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Este capítulo traz à tona a discussão do pesquisador referente aos dados

transcritos sob a ótica da análise do discurso. Em um primeiro momento será levado

em conta os dados coletados do material contido nos meios de comunicação,

divulgados de forma pública, da CONSULT. Em seguida, será trazido ao debate a

percepção dos empregados quanto os motivos propulsores à prática das ações sociais

promovidas pela empresa estudada e, portanto, seus beneficiados.

As empresas têm se esforçado em elaborar e publicar relatórios cada vez mais

sofisticados, os quais exaltam seus esforços, investimentos e realizações em ações

sociais, assim como na proteção ao meio-ambiente e no respeito aos seus

empregados. Estes fatores estão, cada vez mais, sendo levados em conta pelos

funcionários das companhias e até mesmo dos consumidores e clientes dos produtos

e/ou serviços oferecidos. Pode-se afirmar, portanto, que uma atitude pró social passa a

ser extremamente valorizada dentro e fora das empresas, com exigências de um perfil

mais “verde” e humanitário. Nos seus discursos, estas políticas e práticas relatam

sempre situações de ganha-ganha, em que uma realidade utópica é fotografada e

divulgada como sendo uma situação corriqueira.

Assim como as demais empresas no mercado, a CONSULT prega uma política

voltada para a humanização de suas ações, ou seja, em teoria, as atividades sociais

promovidas por ela objetivam somente em ajudar o próximo, melhorando a qualidade

seus empregados, que por sua vez, o fazem com total veemência e comprometimento,

dotados sempre do espírito voluntário, isto é, sem almejar nada em retorno.

No entanto, quando analisados os discursos transcritos, dos empregados

entrevistados, percebem-se as reais intenções que estão por vir nos programas sociais

da CONSULT. De fato é afirmado que a empresa busca desenvolver o bem estar nas

comunidades nas quais está inserida. No entanto, ainda restam algumas perguntas

importantes a serem respondidas, como por exemplo: mas, por que essa ajuda se

restringe somente às comunidades localizadas no entorno da companhia? As demais

comunidades, não merecem ser ajudadas? Com essas poucas indagações pode ser

percebido que por trás de toda essa caridade propagada e enraizada na cultura

organizacional, camuflam-se objetivos mercadológicos e estratégicos, uma vez que não

seria de interesse da empresa gerar esforços em se cultivar laços ou promover a

melhoria em regiões onde a empresa não tem nenhum vínculo, e consequentemente,

não traria frutos. Desta forma, é revelada a posição “oficial” da empresa em que só é

válido ajudar mediante uma ajuda recebida em troca, ou seja, aqui a prerrogativa de

que “é dando que se recebe” torna-se afirmativa.

Outro ponto que merece destaque neste trabalho é o esforço da empresa em

fazer com que o empregado participe dessas ações sociais. A CONSULT preza muito e

divulga pelos corredores do edifício em que se situa fotos e imagens que chamam e

prendem a atenção do funcionário. Pensando nisso, foi desenvolvido um programa

especial, durante o expediente de trabalho de modo que o empregado possa se

engajar nos programas sociais sem que este precise ceder seu tempo de descanso

estritamente voluntário, no qual a empresa abdicaria do lucro promovido pelo trabalho

de seus empregados em prol do desenvolvimento da comunidade beneficiária. Ao

invés de o empregado se dedicar à realização de suas tarefas e obrigações diárias, ele

cederia este tempo para ações de voluntariado, ajudando determinada(s)

comunidade(s) ou atuando em práticas a favor do meio-ambiente.

Infelizmente, esta visão só se fez presente no discurso da empresa. Na visão

dos empregados, por exemplo, este incentivo, ocorrido de forma demasiada, revela um

lado até mesmo sombrio da história, em que a empresa e, inclusive, seus

trabalhadores, colhem frutos dessa estratégia disfarçada de filantropia. Neste item, um

fato que deveria ser visto pelos membros organizacionais como positivo, emocionante

e estimulante para a grande maioria das pessoas, acaba tendo um lado negativo, que

reflete e prejudica diretamente a todos os envolvidos, que vão desde os empregados, a

empresa em si e, principalmente, as comunidades.

Em teoria, quando é realizada uma ação social para ajudar uma comunidade, ou

um grupo específico de indivíduos que sofrem qualquer tipo de dificuldade é feito,

quase que de forma instantânea, uma alusão aos fins dessas ações, ou seja, é natural

(e correto) se pensar que o objetivo principal, e único, é de se ajudar o próximo, sem

nada em retorno ser oferecido, afinal, ninguém está trabalhando de forma compulsória,

mas como o nome diz; voluntária.

No entanto, na prática, as ações sociais desenvolvidas mostram diversos fins,

mas praticamente nenhum atrelado ao conceito filantrópico sugerido. Devido aos dos

pode-se ver que há muito pouco, ou nada, de filantropismo presente no trabalho

voluntário realizado por eles, de maneira que toda e qualquer ação social promovida

pela empresa é sempre observada de forma incrédula por quem as pratica e quem de

fato é ajudado por elas. Desta forma, é possível constatar que os ideais promovidos

pela empresa ficaram somente no discurso e em nada foram compartilhados por seus

trabalhadores, o que nos remete em afirmar que de nada adianta divulgar e investir em

ações sociais se as mesmas são vistas de forma incrédula e pejorativa.

De fato, houve uma separação muito clara acerca de quem, na opinião dos

entrevistados, seriam os principais agentes que estariam sendo beneficiados pelos

programas de RSC, bem como as intenções destes em pratica-los, e, que uma vez não

sendo os suportados pelo programa, desmascara as verdadeiras intenções do porque

se filiar as tais ações.

O primeiro e mais citado agente nas entrevistas se fez também o mais intrigante.

Na maioria das entrevistas coletadas, a própria empresa – no caso a CONSULT – foi

citada como a grande vilã e beneficiada com as ações de responsabilidade social, uma

vez que a companhia não apresenta qualquer intenção que não a mercadológica para

justificar o apoio às ações sociais. Desta maneira, valeu-se do uso da RSC como uma

ferramenta de marketing, obtenção de reputação, maior engajamento e geração de

comprometimento do empregado e construção de vantagem competitiva perante o

mercado. Tais ações, consequentemente, sempre resultam em retorno financeiro. Com

isso, foi constatado que a culpa por tal simulacro recai sobre uma pessoa jurídica,

quando na verdade esta deveria ser atribuída às pessoas físicas que compõem a

formam a estrutura da corporação? Nota-se que quando o benefício gerado não pode

ser endereçado a um indivíduo específico, é criada uma entidade com o nome

“empresa”, em que está é representada por um organismo vivo; capaz de executar

tarefas e tirar lucro a partir delas. Da mesma maneira, a esta “pessoa” foram atribuídos

valores e personalidade, que, no contexto estudado foi personificada por intenções

cruéis e interesseiras.

Esta separação entre físico e jurídico se fez novamente presente quando se

buscou a creditação de reconhecimento pelo serviço prestado, o que mostra a

incoerência do pensamento na utilização da RSC. Por se tratar de um trabalho

voluntário, seu praticante não deveria esperar nada em troca, sendo este retorno

monetário ou não. O fato da gratidão pelo trabalho realizado ser lembrado em nome de

outro agente, no caso a firma, gerou revolta em alguns empregados, que de maneira

contraditória se diziam voluntários. Isso nos leva a crer que por mais filantrópica que

seja a intenção de quem pratica o trabalho voluntário, esta nunca será inteiramente

verdadeira.

Desta forma, nos indagamos com o que levaria um empregado a se

comprometer com o seu tempo, trabalho e, muitas vezes, seus recursos financeiros a

causas que, em um primeiro momento, não trariam nenhuma vantagem em fazê-la. Por

mais que queiramos responder que a vocação em ajudar o próximo finalmente mostrou

a sua face, devemos nos lembrar dos discursos captados no capítulo anterior, em que

se mostrou que tal afirmativa, infelizmente, não seria cabível. De forma surpreendente,

mais uma vez pode-se concluir que os precedentes que impulsionaram esse agir social

empregado se consolidou como o segundo agente com o maior incremento de

benefícios resultantes das ações de responsabilidade social.

Durante as entrevistas, diversas foram as opiniões relatadas pelos empregados

da CONSULT a respeito da RSC. Enquanto uns buscavam redirecionar a sua imagem,

se passando por pessoas que não eram, somente para terem preferência na avaliação

anual da empresa, outros enxergavam que tais ações pudessem trazer benefícios

futuros, até mesmo fora da empresa. Neste caso, é cabível dizer que vale a pena

“perder o tempo” ajudando os outros em troca de um possível reconhecimento pelo

mercado de trabalho, inclusive por intuições internacionais de ensino. Desta forma, a

aderência em programas voluntários se mostra como um meio de se atingir os

objetivos profissionais de quem o pratica, principalmente no que diz respeitos às metas

no longo prazo, como seria o caso da realização de uma pós-graduação no exterior.

Portanto, o uso da RSC na vida do trabalhador se constitui de um planejamento

estratégico, exatamente como é feito em qualquer organização empresarial.

Outro fator observado foi o sentimento de culpa que o indivíduo pode apresentar,

havendo o reconhecimento de quão nociva as ações diárias do ser humano podem ser.

Neste sentido, se faz interessante perceber que o empregado sabe que alguém é

prejudicado com seus hábitos, no entanto, o fato curioso é que não há nenhum

interesse em mudá-los. No anseio de esconder de si mesmo, ou até amenizar a culpa

por saber que ele, ou ela, prejudica o meio em que vive, opta-se por aderir a algum

programa social. Nota-se que esta atitude não se relaciona em nada com o sentimento

de ajudar o próximo, como é sugerido pelo filantropismo, mas somente há uma busca

esta “equação social” é equilibrada com ações beneficentes. Este fato nos credencia a

afirmar que é “normal” e aceitável agir contra o bem estar da comunidade, desde que

estas ações seja reparadas posteriormente.

Vale frisar que pensamentos como este não acontece de maneira muito

diferente no ambiente corporativo. Tomamos por exemplo a política de créditos de

carbono, em que a indústria compensa a poluição que causa devido à natureza de

suas atividades, ou seja, tem permissão para poluir, em troca do plantio de mudas de

árvores. Como se toda a biodiversidade daquela região destruída fosse ser

reconstituída de igual maneira ao ser inserida outra vegetação em local diferente do

afetado inicialmente. Em outras palavras, realizar um trabalho de RSC como, por

exemplo, recolhendo lixo da praia, dá o direito de viver uma vida de desperdícios.

De fato, independente do motivo pelo qual leve o empregado a se engajar nas

atividades sociais propostas pela CONSULT, este é visto pelo seu par de trabalho de

forma duvidosa. De forma majoritária, os entrevistados afirmaram que aderiram à

prática do trabalho voluntário de boa fé, mas quando solicitada a avaliação do colega

de trabalho, os mesmos foram enfáticos afirmando que a grande maioria o fazia

apenas por motivos de interesses pessoais. O mesmo ocorreu com aqueles que

afirmaram realizar as ações sociais na esperança de algum retorno, seja ele financeiro,

pessoal ou profissional. No caso destes, todas as ações eram movidas apenas por uma

esperança de recompensa, o mesmo se aplicando aos demais colegas. Analisando o

limite desses discursos, conclui-se que todos atuam de forma involuntária, menos o

entrevistado daquela ocasião. Ocorre que aquele entrevistado, na visão de outro

beneficiar com os programas da empresa. Desta maneira, ao extrapolar essa análise

para os demais participantes da pesquisa, todos estarão presentes no discurso do

colega. Logo é correto afirmar que na visão dos empregados entrevistados nesse

estudo, não há nada de filantropismo no trabalho voluntário, uma vez que todos

estariam camuflando suas reais intenções, e que em nenhuma delas se assemelha ao

propósito do filantropismo.

Portanto, a rigor, os empregados revelaram, por meio de palavras, gestos e

expressões faciais, que suas participações nas ações de RSC se dão por

conveniência, constrangimento de recusar o convite feito pela empresa ou, no caso da

avaliação do companheiro de trabalho, fingimento. Todo esse simulacro revela a

racionalidade do mercado, a qual reza que a empregabilidade, bem como o progresso

na carreira, de um indivíduo depende de ele – ou ela – ser percebido(a) como

proativo(a), engajado(a), comprometido(a); vocábulos que se repetiram

constantemente ao longo das entrevistas.

Da mesma forma, foi possível constatar nos fragmentos analisados o

pensamento, quase que robotizado, sobre a consequência positiva que as ações

sociais trazem. Nesse aspecto podemos interpretá-los sob dois pontos de vista; no

primeiro, entende-se, que por trás de uma ação obrigatória ou “forçada”, um bem maior

é praticado, e, nesse caso os fins justificariam os meios. Nesse momento o folclórico

conto de Robin Hood ganha vida, e todas as artimanhas apontadas pelos entrevistados

são perdoados, afinal, está se fazendo um bem a uma comunidade e para esta, não

importa o motivo que levou o empregado a praticar o ato, mas sim que este foi

proposto contra a vontade do empregado, ou seja, é como se o trabalhador buscasse

uma justificativa para acatar a imposição do mercado, como se quem diz “estou aqui

contra a minha vontade, mas pelo menos estou ajudando alguém”. Esta forma de

pensar faz com que sejam provocados efeitos ambíguos nos sentimentos destes

indivíduos; pois, aquele que participa das ações sociais, independente do motivo, pode

sentir um bem-estar por ter ajudado alguém e por outro lado, esta sensação positiva

viria acompanhada da frustração de não se ter agido espontaneamente, e sim por

esperar algo em troca. Esta inversão de papeis - ora assumindo um posicionamento

negativo, representado pelo jogo político e interesseiro no qual o mundo corporativo

está inserido; ou quando se está agindo em prol de causas que buscam a recompensa

para si ou outrem, mas se forçam a acreditar que estão agindo em prol de causas

nobres, se tornando vítimas da própria ambição - pode provocar mudanças nas

personalidades dos empregados. O resultado desta ambiguidade faz com que os juízos

de valor sejam perdidos, tornando difícil de distinguir o que deve, ou não, ser permitido

no mundo dos negócios e até aonde se pode ir para se obter vantagem competitiva, o

que coloca em dúvida, inclusive, o conceito da ética estabelecida no mundo

corporativo. De fato, essa mudança na personalidade pode ser desmembrada em

diversos segmentos, ultrapassando os limites da RSC, uma vez que o ato de mentir

sobre suas convicções não se faz muito distante de falsificar documentos, atuar de

forma irresponsável ou difamar o companheiro de equipe. A ética – que analisa valores

morais e princípios do comportamento humano – se torna outro item de extrema

importância e relevância no que tange à RSC e a discussão acima. A questão principal

caso da afirmativa ser comprovada, quais seriam estes, mas sim evidenciar que os

meios e o fins desse processo social estariam sendo invertidos, ou seja, a construção

de vantagens e retornos derivados das ações de RSC deveriam vir em consequência

às suas práticas, e não serem as justificativas para a sua realização.

Por fim, vale ressaltar que, de fato, alguém está sendo ajudado, e por mais

ambíguo que possa parecer, estas ações não devem ser extintas, mas sim melhor

planejadas. Como visto neste estudo, não há uma coordenação, ou um planejamento

eficiente voltado para as atividades previstas no programa de voluntário. Estas ações

acontecem de forma deliberada sem uma estruturação prévia que facilite a realização

das mesmas. Uma solução possível para este fato seria se estes programas fossem

classificados e determinados por regulação do Estado, ou seja, seria uma ação “top-

down”, em que o Estado ditaria os tipos de ações previstas para determinada

comunidade. Neste caso, caberia às empresas formularem como bem quisessem a

estrutura de realização das atividades sugeridas. Desta maneira, a percepção

pessimista dos empregados quanto às intenções da firma seriam minimizadas, uma

vez que todo o mercado estaria sujeito às mesmas legislações e a bandeira da RSC

não poderia mais ser utilizada como instrumento de obtenção de reputação, benefício

fiscal, retenção de talentos, instrumento de marketing e engajamento dos empregados.

Quanto à percepção dos empregados referentes aos seus colegas de trabalho,

acredita-se que estas permaneceriam as mesmas.

De fato, apesar dos discursos analisados terem um viés negativo, não se pode

tomá-los como única e verdadeira opinião sobre as ações de RSC. Este estudo

Brasil - e de uma empresa apenas - CONSULT. Talvez, se fosse conduzido este

estudo em diferentes localidades, ou empresas de outros segmentos e naturezas

(pública/privada), teriam sido obtidos resultados distintos. Uma sugestão seria o

confronto das respostas coletadas nos discursos dos empregados da CONSULT com o

de ONGs especializadas com ações assistenciais, uma vez que em empresas dessa

natureza, a priori, a obtenção de lucro não está institucionalizada como sendo o core

das atividades por ela promovida.

Este capítulo teve como objetivo apresentar a discussão do autor sobre os

dados analisados na seção anterior, bem como a contribuição do pesquisar para o

campo estudado. Faz-se válido salientar que diferente dos estudos prévios existentes

no campo da RSC, em que a corporação é posta em primeiro plano, e a partir disto,

são construídas bases teóricas, este trabalho teve como principal contribuição captar a

percepção dos empregados, cujas vozes têm sido abafadas e ignoradas pelo campo.

Desta maneira, esta pesquisa nos permitiu concluir que existem duas vertentes quando

se trata de RSC. A primeira delas se faz presente na parte teórica, em que as

proposições do trabalho voluntário e do filantropismo se fazem presente. Contudo, se

faz necessário esclarecer que o fato de possuir um discurso teórico, não significa que

este deverá ser sempre positivo, como mostrou a literatura aqui abordada, mas sim

uma visão condicionada à empresa. A segunda vertente formulada nessa pesquisa

seria a RSC vista na prática, ou seja, aos olhos de quem formula, defini, planeja e

executa as ações sociais. Nesse ponto, os empregados demonstraram diversas

opiniões e posições de como se consiste a RSC e suas características. Ao final, pode

palavras, toda a “malandragem” e “esperteza” presente nas intenções da firma em

proporcionar essas benfeitorias sociais, estão contidas nas intenções de quem mais as

recrimina, seus próprios empregados. Desta forma, concluímos que empresa e

empregado não são entidades diferentes, mas sim uma engrenagem viva composta por

partes que juntas, constroem de forma concisa todo esse arcabouço estratégico em

7. CONCLUSÃO

Este estudo analisou o discurso e a prática adotada no campo da

Responsabilidade Social Corporativa por uma empresa de consultoria multinacional

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