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6.1 - Bivalves de água doce

De acordo com Reis (2006) a ecologia dos bivalves de água doce é complexa e ainda não totalmente compreendida já que estes organismos são afetados e afetam por sua vez diversas componentes dos ecossistemas onde ocorrem. Segundo o mesmo autor, fatores tais como a geologia, padrão hidrológico e qualidade da água determinam a distribuição global (escala de macrohabitat) dos bivalves enquanto a permanência de água no verão, o tipo de substrato, ensombramento, proximidade à margem, entre outros determinam os locais exatos onde uma espécie vive (escala de microhabitat). Em condições ótimas, os bivalves atingem densidades elevadas sendo determinantes na qualidade de água, devido ao volume que filtram, tornando-se indicadores da boa qualidade da mesma (Moorkens, 2000). Os nossos resultados confirmam que as espécies nativas e exóticas de bivalves encontradas nas lagoas em estudo indiciam já uma perturbação das suas populações mais concretamente na Lagoa de Mira pela ausência de recrutamento. Apesar destes dois ecossistemas lagunares terem alcançado o Bom Estado Ecológico é de ressaltar que ao contrário do que ocorre nos sistemas lóticos, em que todos os elementos biológicos e físico- químicos e hidromorfológicos de suporte são tidos em consideração para a classificação final da massa de água, nestes sistemas apenas foram usados dois elementos. De reforçar mais uma vez que no âmbito da aplicação da DQA não foram definidos critérios para a avaliação de massas de água lênticas naturais como é o caso destes ecossistemas por nós analisados.

No caso particular da ordem Unionoida, o estudo da ecologia das espécies deverá ter em consideração o comportamento dos hospedeiros dos gloquídeos já que a sua reprodução depende exclusivamente da sua presença. À semelhança do que se tem verificado no resto da Europa, a degradação das condições ambientais e a regressão de espécies piscícolas como por exemplo o salmão, estão na origem da regressão das populações de bivalves de água doce no nosso país. Contudo, a relativa boa qualidade dos rios portugueses, em algumas regiões, possibilitam a existência de populações saudáveis de espécies ameaçadas como por exemplo da Margaritifera margaritifera e Anodonta cygnea). Este estudo revelou a presença de três espécies de bivalves em ambas as lagoas estudadas,

Anodonta cygnea

,

Unio delphinus e Corbicula flumínea. No que diz respeito à abundância e

densidade destes organismos verificou-se ser a espécie A. Cygnea aquela com valores de captura mais elevados (562ind. no somatório das duas lagoas, contrastando com 111ind. de

U. delphinus e 107ind. de C. fluminea), muito à custa do facto da A. cygnea estar mais

adaptada a este tipo de habitas do que o U. delphinus, pois, tal como Araujo et al. (2009) referem os juvenis são muito exigentes em termos de qualidade da água e sedimentos.

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Apesar de ser notório o domínio das espécies nativas na lagoa de Mira, os valores de abundância da espécie exótica (96ind.) superam os valores encontrados para a espécie U.

delphinus (33ind.).

Quanto às preferências habitacionais a A. cygnea revelou uma significativa eleição por zonas mais litorais em ambas as lagoas, associada à vegetação aquática (sobretudo caniço), indo de encontro ao referido por Araujo et al. (2009). Esta evidência encontra-se relacionada com o fato das estruturas vegetais funcionarem como zona de refúgio para os peixes hospedeiros e, pelo facto da cobertura providenciada pelo caniço possibilitar por um lado uma diminuição da temperatura à sua volta e por outro não impedir a penetração da radiação nem as trocas gasosas, aspetos essenciais para a manutenção desta espécie. No que concerne ao U. delphinus não se verificou um padrão bem definido, distribuindo-se aleatoriamente por toda a superfície da lagoa, contrariando o relatado por Reis (2006), que refere que esta espécie se encontra sobretudo associada à vegetação ou nos taludes das margens sob a sombra das árvores.

A lagoa de Mira para além de apresentar o máximo das densidades para as espécies conta também, com os bivalves de maior tamanho para as espécies de U. delphinus (112mm) e C,

fluminea (46mm), contrastando com a A. Cygnea que atingiu um máximo de 185mm na

Barrinha de Mira, valores que ultrapassam os referenciados por Reis (2006: 95mm para o U.

delphinus e 170mm para a A. cygnea). De salientar igualmente as taxas de recrutamento de

juvenis para ambas as lagoas e ambas as espécies nativas. No que diz respeito à Barrinha de Mira obteve-se uma taxa de recrutamento de 22.4% para a A. cygnea e de 34.6% para o

U. delphinus, valores bastante assinaláveis e diferentes dos obtidos para a Lagoa de Mira,

0.8% para a A. cygnea e ausência de juvenis de U. delphinus. Estas diferenças tão significativas encontram-se relacionadas sobretudo com dois grandes elementos, nomeadamente a presença/ausência de hospedeiros que possibilitam/inviabilizam, respetivamente, a reprodução destas espécies e o aumento da abundância de espécies exóticas, nomeadamente C. fluminea, que compete diretamente pelo habitat e alimento (ver secção 1.6.2.5).

6.2 - Ictiofauna

No que à ictiofauna diz respeito é importante referir que existe uma clara dominância das espécies exóticas relativamente às nativas capturadas (93,1% na Barrinha de Mira e 93,8% na Lagoa de Mira). Tal sugere uma alteração na estrutura das populações piscícolas, muito à custa da introdução de espécies para pesca desportiva. Embora nenhum dos exemplares capturados seja um bom hospedeiro para a espécie U. delphinus encontrada em cada uma

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das Lagoas, relatos da comunidade de pescadores indicam a presença de mais espécies nestas massas de água, nomeadamente Carassius auratus, Cyprinus carpio,

Achondrostoma oligolepis, Gasterosteus aculeatus, Gobio lozanoi e Ameiurus melas, Luciobarbus bocagei. Como se pode constatar, apenas o L. bocagei (espécie nativa) é a

única que se constitui como verdadeiro hospedeiro desta espécie de bivalve. Tal pode ser corroborado pelo facto de existir um recrutamento de 34,61% desta espécie apenas na Barrinha de Mira, já que na lagoa de Mira apenas foram encontrados indivíduos adultos, denotando a ausência de espécies hospedeiras. De salientar também, que mais estudos sobre os hospedeiros da espécie U. delphinus devem ser levados a cabo uma vez que os listados referem-se quase exclusivamente a espécies que se encontram no norte de Portugal. Como sabemos, esta espécie encontra-se amplamente distribuída por todo o país em que a diversidade de espécies piscícolas variam grandemente, apesar do género ser comum.

6.3 - Fitoplâncton

O fitoplâncton é um dos elementos indicadores de qualidade biológica mais importantes, utilizado na classificação do estado ecológico para a categoria de massas de água - lagoas e do potencial ecológico para as massas de água fortemente modificadas – Albufeiras. Este elemento, adquire uma importância ainda mais assinalável uma vez que é a base de alimentação dos bivalves. A análise do conteúdo estomacal dos bivalves revelou que o fitoplâncton representa um importante alimento para A. cygnea. Ao longo do ano, os grupos mais representativos encontrados nos conteúdos estomacais foram os grupos Chlorophyta, Cryptophyta, Cyanophyta e Bacillariophyta. Os resultados mostraram uma menor concentração de fitoplâncton na água durante agosto e setembro, que pode ser superada com uma filtração mais rápida ou maior eficiência, o que explicaria o notável aumento do número de células encontradas no conteúdo estomacal durante estes meses. O trabalho de Lima et al. (2004) corrobora os resultados já que mostrou que em habitats eutróficos não existia nenhuma correlação clara entre disponibilidade de alimento e o crescimento.

6.4 - Macroinvertebrados

Os macroinvertebrados desempenham um importante papel nos ecossistemas dos quais eles fazem parte. Estes organismos não servem exclusivamente de alimento para os peixes, anfíbios, e aves aquáticas, mas também estão envolvidos na decomposição da matéria orgânica e no ciclo dos nutrientes. Numa perspetiva holística, os macroinvertebrados são

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integradores ideais entre os microorganismos que dominam o ciclo dos nutrientes e os peixes, situados geralmente no topo da cadeia alimentar, que possuem frequentemente tempos de reposição muito lentos (Cummins, 1992).

Nas 2 lagoas estudadas foram contabilizados 62 taxa perfazendo um total de 1.571 indivíduos. A Lagoa de Mira foi aquela que apresentou maior abundância, devido especialmente ao elevado número de indivíduos das famílias Chironomidae, Corixidae e Physidae. Esta foi também a lagoa que apresentou maior riqueza de taxa (33). Contudo, a lagoa da Barrinha apresentou um número de taxa (29) muito próximo do valor da outra lagoa, sendo os grupos taxonómicos Gastropoda, Diptera e Oligochaeta os que apresentaram percentagens mais elevadas em ambas as lagoas. Porém, a Lagoa da Barrinha de Mira foi a que apresentou maior diversidade de grupos taxonómicos. Estes resultados foram também observados num estudo de dois sistemas lênticos do Brasil que apresentavam diferentes estados de conservação, realizado por Marques et al. (1999), em que foi evidenciado que os grupos taxonómicos mais abundantes foram os Diptera, Heteroptera, Mollusca e Annelida. Apesar de muitos estudos terem sido efetuados ao nível dos grupos tróficos, existem ainda taxa para os quais não se conhecem as suas adaptações e recursos alimentares, obtendo-se desta forma, indivíduos sem classificação. Estes organismos na Barrinha de Mira e Lagoa de Mira acabaram por representar uma fração considerável da amostra, 37,6% e 42,0% respetivamente.

Relativamente aos grupos tróficos, este estudo revelou a dominância de organismos coletores de depósito (51,43% e 38,92 respetivamente na lagoa da Barrinha e lagoa de Mira) e fitófagos (6,91% e 10,81 respetivamente na lagoa da Barrinha e lagoa de Mira). Este padrão foi também observado por Dévai (1990) justificando a dominância destes organismos pelo enriquecimento de matéria orgânica no sedimento. Würdig et al. (2007) também observou que a composição dos grupos funcionais era caracterizada pela predominância dos coletores de depósito em 3 das lagoas estudadas e da dominância dos fitófagos na quarta lagoa amostrada. A presença de fitófagos deve-se fundamentalmente ao "efeito de orla" em ambas as lagoas em que a presença de vegetação aquática, principal fonte de alimento para este grupo, se encontra bem representada. Os macroinvertebrados são diretamente influenciados pelo tipo de substrato, tamanho médio dos sedimentos, abundância de matéria orgânica bentónica, composição e estrutura de macrofíticos, nutrientes na água, nível de oxigénio dissolvido, e profundidade (Downing, 1991; Szalay & Resh, 1996; Würdig et al., 1998, Shieh et al., 1999). Devido à heterogeneidade ambiental, estas variáveis são determinantes na estrutura e distribuição dos macroinvertebrados bentónicos. O grupo dos predadores, assim como os parasitas, habitualmente possuem

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abundâncias relativamente constantes, já que dependem, diretamente, da presença de outros macroinvertebrados e não dos gradientes de produtividade ou disponibilidade de partículas orgânicas (Vannote et al., 1980).

6.5 - Macrófitos

Nas duas lagoas é notória uma intensa pressão humana, que tem vindo a provocar alterações ambientais na vegetação aquática e circundante. Este fenómeno ambiental não só provoca importantes variações taxonómicas, como também leva a transformações funcionais na cobertura vegetal dentro e fora das lagoas. Ambas as lagoas mostram uma elevada diversidade de usos do solo na zona circundante, o que proporciona não só um elevado número de espécies de macrófitos, como também uma elevada diversidade funcional.

Até à década dos anos setenta, toda a intrincada rede de lagoas dunares da Beira Litoral caracterizava-se pela existência de uma flora aquática rica e diversa, em que Nenúfares (Nymphaea alba e Nuphar luteum) e Trevos-de-quatro-folhas (Marsilea quadrifolia) partilhavam o espaço com caniços de diferentes espécies e outras helófitas. A utilização destas zonas húmidas para fins agrícolas, o aumento da densidade populacional humana e o crescimento de núcleos urbanos e vias de comunicação foram provocando alterações muito rápidas e certamente dramáticas. Não sendo por isso surpreendente que em poucos anos uma espécie dada praticamente como extinta, como o Trevo-de-quatro-folhas, tenha sido totalmente substituída por espécies de origem exótica tais como a Pinheirinha-de-água (Myriophyllum aquaticum) e o Jacinto-aquático (Eichornia crassipes). O facto de ter sido o meio aquático, e não as margens, a zona que sofreu de modo tão rápido e intenso essas mudanças florísticas tem a ver, precisamente, com condicionantes ecológicas mais limitantes para o desenvolvimento da flora. Por esta razão, a pouca resistência do meio aquático às alterações ambientais fizeram deste meio o melhor indicador das alterações ecológicas produzidas nas lagoas ao longo do último século.

Mudanças tão drásticas e bruscas como estas transformaram as lagoas num verdadeiro problema ecológico da maior relevância para as populações humanas vizinhas. Por esse motivo, ao longo dos últimos vinte anos têm vindo a multiplicar-se os esforços para tentar controlar essas transformações florísticas, com custos geralmente demasiado elevados e resultados pouco ou nada significativos.

Capítulo 7 - Principais pressões a que estão sujeitos os ecossistemas

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