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Esse estudo buscou identificar e entender a expressão de TEPT e os fatores associados aos aspectos de comportamentos desadaptados diante de sinais que pudessem caracterizar o transtorno em trabalhadores de uma atividade profissional específica, bombeiros. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (IBGE, 2010) apontam que no país atualmente só 14% dos municípios têm Corpo de Bombeiros, e nesses locais o efetivo é muito reduzido em relação à quantidade de habitantes. Isso se justifica pela legislação brasileira que limita os recursos do Estado devido à lei de responsabilidade fiscal, que não permite que mais de 46% do orçamento do Estado seja gasto com recursos humanos (Brasil, 2000).

Com essa tomada de decisão das administrações do Estado quem sofre é a população que é coberta por um efetivo de bombeiros cinco vezes menor do que os padrões determinados pela entidade norte-americana NFPA – National Fire Protection Association (0,5 a 2,7 bombeiros para cada mil habitantes). No Brasil, em relação ao efetivo, apenas o Distrito Federal, Amapá e Rio de Janeiro seguem os padrões internacionais de segurança. Nos dois Estados avaliados, PB E RN, foi possível identificar que em ambos, o efetivo está consideravelmente abaixo dos padrões estabelecidos pelo NFPA (NFPA, 2011). Na Paraíba constavam apenas 0,31 do efetivo por mil habitantes e no Rio Grande do Norte apenas 0,21 (IBGE, 2010).

Pode-se entender que essas limitações sobrecarregam o trabalho do efetivo existente atualmente, pois não existe um limite mínimo de efetivo nem de gasto estipulado do orçamento direcionado para essas corporações, deixando as corporações desguarnecidas de efetivo e material necessário de trabalho. Em matéria veiculada em

rede nacional, discutiram-se as condições de precariedade do serviço desses profissionais em todo o país, que em sua grande maioria não dispõe de um corpo de bombeiros na cidade, ou quando tem, os equipamentos de trabalho estão em condições inviáveis para o uso. Conforme reportagem ocorre uma média de 200 mil incêndios por ano, sendo mais de 500 por dia, e o que se verifica entre os estados brasileiros é a alocação mínima de apenas cinco corpo de bombeiros por Estado, estando grande parte do território desguarnecida pelos bombeiros. No Estado de Minas Gerais criou-se a lei estadual de 2003 para a taxa de incêndio com o objetivo de reforçar o orçamento dos bombeiros, contudo há mais de 25 municípios desse Estado sem Corpo de Bombeiros. Esta taxa é cobrada de donos de indústrias e de comércios que apresentam alto risco de incêndios em todo o país (Ferreira, Tavares, & Ferraz, 2013). Em matéria veiculada pelo RNTV, da emissora Globo RN, verifica-se essa falta de material e efetivo para ações rotineiras de verificação e liberação do Habite-se em escolas filantrópicas da capital potiguar (Globo, 2013a), e atraso na entrega do documento para boates desta cidade (Globo, 2013b).

As tomadas de decisão são mais uma medida política que mesmo de produção e necessidades do território, não há nenhuma base de informações sobre as necessidades de cada local. Essa sobrecarga pode afetar direta e significativamente a saúde do profissional, que em sua grande maioria evita buscar ajuda, gerando altos índices de estresse e doenças psicossomáticas (IBGE, 2010). A partir dos resultados obtidos é possível levantar questões acerca dos cuidados de prevenção para essa população, como são abordados ao ingressarem na corporação e se há algum acompanhamento ao longo de sua carreira que possa dar suporte, ou mesmo sugerir esse suporte.

Ao se observar os dados sobre escolaridade na amostra utilizada, foi possível identificar que o maior número dos sujeitos da amostra já havia concluído ou estava concluindo o Ensino Médio ou Superior. Infere-se que os sujeitos que ingressaram na corporação dos bombeiros, o fizeram via vestibular o curso de formação de oficiais com o objetivo de seguir carreira militar integralmente, ou buscaram outra formação superior na área civil, visto que as condições de trabalho desta profissão não lhes dão a estabilidade financeira almejada, que pode ser um fator a se considerar visto que a instabilidade pode levar ao estresse. Bezerra (2011) sugere que a qualidade do serviço do bombeiro é inerente as suas condições de trabalho, desse modo é preciso estar atento sempre às respostas comportamentais desses profissionais a fim de prevenir posteriores danos à saúde destes.

A parcela representativa dos participantes encontrava-se na faixa dos 21 a 40 anos, podemos inferir desses resultados que a amostra participativa do estudo é uma população mais jovem que pode ter ingressado recentemente na corporação por meio de concursos e/ou curso de formação mais aberta a participações em pesquisas. Diferentemente dos participantes de faixa da meia idade (41-60 anos) que podem ter ingressado em um momento anterior a desvinculação dos bombeiros da corporação da polícia militar, tendo assim, uma experiência maior em relação a seus colegas de trabalho. O primeiro grupo possivelmente busca conhecimento de sua reação individual e em grupo e de suas experiências de trabalho, meios de motivação e satisfação no trabalho (Bezerra, 2011; Farnsworth & Sewell, 2011; Lima & Assunção, 2011).

Foi possível observar, a partir das variáveis sociodemográficas, que na população estudada há uma maior quantidade de sujeitos com um nível de escolaridade alto, que já estão casados e apresentam-se numa faixa etária de jovens adultos.

Demonstrando que se busca uma estabilidade encontrada ao ingressar na corporação dos bombeiros, porém, como outras instituições públicas há também suas limitações financeiras, isso faz com que apesar de toda estabilidade, o bombeiro busque alternativas para ter uma qualidade de vida digna (Del Ben et al., 2006; Witteveen et al., 2007). A busca por essa qualidade de vida leva o profissional a aceitar outros trabalhos, em conjunto com a sua profissão de bombeiro, bem como aceitar ofertas de horas extras a mais em sua carga horária habitual. Isso acarreta em sobrecarga de trabalho, profissionais insatisfeitos com as condições de seu trabalho, fadiga física e psicológica e estresse (Bezerra, 2011). Ao sobrecarregar-se o bombeiro está mais propenso a adquirir sintomas de estresse e ansiedade diante da impotência frente a uma situação fora de seu controle e de suas limitações, exigindo para além de suas potencialidades.

Os resultados demonstraram que a representatividade do TEPT na amostra utilizada foi significativa, evidenciando taxas de prevalência que corroboram com outros estudos da área que apontam uma prevalência do TEPT na população de 5% a 6% para os homens (Breslau, Davis, Andreski & Peterson, 1991; De Quervain & Margraf, 2008; Kessler et al, 1995; Kessler et al, 2005; Nemeroff et al., 2006; Schestatsky et al., 2003). O que demonstra ser algo preocupante visto que, dessa amostra, apenas 4,6% dos sujeitos afirmaram ter feito algum tipo de acompanhamento psicológico ao longo de suas vidas. Evidenciando que não há um acompanhamento psicológico desses profissionais ao longo de sua carreira militar.

Na corporação de Bombeiros do Rio Grande do Norte observou-se ausência de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Não havendo qualquer substituição do mesmo, ou a regularidade de um atendimento psicológico. A porcentagem da amostra que afirmou ter realizado acompanhamento psicológico, não informou o período nem se

foi dentro da corporação esse acompanhamento. Assim como os bombeiros ficou evidenciado na Polícia Militar do Rio Grande do Norte a existência de apenas um (01) psiquiatra para mais de 9.000 mil integrantes (Oliveira Júnior, 2013). Nessas duas instituições, a avaliação psicológica ocorre só na fase de seleção do concurso público para ingresso na corporação, ou no início do CFO, não havendo, a partir daí, o acompanhamento psicológico que é de fundamental importância pela falta de profissional na área de psicologia no quadro de saúde da instituição.

É notório dentre os resultados obtidos que há um alto índice de participantes com TEPT no Estado do Rio Grande do Norte, principalmente na cidade de Pau dos Ferros, onde se obteve um número maior de sujeitos com sintomas do transtorno que sujeitos sem os sintomas. Nessa mesma cidade observaram-se as maiores médias em todos os instrumentos utilizados, podemos inferir disso que as condições de trabalho precárias daquela localidade em conjunto com a grande distância da capital, a falta de um acompanhamento multiprofissional de saúde e um trabalho em turno diferenciado das demais corporações pode contribuir para valores elevados para risco de transtorno ou mesmo a presença do transtorno, no que se refere à saúde geral desses profissionais.

Autores levantam a hipótese de que profissionais como bombeiros e socorristas não são grupos comparáveis a população geral. Estudos realizados com essa amostra poderiam diferiria significativamente de amostras com a população envolvida em um mesmo evento estressor, visto que a experiência profissional e a construção de estratégias coletivas de enfrentamento são pontos explicativos para essas diferenças observadas (Hagh-Shenas, Goodarzi, Dehbozorgi & Farashbandi, 2005). Esses mesmos autores sugerem que a formação desses profissionais os prepararia e auxiliaria a enfrentar eventos estressores sem que haja efeitos secundários negativos. Outros autores

corroboram com essas hipóteses sugerindo que esses profissionais apresentam características diferentes, tais como, o treinamento recebido, a duração e a frequência da exposição aos eventos traumáticos e a influência de variáveis organizacionais que poderiam auxiliá-los no enfrentamento de tais situações (Clohessy & Ehlers, 1999; Lima & Assunção, 2011; Regehr & Bober, 2005; Sterud, Ekeberg & Hem, 2006)

Os dados desse estudo demonstram que apesar da experiência profissional e de diferentes estratégias de enfrentamento, os sujeitos ainda apresentam aspectos desadaptados de seu comportamento diante de eventos traumáticos, e que tendem a uma progressão exponencial negativa ao longo do tempo, sem o tratamento adequado, sugerindo que esses fatores não são conclusivos para sugerir a presença ou não do transtorno. Cabe apontar que é preciso levar em consideração características de personalidade e capacidade de adaptação ao ambiente. A resposta a eventos traumáticos é dada a partir de fatores diversificados e é necessário levá-los em consideração para prevenir respostas desadaptadas (Ballenger, Davidson, Lecrubier, Nutt, & Marshall, 2004; Heinrichs, Wagner, Schoch, Soravia & Ehlert, 2005;).

Os resultados referentes às análises entre os instrumentos QSG e MINI demonstraram que as médias maiores encontravam-se nos participantes que apresentavam sintomas de TEPT, isso pode sugerir que esses sujeitos tem maiores propensões a desenvolver problemas de saúde mental. Dentre os fatores, as maiores médias foram no fator Desempenho, que se refere à consciência da capacidade de realizar as tarefas do cotidiano de forma satisfatória; e, no fator Sono, representado pelos distúrbios do sono, ou seja, problemas referentes ao sono, como pesadelos ou insônia (Pasquali et al., 1996). Com quadros sintomáticos de redução do desempenho e sono prejudicado, a qualidade do serviço desses profissionais decai, assim como passam

a desenvolver o TEPT (APA, 2002; Calhoun & Resick, 1999; Milet e Sougey, 2010; Quevedo et al, 2003), também há a possibilidade de desenvolverem outros transtornos em comorbidade é algo muito comum de acontecer em conjunto com o desenvolvimento de TEPT (Kessler et al., 1995; Kristensen, Parente & Kaszniak, 2005; Margis, 2003; McFarlane, 2000; Sousa, 2010; Stewart, et al, 2006).

Ao analisar os resultados referentes ao desempenho, entende-se que por estarem submetidos a um regime hierárquico, a tendência dos bombeiros segue para unificação do grupo. Porém percebe-se que há uma maior crítica pessoal do sujeito à medida que sua escolarização aumenta, exigindo mais de si e também de seus companheiros. Torna-se mais vulnerável a críticas, a característica militar influencia nessa cobrança por um melhor desempenho sempre em seu serviço (Câmara-Filho & Sougey, 2001). Dentro da realidade militar, o profissional é orientado a alcançar o mais alto grau de expressão técnica e profissional, cujas exigências se tornam respaldadas pelo grupo de pares e constantemente expressas, o que pode caracterizar o incremento de auto exigência e percepções isoladas de incapacidades (Oliveira Júnior, 2013)

Verificou-se com relação ao Fator Sono, ser necessário levar em consideração que essa população trabalha em condições de turnos para a realização das ações e tem o aquartelamento como uma atividade comum ao regime militar, assim, as mudanças de hábitos de sono não se apresentam como idênticas à população geral, e tornam-se mais frequentemente expressivas, o que pode explicar esses resultados (Saijo & Ueno, 2008; Drake et al., 2004). Já em relação ao Fator Psicossomático, que muitos participantes com grau de escolaridade alto pontuaram significativamente, podemos sugerir que há nesses sujeitos uma melhor capacidade de percepção simbólica, ou seja, melhor capacidade de leitura de si e compreensão interna, tornando-os mais exigentes no

trabalho, e relacionando quando algum problema físico é diretamente de ordem psicológica.

Ao ser realizado análise dos dados da Escala R e a MINI, verificou-se evidências de validade do primeiro instrumento. Os resultados demonstraram que, as médias maiores eram dos participantes que apresentaram sintomas de TEPT. Tal achado pode indicar que o instrumento tem apropriada sensibilidade em distinguir pessoas que apresentam ou não o transtorno. Os resultados do Alpha de Conbach e correlações com os outros instrumentos demonstraram a fidedignidade da escala R. Em investigações recentes apresentaram-se evidências de que a escala é sensível em identificar pessoas com grupos de contrastes não diretamente relacionadas ao TEPT (Alencar, Sousa, Rocha, & Alchieri, 2012; Rocha, 2011; Sousa, 2011).

Os resultados da análise fatorial exploratória indicaram que para os resultados obtidos na escala demonstraram ser mais adequada e correta em termos estatísticos para o modelo unifatorial. A escala apresentou uma estrutura relativamente diferente da estrutura original, contudo isso era esperado, por causa de questões amostrais, e por causa da qualidade do instrumento. Uma característica importante levando-se em conta o modelo original foi que muitos itens apresentaram cargas cruzadas, aparecendo em vários fatores e em várias dimensões, quando analisadas no conjunto do instrumento (Damásio, 2012; Hayton, Allen, & Scarpello, 2004).

Uma propriedade do modelo original, visto que um mesmo item pode avaliar diferentes transtornos. (Millon, 1997). Essa característica do MCMI-II é um problema comum em instrumentos com grandes quantidades de itens, ainda mais quando eles são dicotômicos, pois apresentam pouca variabilidade. Quanto menor o número de cargas cruzadas melhor, pois os fatores apresentam maior validade discriminante, ou seja, cada

fator avalia claramente o que ele quer medir, se diferenciando de outros construtos (Hair, Anderson, Tatham & Black, 2005). Analises fatoriais anteriores, realizadas com esse mesmo instrumento, porém com escalas diferentes demonstraram resultados favoráveis para a fatoração dos itens, podendo indicar correta tradução e adaptação da escala para a o país (Rocha, 2011; Sousa, 2011).

O Inventário Clínico Multiaxial de Millon - III (MCMI-III) é baseado na Teoria de Personalidade de Millon. Segundo Alchieri et. al. (2005), essa teoria apresenta-se como uma ligação entre avaliação e intervenção, tornando as investigações cientificas de grande importância para aplicação na clínica psicológica. Tal teoria é baseada em estabelecimento de categorias da personalidade através de deduções formais (Aiken, 1997), ela relaciona características de personalidade, principalmente no desenvolvimento de inventários que tinham como principal enfoque a avaliação de personalidades e traços de personalidade normal e patológica que eram desenvolvidos ao longo da experiência de vida do sujeito, de um modo como este percebia a realidade em seu meio e como aprendia a lidar com ela.

Segundo Kirchener et.al. 1998 (citado por Alchieri et.al., 2005) Millon, em seus estudos apontou que os estilos de personalidade são resultantes de experiências de aprendizagem desenvolvidas nos meios comuns ao individuo como a família e a escola, como também todos os eventos que se apresentam importantes desde o nascimento. Quando tais condutas se mostram insuficientes para dar conta da adaptação do indivíduo, podem levar ao surgimento de ações mal adaptadas que se apresentam das seguintes formas: em momentos que o sujeito é exposto a situações ansiogênicas e ainda não possui capacidades adaptadas e ajustadas para lidar com a situação, como sentimentos de segurança e controle, podendo vir a desenvolver estratégias defensivas

globais que dificultam uma forma sadia de desenvolvimento. Em condições emocionalmente neutras que promovam a aprendizagem de formas de conduta não adaptativas, que por sua vão ensinar ou reforçar estilos de comportamentos pouco adaptativos ao ambiente. E ainda experiências insuficientes na forma de estimulação adequada, que irão produzir déficits de aprendizagem em condutas mais adaptativas.

Este tipo de aprendizagem ocorre desde o inicio do desenvolvimento e podem ser avaliadas em termos de intensidade, frequência e sensibilidade biológica. As experiências mais precoces afetam as subseqüentes e tendem a repetir e fixar seu próprio ritmo de ocorrência (Alchieri et, al., 2005). Conforme Casullo (2000), os modos de adaptação representam a necessidade do sujeito de estar de acordo com as regras do meio em que vive, podendo ser de modo passivo, no qual ele busca abrigo, proteção e segurança, ou de forma ativa, o qual ele procura adaptar o ambiente às suas necessidades pessoais. Entendendo assim que um funcionamento psicológico normal é representado pela manifestação de equilíbrio entre a atividade e passividade.

Estudos indicam que o MCMI-III é o segundo instrumento objetivo mais usado para avaliação da personalidade em civis e criminais, seu uso é relatado em mais de 55% dos casos avaliados por peritos forenses e mais de 63% dos casos avaliados por peritos para avaliação de custódia de crianças (Archer, Buffington-Vollum, Stredny & Handel, 2006; Bow, Flens & Gould, 2010). Estudos sugerem que o MCMI-III se mostra mais adequado para uso em uma população clínica, tal como recomendado no original. Nesse estudo, foi possível identificar aspectos de transtornos mesmo em uma população não clínica. Indicando que esse instrumento é uma ferramenta que pode auxiliar na medida de possíveis sintomas de transtornos de personalidade.

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