomas de cansaço e desesperança. É também na dimensão espiritual que me recordo de que um trabalho (qualquer que ele seja) é apenas uma parte ínfima da minha existência…

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iv

RESUMO

A Perturbação Estado-Limite (Borderline) da Personalidade ou Perturbação de Personalidade Borderline (PPB) é uma condição de saúde mental comum nos settings clínicos. O seu diagnóstico é bastante controverso e as últimas linhas de investigação parecem apontar para a conceptualização realizada pelo Grupo de Trabalho do DSM-5 para a Personalidade e Perturbações da Personalidade, que propôs o Modelo Alternativo para as Perturbações de Personalidade (PP).

Um dos objetivos deste estudo é perceber as contribuições de traços específicos no que diz respeito à operacionalização da PPB, além do estudo do instrumento derivado do Modelo Alternativo para as PP (PID-5), em associação com outros instrumentos dimensionais (NEO-FFI).

Neste estudo participaram 205 indivíduos com perturbação psiquiátrica. Os participantes completaram uma série de questionários que podem ser utilizados na caracterização dimensional da personalidade dos quais são relevantes para esta investigação o NEO-FFI e o PID-5, além do questionário sociodemográfico.

O estudo com as MANOVAs e as análises discriminantes destacou a dimensão Neuroticismo (NEO-FFI) e os domínios Psicoticismo, Afetividade negativa e Desinibição (PID-5) na caracterização da PPB. O teste de Qui-quadrado de Pearson e a análise do risco relativo revelam que os doentes com PPB parecem apresentar maior prevalência de abuso sexual na infância do que os restantes participantes.

Os resultados encontrados para os traços e domínios/dimensões parecem estar alinhados com a literatura, apesar das diferenças encontradas. O surgimento do domínio Psicoticismo, que não era esperado, poderá aumentar o poder discriminativo relativamente a esta perturbação, o que poderá levar a ligeiras modificações na operacionalização da Secção III do DSM-5 no que diz respeito à PPB.

Palavras-chave:

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v

ABSTRACT

Borderline Personality Disorder (BPD) is a common mental health condition in clinical settings. This diagnosis is very controversial and the last lines of research seem to point to the conceptualization carried out by the DSM-5 Working Group on Personality and Personality Disorders, which proposed the Alternative Model for Personality Disorders.

One of the objectives of this study is to understand the contributions of specific traits regarding the operationalization of BPD, in addition to the study of the instrument derived from the Alternative Model for Personality Disorders (PID-5), in association with other dimensional instruments (NEO-FFI).

In this study participated 205 individuals with psychiatric disorder. The participants completed a series of questionnaires that can be used in the dimensional characterization of the personality, of which the NEO-FFI and the PID-5 are relevant for this investigation, in addition to the sociodemographic questionnaire.

The study with the MANOVAs and the discriminant analysis revealed an emphasis on the Neuroticism (NEO-FFI) dimension and on the Psychoticism, Negative Affectivity and Disinhibition (PID-5) domains in the characterization of BPD. Pearson's Chi-square test and relative risk analysis reveal that patients with BPD appear to have a higher prevalence of childhood sexual abuse than the other participants.

The results found for the traits and domains/dimensions seem to be in line with the literature, despite the differences found. The emergence of the Psychoticism domain, which was not expected, could increase the discriminative power with respect to this disturbance, which can possibly lead to slight modifications in the operationalization of Section III of DSM-5 with respect to BPD.

Key words:

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vi

RIASSUNTO

Il Disturbo Borderline di Personalità (DBP) è una condizione comune di salute mentale nelle impostazioni cliniche. Questa diagnosi è molto controversa e le ultime linee di ricerca sembrano indicare la concettualizzazione svolta dal gruppo di lavoro DSM-5 sulle malattie della personalità e della personalità che hanno proposto il modello alternativo per i disturbi della personalità.

Uno degli obiettivi di questo studio è quello di comprendere e contribuire allo studio di tratti specifici relativi all'operazione di DBP, oltre allo studio dello strumento derivato dal Modello Alternativo per i disturbi della personalità (PID-5), in associazione con altri strumenti dimensionali (NEO-FFI).

In questo studio hanno partecipato 205 persone con disturbi psichiatrici. I partecipanti hanno completato una serie di questionari che possono essere utilizzati nella caratterizzazione dimensionale della personalità, di cui i NEO-FFI e il PID-5 sono rilevanti per questa indagine, oltre al questionario sociodemografico.

Lo studio con gli MANOVA e l'analisi discriminante ha rivelato un'enfasi sulla dimensione Stabilità emotiva(NEO-FFI) e sui domini Psicoticismo, Affetività negativa e Dininibizione (PID-5) nella caratterizzazione del DBP. Il test di Chi-square di Pearson e l'analisi relativa del rischio rivelano che i pazienti con DBP sembrano avere una prevalenza più alta di abusi sessuali di infanzia rispetto agli altri partecipanti.

I risultati trovati per i tratti e i domini/dimensioni sembrano essere in linea con la letteratura, nonostante le differenze riscontrate. L'emergere del dominio psicoticismo, che non era previsto, potrebbe aumentare il potere discriminatorio rispetto a questo disturbo, che potrebbe eventualmente portare a leggere modifiche nell'operativizzazione della Sezione III di DSM-5 rispetto al DBP.

Parole chiave:

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vii Índice geral Resumo... iv Abstract ... v Riassunto ... vi Introdução ... 1 Enquadramento Teórico ... 4

1. O estudo das Perturbações de Personalidade: Breve perspetiva histórica ... 4

1.1. O Modelo Categorial ... 5

1.2. O surgimento dos modelos dimensionais ... 5

1.2.1. O Modelo dos Cinco Fatores ... 6

1.2.2. O FFM aplicado às PP ... 6

1.3. O surgimento de um modelo híbrido: o Modelo Alternativo do DSM-5 para as PP... 7

2. A Perturbação de Personalidade Borderline ... 9

2.1. Evolução do conceito ... 9

2.2. Um diagnóstico controverso ... 10

2.3. Sintomas característicos ... 10

2.4. Borderline, que explicação? – Teorias, Modelos e Critérios Diagnósticos: um (des)encontro de perspetivas ... 12

2.4.1. A Perspetiva Psicodinâmica ... 12

2.4.2. A PPB no FFM ... 14

2.4.3. A Perspetiva Categorial e mais além: as secções II e III do DSM-5 ... 14

2.5. Etiologia ... 16

2.5.1. Fatores Genéticos e Neurobiológicos ... 16

2.5.2. Fatores Psicológicos ... 17 2.6. Comorbilidade ... 18 2.7. Prevalência ... 18 2.8. Medição do constructo ... 18 3. Problematização ... 20 Objetivos e Hipóteses... 21 1. Objetivos ... 21 2. Hipóteses ... 21 Método ... 22 1. Participantes ... 22 2. Instrumentos e Medidas ... 25

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viii

2.1. Questionário Sociodemográfico ... 25

2.2. Inventário de Personalidade NEO-FFI ... 25

2.3. Inventário da Personalidade para o DSM-5 – Adultos ... 26

3. Procedimento ... 26

3.1. Procedimento de análise dos dados ... 27

Resultados ... 29

1. Estudo Metrológico ... 29

1.1. NEO-FFI – Precisão ... 29

1.2. PID-5 – Precisão ... 29

2. MANOVAs e Análises Discriminantes ... 32

2.1. Pressupostos da MANOVA e da Análise Discriminante: uma breve introdução ... 32

2.2. MANOVA e Análise Discriminante para o NEO-FFI ... 33

2.2.1. MANOVA para o NEO-FFI ... 33

2.2.2. Análise Discriminante para o NEO-FFI ... 33

2.3. MANOVAs e Análises Discriminantes para o PID-5 ... 34

2.3.1. MANOVA para o PID-5 – Domínios ... 34

2.3.2. Análise Discriminante para o PID-5 – Domínios ... 35

2.3.3. MANOVA para o PID-5 – Facetas ... 35

2.3.4. Análise Discriminante para o PID-5 – Facetas ... 36

2.4. Análise de Hipóteses ... 37

3. Teste de Chi-Quadrado e Análise do Risco Relativo ... 39

3.1. Análise de Hipóteses ... 40

Discussão dos Resultados ... 41

1. Introdução ... 41

2. Discussão dos resultados obtidos com o NEO-FFI ... 41

3. Discussão dos resultados obtidos com o PID-5 ... 42

3.1. Serão os algoritmos propostos pelo DSM-5 os mais adequados à descrição da PPB?.... 46

4. Discussão dos resultados para Prevalência do abuso sexual nos doentes com PPB ... 47

5. Limitações e Sugestões Futuras ... 47

6. Implicações Clínicas ... 48

Conclusões ... 50

Referências Bibliográficas ... 51

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ix

Índice de quadros

Quadro 1. Características-chave da PPB segundo o PDM-2. ... 13

Quadro 2. Critério A para o Diagnóstico de PPB na secção III do DSM-5. ... 15

Quadro 3. Critérios Diagnósticos para a PPB na secção II e Critério B da secção III do DSM-5. . 15

Quadro 4. Características sociodemográficas da amostra (N=205). ... 22

Quadro 5. Distribuição dos diagnósticos da amostra clínica. ... 23

Quadro 6. Caracterização da amostra PPB no que concerne às comorbilidades. ... 24

Quadro 7. Coeficientes de precisão e estatísticas descritivas das dimensões do NEO-FFI (N = 204). ... 29

Quadro 8. Coeficientes de precisão e medidas descritivas dos domínios do PID-5 (N = 205). ... 30

Quadro 9. Coeficientes de precisão e medidas descritivas das facetas do PID-5 (N = 205). ... 30

Quadro 10. Itens que fazem com que o alfa suba quando são retirados da escala. ... 31

Quadro 11. Médias e desvios-padrões dos resultados nas dimensões do NEO-FFI para os grupos com PPB e com outras perturbações psiquiátricas (N = 204). ... 33

Quadro 12. Peso relativo de cada dimensão do NEO-FFI na função discriminante. ... 34

Quadro 13. Médias e desvios-padrões dos resultados nos domínios do PID-5 para os grupos com PPB e com outras perturbações psiquiátricas (N = 205). ... 34

Quadro 14. Peso relativo de cada domínio do PID-5 na função discriminante. ... 35

Quadro 15. Médias e desvios-padrões dos resultados nas facetas do PID-5 para os grupos com PPB e com outras perturbações psiquiátricas (N = 205). ... 35

Quadro 16. Peso relativo de cada faceta do PID-5 na função discriminante. ... 37

Quadro 17. Distribuição dos participantes quanto ao relato de abuso sexual e à presença de PPB (N = 205). ... 40

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x

Índice de anexos

Anexo I. Descrições das dimensões do FFM ... 59 Anexo II. Definições das facetas e domínios de acordo com o DSM-5 ... 61 Anexo III. Formulário de Consentimento Informado ... 66

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xi

Lista de abreviaturas

APA Associação Americana de Psicologia

BPDSI-IV Índice de Severidade para a Perturbação de Personalidade Borderline - IV

cPPST Trauma Complexo

DSM Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais

DSM-I 1ª Edição do DSM

DSM-II 2ª Edição do DSM DSM-III 3ª Edição do DSM

DSM-IV 4ª Edição do DSM

DSM-IV-TR Revisão de texto da 4ª Edição do DSM

DSM-5 5ª Edição do DSM

FFM Modelo dos Cinco Factores (em inglês, Five Factor Model) ICD Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas

Relacionados com a Saúde

MANOVA Análise Multivariada de Variância MCMI-II Inventário Clínico Multiaxial de Millon

MMPI-2 Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota - 2

NEO-FFI Inventário dos Cinco Factores de Personalidade (em inglês, NEO - Five Factor Inventory)

NEO-PI-R Inventário de Personalidade Neo – Revisto OPB Organização de Personalidade Borderline PDM Manual de Diagnóstico Psicodinâmico

PDM-2 Manual de Diagnóstico Psicodinâmico (2ª edição) PID-5 Inventário de Personalidade para o DSM-5

PP Perturbação de Personalidade

PPB Perturbação de Personalidade Borderline PPST Perturbação de Pós-Stress Traumático PSY-5 Modelo dos Cinco Factores para as PP SCID-II Entrevista Clínica Estruturada para o DSM SWAP-200 Shedler Westen Assessment Procedure 200

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xii

Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)... Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada (?), por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço. Fernando Pessoa

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1

INTRODUÇÃO

Antes de mais, gostaríamos de salientar que o presente estudo se insere numa investigação mais alargada que pretende estudar as relações entre a adaptação portuguesa do Inventário de Personalidade para o DSM-5 (PID-5; Pires, R., Silva, D., Fagulha, T., & Gonçalves, B., 2014) e outros instrumentos que caracterizam a personalidade em amostras clínicas.

A Perturbação Estado-Limite (Borderline) da Personalidade ou Perturbação de Personalidade Borderline (nomenclatura adotada na presente dissertação; PPB) é uma condição de saúde mental grave que afeta significativamente o funcionamento pessoal e interpessoal do indivíduo Gunderson (2009).

Os critérios diagnósticos para a PPB têm sido tradicionalmente criticados por vários motivos. Entre eles, a utilização de critérios politéticos, considerados por alguns como arbitrários (são necessários apenas cinco dos nove critérios, o que gera uma grande possibilidade de combinações) e que geram grande heterogeneidade clínica, a elevada comorbilidade com outras perturbações mentais e a instabilidade temporal (Calvo, et al., 2016). Estas questões fizeram com que alguns autores questionassem se a PPB deveria sequer ser considerada como um diagnóstico (Gunderson, 2009).

Apesar de todas as críticas, esta perturbação de personalidade tem sido abordada por diversos prismas. Desde as leituras psicodinâmicas, mais fenomenológicas e compreensivas, ao modelo categorial que define critérios que se pretendem distintivos, aos modelos dimensionais, que pretendem caracterizar a personalidade patológica através de traços, muitas têm sido as contribuições para o estudo desta perturbação.

Esta controvérsia não escapou ao Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, que inclui na sua última edição o Modelo Alternativo do DSM-5 para as Perturbações de Personalidade, que forneceu uma nova forma de conceptualizar e a avaliar a PPB. Este modelo define dois critérios, o Critério A (défices no funcionamento da personalidade) e o Critério B que descreve traços de personalidade patológicos (American Psychiatric Association, 2014). Este Modelo pode ser entendido como uma variante desadaptativa do Modelo dos Cinco Fatores (FFM). O Critério B é medido através do PID-5, que foi um instrumento desenvolvido para a investigação e uso clínico. Este instrumento foi desenvolvido com base numa série de modelos e medidas de traços de personalidade desadaptativos.

O PID-5 tem demonstrado boas capacidades psicométricas e capacidade de diferenciar os indivíduos com patologia (Calvo, et al., 2016). Apesar disso, este instrumento foi estudado em poucas amostras de língua não inglesa, além de ter sido maioritariamente estudado com voluntários saudáveis e amostras da população geral (Calvo, et al., 2016).

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2

No que diz respeito à PPB especificamente, há poucas investigações sobre se a abordagem alternativa baseada em traços será útil na descrição da PPB. Hopwood, Thomas, Markon, Wright, e Krueger (2012) encontraram numa amostra de estudantes que seis das sete características propostas pela Seção III para a PPB se correlacionam moderadamente a fortemente com os critérios propostos pela Seção II. Já Miller, Morse, Nolf, Stepp e Pilkonis (2012), fazendo recurso a uma amostra comunitária, da qual metade estava a receber tratamento psiquiátrico, e utilizando traços do FFM da personalidade para emular a proposta do DSM-5, mostraram que esses traços conseguem capturar uma quantidade substancial de variância na PPB. Embora estes resultados se mostrem promissores no que concerne à avaliação da PPB, são necessárias mais investigações em populações clínicas que mostrem se os traços listados no DSM-5 contribuem para o constructo da PPB e se existem outros traços conceptualmente relevantes que possam aumentar o poder descritivo deste Modelo.

O presente estudo insere-se nesta linha de investigação. Este estudo pretende fazer uma caracterização da PPB à luz de modelos dimensionais (com recurso ao NEO-FFI e ao PID-5), procedendo à análise dos traços e dimensões encontrados como preponderantes numa amostra clínica da população portuguesa. Pretende-se também investigar se o PID-5 tem um bom poder discriminativo no que concerne à PPB e de que forma. Este estudo investiga ainda a prevalência de abuso sexual infantil (anterior aos 18 anos de idade) nos pacientes com PPB.

O presente estudo está organizado em diversos capítulos. O primeiro é o Enquadramento Teórico, que se divide em duas grandes secções. A primeira secção pretende dar conta da evolução histórica da investigação em Perturbações da Personalidade (PP), focando a controvérsia dos modelos categoriais e das alternativas propostas por alguns autores, como o Modelo dos Cinco Fatores (FFM) e o Modelo Alternativo para as PP do DSM-5. A segunda secção descreve e caracteriza a PPB, tendo também em conta as controvérsias ao nível da investigação e conceptualização desta PP.

Depois de introduzida a componente teórica, o segundo capítulo delimita os objetivos e hipóteses, já apresentados anteriormente neste texto.

Prossegue-se com a apresentação do Método, no terceiro capítulo, onde se procede a uma caracterização dos participantes, dos instrumentos e do procedimento estatístico adotado.

De seguida, no quarto capítulo, são apresentados os resultados, onde se dá conta dos estudo metrológico dos instrumentos e dos resultados das MANOVAs e análises discriminantes, técnicas escolhidas para verificar as hipóteses formuladas.

No quinto capítulo, apresenta-se a discussão dos resultados onde se comparam os resultados obtidos com outros estudos e teorias prévias. Sempre que possível, tentou-se fazer uma ponte com os construtos psicodinâmicos. Neste capítulo foram ainda endereçadas algumas considerações sobre as limitações do estudo, sendo apontadas algumas implicações para a investigação e prática clínica.

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3

Em último, surge uma breve conclusão, que pretende sumariar os resultados obtidos com esta investigação e relatar de que forma este estudo contribui para a discussão sobre o Modelo Alternativo do DSM-5 para as PP no que concerne à PPB.

(18)

4

CAPÍTULO 1

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. O estudo das Perturbações de Personalidade: Breve perspetiva histórica

A história das Perturbações de Personalidade (PP) costuma remontar aos trabalhos de Pritchard e Esquirol, que se interessaram por perturbações que se caracterizavam por comportamentos e emoções peculiares mas em que não existiam sintomas de alucinações, distorções sensoriais, falsas perceções ou perturbações do intelecto (Crocq, 2013). O período entre o final do século XIX e o início do século XX foi marcado pelo aparecimento de diversos sistemas de personalidade, quer normal, quer patológica. Um marco bastante importante foi a obra de Schneider publicada em 1923 (Berrios, 1993). Neste ano, Schneider publicou uma taxonomia de “personalidades psicopáticas”, que ele considerava serem entidades coexistentes com outras perturbações mentais (Coolidge & Segal, 1998) e que faziam sofrer o indivíduo e os que o rodeavam devido a traços de personalidade patológicos. Schneider considerava ainda que as personalidades patológicas seriam constituições maioritariamente inatas mas que poderiam evoluir como resultado de desenvolvimento pessoal ou de influências externas (Coolidge & Segal, 1998).

As PP têm sido definidas como padrões duradouros e persistentes de experiências internas e comportamentos que prejudicam severamente a capacidade da pessoa de se adaptar adequadamente a diversos contextos. As características centrais destas perturbações parecem ser o seu início precoce (tipicamente na adolescência ou no início da idade adulta), estabilidade e cronicidade (apesar dos sintomas poderem diminuir e variar em termos de severidade), ubiquidade (relacional, ocupacional e em contextos educacionais, por exemplo) e danos intrapsíquicos ou interpessoais (Hirschfeld, 1993). Estas perturbações costumam afetar negativamente os tratamentos: o avanço terapêutico costuma ser mais lento, as taxas de incumprimento são maiores e a dificuldade em estabelecer uma relação terapêutica é endémica. Adicionalmente, as PP são difíceis de diagnosticar. Além disso, o facto dos critérios e da conceptualização das PP terem mudado ao longo dos últimos 50 anos faz com que o diagnóstico se torne ainda mais confuso (Coolidge & Segal, 1998).

Historicamente, as PP têm sido consideradas como separadas de outras formas de perturbações mentais. Desde o surgimento do DSM-III e do eixo II que o campo tem reconhecido que as PP são uma fonte de comorbilidade importante de outras perturbações mentais. Mas a área ainda enfrenta problemas e o entendimento da natureza e origens das PP permanece pouco articulado (Gunderson, 2009). Estes problemas são tanto conceptuais quanto empíricos. Têm sido criados diversos modelos e teorias que pretendem explicar os diversos fenómenos da perturbação da personalidade mas nenhum deles oferece uma explicação global e coerente, condições requeridas para uma teoria satisfatória. A teoria e a nosografia estão de alguma forma pouco relacionadas, já

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5

que a nosografia, pelo menos na perspetiva do DSM-5, pretende ser ateórica e as conceptualizações costumam seguir um paradigma ou uma escola específica (Gunderson, 2009; Coolidge & Segal, 1998). Para além dos trabalhos de Schneider, os autores psicanalíticos foram alguns dos primeiros a tentar fazer uma conceptualização das PP, tendo influenciado tendo influenciado os sistemas diagnósticos do início do século XX e, nomeadamente, os DSM-I e II (Coolidge & Segal, 1998).

1.1. O Modelo Categorial

No DSM-III e subsequentes as PP foram descritas como tipos discretos, agrupados em três clusters e colocados num eixo separado (eixo II; Crocq, 2013).

A abordagem categorial estuda constelações de traços psicopatológicos, levando a cabo investigação sobre a validade e fiabilidade dos diagnósticos correspondentes, tentando assim atingir uma clara diferenciação entre as PP, por forma a manter a relevância clínica desta abordagem. Esta tradição pretendeu ajudar os psiquiatras clínicos a familiarizar-se com algumas PP vistas com mais frequência apesar da definição das mesmas ser, por vezes, algo arbitrária.

Na verdade, esta abordagem tem sido amplamente criticada. Por um lado, pelo elevado grau de comorbilidade das PP e por outro pela arbitrariedade dos critérios relativos à inclusão ou exclusão das perturbações do sistema do DSM (Kernberg, 1985). Alguns autores alegam ainda que a perspetiva categorial não acompanha as principais orientações teóricas e os paradigmas dominantes da psicologia, nomeadamente o psicanalítico, o comportamental e o humanista (Widiger & Trull, 1993).

Diversas propostas para a mudança sobre a forma como as PP são classificadas e diagnosticadas continuaram a ser feitas tendo surgido alguns métodos e modelos alternativos (Widiger, Costa, Gore, & Crego, 2013).

1.2. O surgimento dos modelos dimensionais

Dentro destas propostas encontram-se os modelos dimensionais que pretendem estudar não apenas as PP como também as relações das PP com a personalidade normal. O modelo dimensional pretende encontrar características fundamentais que correspondam a descrições clínicas de PP específicas, através de análises fatoriais de traços (Kernberg, 1985). Esta abordagem, que assume uma continuidade entre o funcionamento normal e patológico, está cimentada nas dimensões extraídas da análise estatística (Widiger & Trull, 2007).

Ao longo das últimas décadas vários autores, como Cattell e Eysenck, e equipas de investigadores, como a de Costa e McCrae, adotaram este modelo para responder a questões sobre a avaliação da personalidade e sobre a quantidade de traços que um indivíduo apresenta (Feist & Feist, 2008). Actualmente, uma grande maioria dos investigadores têm concluído que são cinco o

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6

número de fatores que emergem das técnicas de análise fatorial (Feist & Feist, 2008) por mais que existam outras propostas como a dos três fatores (Zuckerman, Kuhlman, Joircman, Teta, & Kraft, 1993) e a dos sete fatores (Aluja & Blanch, 2011).

1.2.1. O Modelo dos Cinco Fatores

O Modelo dos Cinco Fatores (em inglês, Five Factor Model, FFM) foi desenvolvido de uma forma empírica, a partir de termos linguísticos para descrever traços, procurando-se assim trabalhar com os traços, características, ou componentes da personalidade que falantes de uma língua considerariam ser mais importantes na descrição de si próprio e dos outros (Goldberg, 1993).

Este modelo propõe que os traços de personalidade são bipolares e se organizam em cinco dimensões: Neuroticismo, Extroversão, Abertura à Experiência, Amabilidade e Conscienciosidade. O FFM afere ainda 30 facetas que juntas compõem as cinco dimensões listadas (seis facetas para cada dimensão; Trull & Brown, 2013). McCrae e Costa (2003) avançaram um modelo específico para explicar o desenvolvimento de traços de personalidade no contexto do FFM, que no entanto não se apresenta como o único viável. De facto, é possível estabelecer correspondências próximas entre constructos de orientação psicodinâmica e elementos da estrutura do FFM (Widiger, 2015).

O FFM acumulou considerável suporte empírico: estudos da genética do comportamento dão suporte em relação à estrutura proposta (e até mesmo algum suporte genético molecular para o Neuroticismo). As dimensões e facetas do FFM demonstraram ser úteis na previsão de um número substancial de indicadores importantes para a vivência pessoal, como bem-estar subjetivo, aceitação social, conflito entre relacionamentos, estado civil, sucesso académico, criminalidade, desemprego, saúde física, saúde mental, satisfação no trabalho e mortalidade. Além disso, tem sido extensivamente validado e replicado em diversas culturas (Widiger, Costa, Gore, & Crego, 2013).

O instrumento que costuma ser utilizado para operacionalizar e avaliar este modelo, o Inventário de Personalidade Neo – Revisto (NEO-PI-R; Costa & McCrae, 1992), tem também demonstrado boas propriedades psicométricas e é considerado um instrumento sólido para a avaliação global da personalidade (Costa & McCrae, 2008).

1.2.2. O FFM aplicado às PP

Widiger et al. (2002) propuseram que as PP incluídas no DSM-IV-TR poderiam ser entendidas como variantes desadaptativas e/ou extremas dos domínios e facetas do FFM. Um grande número de investigações empíricas suporta esta proposta: O'Connor (2002) conduziu análises factoriais com resultados previamente publicados em aproximadamente 75 estudos que envolviam variáveis do FFM e 28 escalas de inventários de personalidade utilizados comummente. Os resultados deste estudo sugerem que a estrutura factorial existente nestas escalas de muitos

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instrumentos poderiam ser replicados utilizando dados derivados exclusivamente das escalas que se associam ao FFM.

Além disso, o NEO-PI-R, que pretende medir o funcionamento normal (ou geral) da personalidade, tem sido bastante eficaz na aferição da maioria das PP, sendo tendencialmente excepções as PP dependente, obsessiva-compulsiva, esquizotípica e histriónica (Miller, Bagdy, Pilkonis, Reynolds, & Lynam, 2005). Esta eficácia dever-se-á ao facto do NEO-PI-R conseguir aferir as variantes desadaptativas de elevado neuroticismo, baixa extroversão, baixa abertura à experiência, elevado antagonismo, e baixa conscienciosidade (Widiger & Haigler, 2001), variantes essas que correspondem aos polos do FFM primariamente envolvidos na maior parte das PP (mas não em todas; Widiger & Lynam, 2001).

Uma vantagem potencial de uma classificação dimensional é que diferentes limiares podem ser fornecidos para diferentes decisões sociais e clínicas, uma opção que poderia ser bastante útil para vários serviços e agências de saúde pública. Até agora, no entanto, estas dimensões parecem ter apresentado baixa validade para propósitos clínicos (Widiger & Trull, 2007).

1.3. O surgimento de um modelo híbrido: o Modelo Alternativo do DSM-5 para as PP

As limitações do modelo categorial como a elevada comorbilidade, falta de abrangência adequada e dificuldade em distinguir o normal do patológico no que diz respeito às PP (Widiger & Trull, 2007) fizeram com que o DSM-5 propusesse um modelo alternativo para as PP (Miller, Morse, Nolf, Stepp, & Pilkonis, 2012). Na secção II mantiveram-se as PP incluídas no DSM-IV-TR, cujos critérios são os mais comuns nos diagnósticos formais (American Psychiatric Association, 2014). Na secção III surge o Modelo Alternativo do DSM-5 para as PP que pretende colmatar alguns problemas como o excesso de comorbilidade, a heterogeneidade entre diagnósticos, a instabilidade temporal das perturbações e a pobre validade convergente e discriminante entre as PP (Anderson, Snider, Sellbom, Krueger, & Hopwood, 2014). Os dois modelos foram incluídos de modo a preservar uma certa continuidade com a prática clínica corrente mas introduzindo ao mesmo tempo uma perspetiva que pretende responder a diversas lacunas da abordagem atual às PP (American Psychiatric Association, 2014).

O modelo alternativo é um sistema híbrido, que inclui tanto a visão categorial quanto dimensional, empregando critérios de prejuízo no funcionamento da personalidade e traços de personalidade, assumindo um continuum entre a personalidade normal e patológica. A adoção deste modelo pretende obter maior suporte empírico, maior utilidade clínica, um melhor entendimento dos padrões de comorbilidade e maior utilidade na estruturação dos tratamentos (Calvo, et al., 2016).

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Neste modelo são adotados diversos critérios para o diagnóstico de uma PP. O primeiro critério (Critério A) considera o prejuízo em domínios do self (identidade ou auto-direccionamento) e funcionamento interpessoal (empatia ou intimidade). A Escala do Nível de Funcionamento da Personalidade utiliza cada um desses elementos para diferenciar cinco níveis de prejuízo, variando de pouco ou nenhum prejuízo (i.e., saudável funcionamento adaptativo – Nível 0) até prejuízo extremo (Nível 4; American Psychiatric Association, 2014). Este critério foi em grande parte elaborado a partir de uma perspetiva psicodinâmica, nomeadamente no que concerne às supostas características centrais de uma PP (Widiger, 2015).

O segundo critério (Critério B) descreve um modelo dimensional de traços de personalidade desadaptativos. O modelo dimensional incluído no critério B é composto por cinco domínios, que incluem Afetividade Negativa (vs. Estabilidade Emocional; AN), Desprendimento (vs. Extroversão; DP), Antagonismo (vs. Agradabilidade; AG), Desinibição (vs. Conscienciosidade; DS) e Psicoticismo (vs. Lucidez; PT), e 25 facetas que estão incluídas nestes domínios (American Psychiatric Association, 2014). Cada domínio associa-se a uma combinação de facetas e algumas facetas são simultaneamente representadas em diversos domínios (Calvo, et al., 2016). Estes cinco domínios têm correspondência com variantes desadaptativas das cinco dimensões do FFM (American Psychiatric Association, 2014). As dimensões e facetas estão apoiadas na literatura empírica (Anderson, Snider, Sellbom, Krueger, & Hopwood, 2014). As PP específicas correspondem a subgrupos das 25 facetas de traços e baseiam-se em revisões meta-analíticas e dados empíricos sobre as relações dos traços com diagnósticos de PP contidas no DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2014). Além dos algoritmos estarem explicitados na secção III, Krueger, Derrineger, Markon, Watson & Skodol (2012) fazem uma análise dos resultados obtidos para cada PP e respetivas facetas. Dentro das PP que podem ser derivadas deste modelo encontram-se as perturbações antissocial, evitante, estado-limite (borderline), narcísica, obencontram-sessiva-compulsiva e esquizotípica.

Os défices no funcionamento da personalidade expressam-se também através dos critérios C e D, relativos à invasibilidade e estabilidade dos traços, bem como dos critérios E, F e G, relativos a explicações alternativas para a patologia da personalidade (American Psychiatric Association, 2014).

Este modelo tem-se mostrado válido no diagnóstico de PP e o instrumento que é utilizado para operacionalizar o modelo dimensional de traços patológicos – o Inventário de Personalidade para o DSM-5 (PID-5) – tem demonstrado propriedades psicométricas adequadas. Este instrumento tem sido utilizado para a avaliação da componente dimensional das PP (Calvo, et al., 2016). Além disso, tem também mostrado associações com outros modelos de Personalidade como o Modelo dos Cinco Factores para as PP (PSY-5) e o FFM (Gore & Widiger, 2013).

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De uma forma breve, a investigação em personalidade e PP específicas ainda envolve dilemas básicos. Há diversas formas de operacionalizar e medir as PP, com diversas escolas de pensamento e autores empíricos, que se pretendem ateóricos, o que dificulta o consenso e a utilização de uma linguagem partilhada pelos diversos profissionais que com estas pessoas lidam.

2. A Perturbação de Personalidade Borderline

2.1. Evolução do conceito

Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas

Recuperando o poema de Pessoa em epígrafe, podemos notar como algumas existências parecem estar num limiar ténue entre a sanidade e a loucura, a construção da identidade e a difusão do eu. Onde os “espelhos”, que tanto podem ser o eu como o outro, parecem não refletir uma realidade integrada e com sentido. Num domínio menos poético, a história de pessoas com problemas identitários, falta de regulação dos afetos, problemas relacionais e incapacidade de manter um funcionamento adequado é também antiga.

Na verdade, o conceito de doente borderline já apareceu com Stern (1938; citado por National Collaborating Centre for Mental Health [UK], 2009) que descreveu um grupo de pacientes que não beneficiavam da Psicanálise e que não pareciam cair nas categorias de psicose ou de neurose. Durante largos anos as conceptualizações sobre estes pacientes ficaram confinadas à literatura Psicanalítica, não integrando as duas primeiras versões do DSM (Adams, Bernat, & Luscher, 2002).

Apesar dos trabalhos psicanalíticos, este grupo de pacientes manteve-se à margem das discussões psiquiátricas durante largos anos. O grupo começou a ser reconhecido nos anos 50, como resultado de estudos feitos por Robert Knight (Gunderson, 2009). Historicamente, a Perturbação de Personalidade Borderline (PPB) esteve situada dentro do espectro das psicoses, particularmente associada à esquizofrenia. No DSM-II o termo borderline é quase sinónimo de esquizofrenia latente ou de outros termos como esquizofrenia limítrofe ou borderline, esquizofrenia pré-psicótica, pseudopsicótica ou reação esquizofrénica latente (Dalgalarrondo & Vilela, 1999).

Ainda assim, foi só com Kernberg (1967) que surgiu um verdadeiro interesse nesta patologia. No entanto, apesar deste autor ter popularizado o conceito de “borderline”, ele usava o termo para descrever um nível de organização patológica da personalidade mas não uma perturbação de personalidade específica (Adams, Bernat, & Luscher, 2002). Kernberg descrevia a Organização de Personalidade Borderline (OPB) como possuindo as seguintes características

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intrapsíquicas (Kernberg, 1967; citado por Skodol, et al., 2002):  difusão da identidade;

 utilização de mecanismos de defesa primitivos (como a cisão [idealização e desidealização], negação, projeção, ação e identificação projetiva);

 teste da realidade intacto, mas vulnerável a falhas e alterações.

Mesmo com todos estes avanços, o diagnóstico de PPB só apareceu na terceira edição do DSM, em 1980, tendo sido adaptado doze anos depois para a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (ICD; Gunderson, 2009). A definição que integrou o DSM-III partiu de uma revisão que identificou vários descritores em áreas como afetos disfóricos, ações impulsivas, relações interpessoais, cognições quasi-psicóticas e dificuldades de adaptação social, além de ter demonstrado que a perturbação podia ser medida e diferenciada de outras perturbações psiquiátricas (Skodol, et al., 2002).

2.2. Um diagnóstico controverso

Desde a sua introdução no DSM-III, a PPB tem sido amplamente diagnosticada, sendo uma das PP mais prevalentes. No entanto, a população borderline é notoriamente heterogénea, quer do ponto de vista descritivo, quer teórico (Smits, et al., 2017). Talvez por isso a PPB tenha sido alvo de críticas desde a sua introdução no DSM-III e continue a ser um diagnóstico controverso, com a discussão a centrar-se na sobreposição de sintomas com outras perturbações, como a Perturbação de Pós-Stress Traumático (PPST) ou outras referentes aos (antigos) eixos I e II. Alguns autores sugerem que a PPB é, na verdade, uma variante da depressão, da perturbação bipolar ou de outra perturbação de eixo I (Sperry, 2013). Há alguns autores que pretendem explicar a heterogeneidade da PPB advogando que dentro da mesma existem subtipos: (1) PPB “puro”, sem elevações em dimensões características de outras PP; (2) extrovertido/externalizante, com altos níveis de características histriónicas, narcísicas e antissociais e (3) esquizotípico/paranóide, com características esquizotípicas e paranóides marcadas (Smits, et al., 2017).

Alguns autores põem mesmo em causa a validade e fiabilidade da PPB como entidade nosológica. No entanto, e apesar de terem sido introduzidos novos critérios nas versões posteriores ao DSM-III, as diferenças mais significativas só foram incluídas na última versão do mesmo (Skodol, et al., 2002).

2.3. Sintomas característicos

A PPB costuma iniciar-se na adolescência e eclode na fase de jovem adulto (Adams, Bernat, & Luscher, 2002). O curso é menos estável do que o esperado para outras PP e algumas

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características parecem declinar com o tempo, sendo este processo aparentemente afectado pelo temperamento (Leichsenring, Leibing, Kruse, New, & Leweke, 2011). A PPB tem sido considerada como uma perturbação crónica e praticamente intratável mas dados mais recentes indicam uma alta taxa de remissão (cerca de 45% nos dois anos seguintes à atribuição do diagnóstico e 85% nos 10 anos seguintes; Masson, Bernoussi, Mience, & Thomas, 2013). Contudo, o prognóstico continua desencorajante o que ressalta a necessidade de investigação, não só sobre o curso, etiologia e diagnóstico da perturbação, mas também sobre o seu tratamento (Bender et al., 2001).

A PPB pode ser vista como um contínuo desde o normal ao patológico, onde o estilo de personalidade borderline corresponde ao normal e a PPB à patologia. Em termos comportamentais, os doentes com PPB caracterizam-se por gestos suicidários e/ou auto-mutilantes e por serem incitadores de conflitos interpessoais. As suas relações interpessoais caracterizam-se por uma grande instabilidade, verificando-se transições bruscas entre estados de idealização e de apego e estados de oposição e de desvalorização do outro. As suas relações são rápidas e intensas e, muitas vezes, superficiais. São sensíveis à rejeição e experienciam medos de abandono (Sperry, 2013).

Segundo Millon & Davis (1996) as situações que costumam desencadear respostas desadaptativas por parte destes doentes têm a ver com os seus esforços para evitar o abandono, real ou imaginado.

Em termos cognitivos, os doentes com PPB costumam ter um padrão inflexível de pensamento, onde rígidas abstrações levam facilmente a perceções idealizadas dos outros como personificações do “completamente bom” ou “completamente mau” (Sperry, 2013). Adler (1985) sugeriu que os doentes com PPB têm deficiências na memória evocativa, pelo que têm dificuldades em evocar imagens e sentimentos que os podem estruturar e nutrir em tempos de “tempestade”.

A sua inflexibilidade e impulsividade refletem-se também nos seus mecanismos de defesa: o doente borderline tem tendência à clivagem e consequente dificuldade em “sintetizar” qualidades contraditórias e utiliza a identificação projetiva atribuindo ao outro os seus medos e sentimentos negativos (Sperry, 2013).

Em termos afetivos, os pacientes com PPB costumam oscilar entre um humor normal ou eutímico e um humor disfórico. Além disso, a raiva e a fúria intensas e inadequadas podem ser facilmente desencadeadas. No outro extremo, estão os sentimentos crónicos de vazio ou tédio (Sperry, 2013).

No que diz respeito ao estilo de vinculação, os doentes borderline costumam estar associados ao estilo desorganizado. Este tipo de vinculação tende a desenvolver-se a partir de experiências repetidas em que o cuidador parece assustado ou é assustador para a criança. Este estilo parece associar-se à sintomatologia dissociativa, que aparece frequentemente em doentes borderline (Lyddon & Sherry, 2001).

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2.4. Borderline, que explicação? – Teorias, Modelos e Critérios Diagnósticos: um

(des)encontro de perspetivas

2.4.1. A Perspetiva Psicodinâmica

Dentro da perspetiva psicodinâmica, nem sempre é claro se o termo borderline se refere a uma PP ou a um nível de organização da personalidade. Por exemplo, na primeira edição do PDM, o termo borderline referia-se a um nível de organização. No entanto, o conceito de uma perturbação de personalidade do tipo borderline, definido pelos critérios do DSM, tornou-se de tal forma universal que contemporaneamente se segue a proposta de Kernberg (1967) para a descriminação entre organização da personalidade borderline e a PPB (Lingiardi & McWilliams, 2017). Nesta secção utilizar-se-á o termo de forma intercambiável, à semelhança do que fazem muitos autores psicodinâmicos.

Através da análise da literatura psicodinâmica é possível verificar que vários autores, como Kernberg (1975), vinculam a etiologia das organizações borderline ao esquema de desenvolvimento de Mahler e, em particular, à subfase da reaproximação da fase de separação-individuação. Uma perturbação nesta fase levaria a uma deficiente estruturação da constância objetal. Kernberg (1975) sugeriu que os pacientes borderline estariam a viver repetidamente este conflito, com consequente dificuldade em estar sós e ansiedade constante em relação ao facto de que os outros os possam abandonar. Ao tentar colmatar estes sentimentos de solidão e desamparo, o doente borderline fica dependente do objeto externo e estabelece com o mesmo uma relação funcional. Esta perturbação desenvolvimentista levaria também a uma dificuldade na capacidade de lidar com a ambivalência afetiva do objeto (já que não há constância do mesmo), com consequente dificuldade na diferenciação entre self e objeto (Maranga, 2002).

Um segundo componente deste problema desenvolvimentista é que a falha na constância do objeto deixa o doente incapaz de integrar aspetos “bons” e “maus” dele próprio e dos outros. A consequência é uma predominância das introjeções negativas, sendo as representações do self e do objeto dissociadas em “completamente bom” e “completamente mau”, de modo a que as forças do ódio e da destruição não consigam destruir sentimentos bons e amorosos (Gabbard, 2005). Deste modo, tal como no caso dos doentes psicóticos, no doente borderline há um predomínio da agressividade sobre o amor e uma predominância das forças destrutivas sobre o poder construtivo (Maranga, 2002). Além disso, os episódios psicóticos são frequentes nos doentes borderline e costumam associar-se a fantasias de abandono, destruição ou necessidade do objeto externo (Gunderson & Kolb, 1978).

Alguns autores, como Adler (1985), apontam, além de uma falha na subfase da reaproximação, um deficit ao nível relacional precoce (Gabbard, 2005). Para estes autores, cuidados inconsistentes ou não confiáveis, com cuidadores com uma certa incapacidade para o exercício da

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função contentora, não permitiriam ao indivíduo construir uma dimensão simbólica e representacional da vida mental. Nos borderlines há uma clara insuficiência na transformação dos elementos que povoam o seu mundo interno em elementos verdadeiramente pensáveis. Tais deficiências ao nível da mentalização poderão estar na base das passagens ao ato, tão frequentes nestes doentes.

O doente borderline tem também uma insuficiente reserva narcísica o que o torna pouco tolerante à frustração e torna o seu sistema defensivo predominantemente frágil e imaturo (Maranga, 2002).

O borderline encontra-se também aquém da verdadeira depressão vivendo uma depressão limite, depressão de desamparo ou depressão de abandono, caracterizada, essencialmente, por um sentimento de falta, de vazio, de solidão, de desamparo e por uma angústia de separação (Matos, 1994).

O Manual de Diagnóstico Psicodinâmico (2ª edição, PDM-2; Lingiardi & McWilliams, 2015) faz uma síntese das características do doente borderline, de acordo com uma visão psicodinâmica:

Quadro 1. Características-chave da PPB segundo o PDM-2.

Padrões de constituição-maturação influentes: dificuldades congénitas na regulação das

emoções, intensidade, agressão, capacidade de ser tranquilizado.

Preocupação/tensão central: coesão do self versus fragmentação; apego versus desespero de

abandono.

Emoções centrais: emoções geralmente intensas, particularmente a raiva, a vergonha e o medo. Crença patológica característica sobre si: “Não sei quem sou; Vivo estados de self dissociados

sem um sentimento de continuidade.”

Crença patológica característica sobre os outros: “O outro é unidimensional e definido pelos

seus efeitos em mim, não por eu ter uma noção da sua complexidade psicológica individual.”

Defesas centrais: clivagem, projeção, negação, dissociação, passagem ao ato e outras defesas

primitivas.

Nota. Adaptado de PDM-2. Lingiardi, V., & McWilliams, N. (2017). Psychodynamic Diagnostic Manual, Second

Edition: PDM-2. New York: Guilford Publications.

Em termos de investigação, alguns autores desenvolveram instrumentos com uma base dinâmica para avaliação da personalidade, nomeadamente o California Q-Sort e o Shedler-Westen Assessment Procedure-200 (SWAP-200). Ambos têm demonstrado associações com o FFM, com exceção de algumas escalas do SWAP-200 como a Dissociação, Conflito Edipiano e Conflito

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Sexual. No entanto, estas escalas incluem itens que não parecem estar associados de forma significativa às PP (Widiger, 2015).

Os autores dinâmicos têm-se também pronunciado sobre o modelo proposto pelo DSM-5 para as PP. Alguns advogam que falta neste modelo uma perspetiva desenvolvimentista sobre a personalidade patológica. Além disso, este modelo não permite uma identificação consistente dos pontos fortes e das vulnerabilidades do indivíduo. Ainda assim, a ênfase colocada ao nível da funcionalidade da personalidade está de acordo com a abordagem psicodinâmica ao diagnóstico. Seria importante investigar o significado clínico da distinção entre níveis de funcionalidade psicodinâmica no que diz respeito à PPB, bem como das restantes PP (Van Riel, et al., 2017).

2.4.2. A PPB no FFM

Diversos autores advogam que, apesar do FFM ter sido construído para avaliar a personalidade normal, pode servir para caracterizar os doentes com PPB. A proposta de Lynam e Widiger (2001), onde os autores sugeriram que a PPB poderia ser reconhecível por um padrão de valores altos e baixos em determinados domínios e facetas, tem recebido bastante suporte empírico (Trull & Brown, 2013). A estabilidade temporal do perfil FFM em doentes borderline também tem sido verificada (Warner, et al., 2004).

O perfil prototípico proposto é o seguinte (Widiger & Lynam, 2001): resultados elevados na Ansiedade, Hostilidade, Depressão, Auto-consciência, Impulsividade e Vulnerabilidade, do domínio Neuroticismo; resultados elevados em Fantasia, do domínio Abertura à Experiência; resultados baixos em Confiança, Retidão e Complacência, do domínio Amabilidade e resultados baixos em Deliberação, do domínio Conscienciosidade. De uma forma geral, espera-se que os doentes com PPB pontuem alto no Neuroticismo e Abertura à Experiência e baixo na Amabilidade e Conscienciosidade. De todas as dimensões, a que estará mais associada à PPB será o Neuroticismo, com resultados elevados.

2.4.3. A Perspetiva Categorial e mais além: as secções II e III do DSM-5

Os critérios diagnósticos para a PPB mantiveram-se inalterados na secção II do DSM-5 relativamente aos já adotados na versão anterior do Manual (consultar Quadro 3). Na secção III, a PPB é conceptualizada da seguinte forma (American Psychiatric Association, 2014):

 Critério A: Prejuízo moderado ou grave no funcionamento da personalidade, manifestado por dificuldades características em duas ou mais das seguintes quatro áreas: (1) Identidade; (2) Auto-direccionamento; (3) Empatia e (4) Intimidade.

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Quadro 2. Critério A para o Diagnóstico de PPB na secção III do DSM-5.

Identidade. Autoimagem marcadamente empobrecida, pobremente desenvolvida ou instável, com frequência associada ao autocriticismo; sentimentos crónicos de vazio; estados dissociativos sob stress.

Autodirecção. Instabilidade dos objetivos, aspirações, valores ou planos de carreira.

Empatia. Capacidade comprometida para reconhecer os sentimentos e necessidades dos outros associada a hipersensibilidade interpessoal (isto é, propensão a sentir-se menosprezado ou insultado); a perceção dos outros está seletivamente enviesada para atributos negativos ou vulnerabilidades.

Intimidade. Relações próximas intensas, instáveis e conflituosas, marcadas por desconfiança, dependência e preocupação ansiosa com abandono real ou imaginado; relações próximas com frequência vistas em extremos de idealização e desvalorização e alternância entre sobreenvolvimento e afastamento.

Nota. Adaptado de DSM-5. American Psychiatric Association. (2014). Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5ª ed.). Lisboa: Climepsi.

 Critério B: Traços Preditores (consultar Quadro 3).

Quadro 3. Critérios Diagnósticos para a PPB na secção II e Critério B da secção III do DSM-5.

DSM-IV/DSM-5 (secção II) DSM-5 (secção III – Critério B)

Pelo menos cinco (ou mais) dos seguintes: 1. Esforços para evitar o abandono. 2. Relações interpessoais instáveis

(caracterizadas por alternância entre extremos de idealização e desvalorização) 3. Perturbação da identidade.

4. Impulsividade pelo menos em 2 áreas autolesivas (sem incluir comportamentos suicidas ou automutilantes).

5. Comportamentos suicidários ou automutilantes.

6. Instabilidade afectiva.

7. Sentimento crónicos de vazio. 8. Raiva intensa e inapropriada. 9. Ideação paranóide ou sintomas

Pelo menos 4 das seguintes, em que pelo menos uma deve ser (5), (6) ou (7):

1. Labilidade emocional 2. Ansiedade 3. Insegurança de Separação 4. Depressividade 5. Impulsividade 6. Envolvimento em comportamentos de risco 7. Hostilidade

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dissociativos.

Nota. Adaptado de DSM-5. American Psychiatric Association. (2014). Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5ª ed.). Lisboa: Climepsi.

No âmbito desta dissertação, considerar-se-ão os critérios propostos pelo DSM-5 para a PPB, quer na secção II, quer na secção III, e também a proposta de Lynam e Widiger (2001) para uma operacionalização do constructo relativamente consensual. No entanto, reconhecem-se as significantes contribuições de outras visões e modelos.

Sumariamente, cada visão tem os seus méritos e os seus defeitos. De uma forma geral, as diversas visões apresentadas parecem concordar ao nível sintomático. Já a explicação para os sintomas é que não parece ser consensual. Tal não é de espantar, já que a PPB se parece encontrar numa encruzilhada teórica, entre a Psiquiatria e as abordagens psicodinâmicas. Se a primeira pretende, pelo menos na perspetiva do DSM, ser ateórica e encontrar uma forma de fazer um diagnóstico diferencial, as segundas centram-se numa compreensão fenomenológica e metapsicológica do indivíduo (Medina, 2014). Espera-se que este novo modelo de avaliação das PP possa contribuir para uma linguagem mais partilhada e trazer algum consenso quanto aos padrões de comorbilidade, fatores etiológicos e, acima de tudo, à estruturação do tratamento de doentes com PPB. Pensa-se que a utilização complementar destas diversas perspetivas pode ser útil e não mutuamente exclusiva.

2.5. Etiologia

Ao analisar os fatores etiológicos relacionados com a PPB, é importante notar não apenas a predisposição biológica e os fatores psicológicos, como também as múltiplas formas em que estes interagem para modelar o curso da perturbação (Adams, Bernat, & Luscher, 2002).

2.5.1. Fatores Genéticos e Neurobiológicos

De acordo com uma meta-análise levada a cabo por Amad, Ramoz, Thomas, Jardri e Gorwood (2014), os estudos com famílias e gémeos suportam largamente o papel potencial da vulnerabilidade genética como uma origem da PPB, com uma taxa de hereditariedade de aproximadamente 40%. A maior parte dos componentes da perturbação (e.g. sensibilidade interpessoal, desregulação dos afetos, impulsividade) encontra-se, não só nos pacientes, mas também em diversas gerações das respetivas famílias (Masson, Bernoussi, Mience, & Thomas, 2013). Além disso, existem evidências para interações e correlações gene-ambiente.

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volume da amígdala é mais reduzido do que na população geral e que há uma inibição do córtex pré-frontal aquando da realização de tarefas de exposição a expressões faciais, da reação a palavras com significado emocional e da cooperação interpessoal. Também há evidência de volume hipocampal reduzido em pacientes com PPB. Além disso, algumas investigações encontraram que há uma resposta serotoninérgica reduzida, apesar de ainda não terem sido identificados genes específicos (Leichsenring, Leibing, Kruse, New, & Leweke, 2011).

2.5.2. Fatores Psicológicos

Em termos etiológicos, a PPB é muitas vezes associada a traumas precoces. Algumas ideias derivadas da Psicanálise têm recebido algum suporte empírico e o papel etiológico dos traumas infantis tem-se tornado evidente. O abuso infantil e a negligência são extremamente comuns entre a população com PPB: segundo Frías e Palma (2014), 40-71% foram abusados sexualmente e 25-71% foram abusados fisicamente. Um outro estudo revelou que numa amostra de adultos em tratamento psiquiátrico diagnosticados com PPB 81% reportam histórias de trauma interpessoal na infância, incluindo abuso físico (71%), abuso sexual (68%) e testemunho de violência doméstica (62%). Também foi referido que adultos com PPB têm maior probabilidade de reportar abuso emocional infantil, negligência e maus cuidadores, quando comparados, quer com população não clínica, quer com população clínica com outras patologias (Cloitre, Gavert, Weiss, Carlson, & Bryant, 2014). Há ainda evidência de que os pacientes com PPB têm dificuldades em modular as emoções, o que se parece associar a traumas precoces (Frías & Palma, 2014). Além disso, o trauma, na forma de abuso sexual, está fortemente correlacionado com as automutilações nos pacientes borderline (Herman, Perry, & Van der Kolk, 1989). A automutilação costuma ser frequentemente uma experiência em que não há relato de dor, o que sugere que tem lugar num estado dissociativo. Esta combinação entre trauma severo e o fenómeno dissociativo na PPB levou alguns investigadores a ligá-la com a PPST (Cloitre, Gavert, Weiss, Carlson, & Bryant, 2014).

De facto, os sobreviventes de traumas infantis, especialmente de traumas estendidos no tempo, parecem apresentar maior probabilidade de sofrer de PPST e trauma complexo (cPPST). O cPPST apresenta muitas semelhanças com a PPB, nomeadamente ao nível da desregulação afetiva, impulsividade, ideação suicida, sentimentos de vazio e outros problemas identitários, dificuldades interpessoais crónicas, problemas de abandono, raiva e dissociação. Por estas razões, houve autores que propuseram que a PPB constitui uma forma complexa e crónica de PPST, apesar desta proposta ser controversa (Roth et al., 1997; Pearlman, 2001; Van der Kolk et al., 2005; citados por MacIntosh, Godbout, & Dubash, 2015).

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2.6. Comorbilidade

Como já foi referido anteriormente, uma das maiores críticas levantadas ao diagnóstico da PPB, e que levou alguns autores a duvidar da sua validade diagnóstica, foi a sua elevada comorbilidade (MacIntosh, Godbout, & Dubash, 2015).

A PPB apresenta comorbilidade com perturbações do humor, abuso de substâncias, perturbações do controlo dos impulsos, perturbações alimentares, disforia de género, défice de atenção e PPST (Gunderson & Zanarini, 1987; van der Kolk, 1987; Herman, Perry, & van der Kolk, 1989; Widiger & Frances, 1989; citados por Adams, Bernat, & Luscher, 2002).

Além disso, a PPB coexiste frequentemente com outras PP, especialmente as do Grupo B. Tal faz algum sentido, já que existem alguns elementos comuns subjacentes a este grupo, como o comportamento dramático ou errático e a falta de controlo dos impulsos (Adams, Bernat, & Luscher, 2002). Por exemplo, Widiger e Trull (1993) demonstraram que muitos indivíduos que recebem o diagnóstico de PPB recebem também o diagnóstico de uma outra PP. Alguns investigadores sugeriram que este problema poderia ser resolvido ao substituir o sistema categorial por um sistema dimensional, já que num sistema categorial é relativamente fácil que as perturbações se sobreponham (Widiger, 1993).

2.7. Prevalência

Dentro da população geral, Gunderson (2009) estima que 2-3% dos indivíduos tenham esta perturbação; dentro da população psiquiátrica, a prevalência é de 25% nos doentes em regime de internamento e 15% nos doentes em regime de ambulatório. Dentro da população clínica, 75% dos pacientes diagnosticados com PPB são mulheres, apesar desta percentagem parecer ser menor em amostras da população geral (Gunderson, 2009). Widiger (1998) afirma que há um enviesamento de género no diagnóstico da PPB e que os clínicos tendem a aplicar um estilo enviesado no diagnóstico da mesma, especialmente porque certas características da perturbação são estereotipicamente mais atribuídas às mulheres. Esta influência do enviesamento sexual foi suportada por um estudo de Becker e Lamb (1994; citados por Adams, Bernat, & Luscher, 2002).

2.8. Medição do constructo

A PPB tem sido avaliada de diversas formas, com os diversos instrumentos a terem também na sua base uma visão própria.

Clinicamente, a forma mais comum de avaliar esta perturbação é através da entrevista não estruturada (Western, 1997; citado por Adams, Bernat, & Luscher, 2002), apesar do modelo preferível ser a entrevista semiestruturada ou estruturada. Existem diversas entrevistas semiestruturadas e estruturadas para o diagnóstico categorial da PPB (Adams, Bernat, & Luscher,

Referências

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