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5. Resultados e discussão

5.6 Discussão

A metodologia desta pesquisa buscou integrar o conceito de economia circular com a prevenção de resíduo, considerando a hierarquia de gestão de resíduo sólido já consagrada, e, utilizando métodos de cálculo conceituados como a avaliação do ciclo de vida. Foram consideradas bibliografias modernas indicando maneiras de avaliar tais itens de forma a entender as consequências das diferentes abordagens de um resíduo de grande interesse nas pesquisas ambientais, como o plástico. Um item a ser melhorado em pesquisas futuras está na obtenção de dados primários para realizar a avaliação do ciclo de vida dos cenários.

Com a quantificação do resíduo sólido de interesse gerado no município de São Paulo, assim como os dados de coleta disponibilizados pela Abrelpe (2017), é evidenciada a necessidade de melhoria das estratégias de gestão do resíduo sólido brasileiro. A dificuldade de implementação das estratégias de logística reversa e outros mecanismos de prevenção e minimização ainda impedem o melhor desempenho ambiental do RS no país. O percentual de coleta seletiva face a todo resíduo gerado no município de São Paulo tem grande potencial de crescimento, fato que pode corroborar com a adoção das melhores abordagens de ciclo de vida do resíduo sólido. Esse potencial é ainda maior para a grande parcela dos municípios brasileiros que não possuem sequer iniciativas mínimas de coleta seletiva.

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Desempenho ambiental da prevenção parcial

A avaliação do ciclo de vida do resíduo plástico evidenciou os benefícios ambientais da prevenção. Considerando os resultados da ACV, a prevenção do resíduo plástico é a alternativa de menor contribuição com a maioria das categorias de impacto estudadas. A incineração mostrou ser a segunda melhor alternativa, seguida da destinação final direta ao aterro. O cenário da reciclagem foi o de maior contribuição com as categorias de impacto entre as abordagens propostas, em função da expansão do sistema de fronteiras, evitando a alocação e permitindo a comparação entre alternativas que não desconsiderem as emissões dos processos upstream. Essas evidências não devem ser aplicadas visando a abolição dos materiais plásticos na sociedade. O plástico tem inúmeras propriedades imprescindíveis para as aplicações em medicina, construção civil, segurança, entre outras funções já relatadas, entretanto, a sua aplicação em materiais descartáveis se configura no rebaixamento da importância técnica e ambiental deste material.

É importante esclarecer que esse resultado se refere à comparação de diferentes abordagens de gestão sob a ótica do ciclo de vida do material, em que a análise considera o planejamento desde antes do material ser elaborado, além de incluir todos os processos do ciclo de vida, só assim é possível incluir cenários de prevenção em uma ACV de gestão de resíduo. A reciclagem se trata de uma alternativa de gerenciamento, ou seja, após a geração do resíduo, podendo ser considerada uma técnica de fim de tubo. No caso de um sistema de fronteiras que desconsidere os processos anteriores ao uso e considere um resíduo inevitavelmente gerado, os resultados tendem a ser diversos, inclusive favorecendo processos de reciclagem. O estudo de Shen et al. (2011) esclarece que a fabricação de fibras de PET a partir da reciclagem de garrafa possui uma redução de impactos ambientais de até 25% em comparação com a fabricação a partir do polímero virgem. Esses dados levam a reflexão de que os resíduos devem sim ser aproveitados pelos processos produtivos, mas devem ser utilizados como alternativa de gerenciamento e não como justificativa para a não prevenção.

Como discutido por Rochman et. al. (2013), o resíduo desse material pode ser considerado perigoso em função das propriedades químicas próprias e por adsorver poluentes químicos tóxicos do ambiente. Outra reflexão que o plástico promove é quanto a sua origem fóssil, que é tratada em diversas diretrizes de sustentabilidade, incluindo a economia circular, como fonte a ser evitada nos meios

de produção. Além disso no capítulo 3.2.1 foi relatada a preocupação emergente com os microplásticos, seus impactos no ambiente de água doce, atmosfera (atingindo o pulmão humano) e o ambiente marinho, amplamente divulgado.

Para esses impactos nem mesmo a substituição por plásticos biodegradáveis são adequados, considerando a sua potencial permanência como microplástico no ambiente. Ao considerar os plásticos biodegradáveis, Harrison et al. (2018) afirmam que existe uma grande lacuna no entendimento da real degradabilidade dos plásticos no ambiente. Grande parte dos plásticos degradáveis são fabricados para que sua degradação pós uso ocorra sob condições específicas, muitas vezes atingidas apenas com equipamentos industriais. O material só pode ser considerado degradado após a sua descaracterização como polímero e os produtos serem minerais e água. A degradação completa do plástico é rara, mesmo sob condições adequadas. Sob condições naturais não há dados suficientes para determinar a possibilidade e tempo de degradação completa. Portanto, um plástico degradável tem grande chance de se tornar microplásticos devido à degradação incompleta.

Por se tratar de evidências recentes, nem todos os impactos mencionados acima e na revisão bibliográfica são contabilizados na ACV, mesmo assim, a prevenção foi a alternativa de melhor desempenho. Tais fatos levaram diversos países no mundo a perceberem a necessidade da prevenção do resíduo plástico através de estratégias de substituição e proibição de materiais plásticos de uso único, que são referência quando se trata de materiais descartáveis.

O resultado do maior desempenho ambiental da prevenção era esperado e foi evidenciado pela ACV dos cenários. Também para o município de São Paulo foram calculadas comparações com abordagem de prevenção que resultou em ganhos gerais. Para este caso foram considerados os impactos ambientais relativos a atual abordagem, em que a maioria do resíduo é encaminhado para aterro e a parcela da coleta seletiva é classificada como reciclagem para tecido. Ainda que o maior ganho ambiental esteja na conversão de reciclagem para prevenção, todo o contexto mostrou vantagens ambientais com a prevenção. Este resultado é importante frente à comparação entre prevenção e aterro que não é tão significativa. Considerando os ganhos ambientais apenas da conversão da porção reciclada para prevenção, os

ganhos são visivelmente amplos. A contribuição do transporte para o caso não foi avaliada, mas considerando os resultados obtidos para os cenários de abordagem, a prevenção pode trazer maiores benefícios ambientais ao município. Entretanto, é necessário avaliar criticamente no momento da implantação se as especificidades do transporte podem reduzir o desempenho ambiental ou tornar inviável a abordagem escolhida.

Vale ressaltar que a priorização da prevenção não elimina a necessidade ou possibilidade da reciclagem do resíduo sólido gerado no município de São Paulo. Entretanto, a reciclagem de resíduo plástico necessita de melhorias em toda a cadeia, desde o planejamento dos materiais, sua reciclabilidade e identificação dos mesmos. Apesar da reciclagem apresentar as maiores contribuições para as categorias de impacto, quando inevitavelmente gerado, o resíduo pode ser reciclado, de forma mecânica, energética ou química, dependendo da alternativa de melhor desempenho ambiental de cada caso.

Em complemento à ACV, foi calculado o índice de circularidade para cada abordagem do resíduo plástico. A economia circular tem sido pauta de diversas iniciativas da indústria e das discussões ambientais, porém, sua abordagem segue características superficiais e pouco científicas. Diversas iniciativas de reciclagem tem sido caracterizadas como economia circular, fato que não necessariamente é verdadeiro quando analisado o índice de circularidade de uma conjuntura. Conforme visto pelos princípios e diagramas de EMF (2013), a economia circular segue basicamente a hierarquia de gestão de resíduo sólido para direcionar as ações a serem adotadas pela indústria. Entretanto a fase de estratégia de maior preferência na hierarquia de gestão de resíduo sólido “prevenção” é pouco abordada entre os diversos projetos de economia circular.

Aplicando os cálculos de conservação quantitativa e qualitativa dos materiais, assim como o índice de circularidade nas abordagens deste estudo, ficou evidente que a reciclagem apresentou o menor índice de circularidade entre os cenários propostos. Este resultado deve levar o leitor a repensar a forma como os desenvolvedores de materiais abordam suas estratégias de EC. Mostra ainda a necessidade de que esses atores divulguem de maneira mais transparente o quão circular é a estratégia adotada. Iniciativas como a New Plastics Economy podem ser

um grande passo para a adequada gestão do resíduo plástico à luz dos princípios da economia circular, desde que os atores principais visem a prevenção na primeira escala de preferência de suas ações.

Outra questão a ser levantada considerando os resultados obtidos com esta pesquisa, está no fato de os índices de circularidade não seguirem exatamente a ordem do diagrama proposto por EMF (2013). No diagrama, ações como remanufatura e reuso são as de maior preferência, seguidas por reciclagem e tendo a incineração como uma das últimas estratégias a serem adotadas. Calculando a circularidade de cenários com essas abordagens, foi possível perceber que a incineração possui a maior circularidade entre as abordagens propostas, seguida da abordagem de prevenção com reuso, da destinação final para aterro e como alternativa menos circular, a reciclagem mecânica. Essa diferença pode ser melhor entendida quando a reciclagem é vista como forma gerenciamento do resíduo antes da disposição final, pois, o gerenciamento do resíduo gerado através da reciclagem pode e deve ser viabilizado. Outro fator que pode ter levado a reciclagem a um índice de circularidade tão baixo está no fato de a de garrafa PET se tornar tecido para camiseta, se caracterizando como uma reciclagem “open loop”, o que distancia ainda mais este material da circularidade perfeita. Um detalhe delicado deve ser discutido na circularidade, quando o cenário de disposição direta em aterro se revela mais circular que o da reciclagem mecânica, não significa que a disposição em aterro deva ser priorizada. Outras abordagens de gestão possuem maior circularidade que o aterro neste estudo, e outros estudos podem ser realizados para alcançar alternativas circulares de gestão que não sejam o aterro sanitário, a saída do material dos ciclos produtivos.

Algumas limitações levam ao questionamento da disseminação do conceito popular de economia circular. Cullen (2017) descreve uma delas como a “entropia dos materiais”, na qual a segunda lei da termodinâmica é aplicada aos materiais em uso, sendo impossível o retorno à cadeia produtiva de 100% do material comercializado, considerando suas perdas nas diversas etapas do ciclo de vida. Outra limitação está na questão da dinâmica do estoque de materiais, em que o consumo está sempre em expansão e, mesmo que todo material hipoteticamente comercializado há um ano retornasse para a cadeia produtiva, a demanda atual não poderia ser suprida por esse resíduo. Depreende-se que a economia circular não se trata apenas de realocar o

resíduo para um novo sistema de produto, como popularmente argumentado, mas de adotar a abordagem de maior circularidade e melhor desempenho ambiental para um material.

Quanto ao diagrama para a nova economia dos plásticos de EMF (2016), foi proposta uma alteração simbólica no seu formato, representando a maior preferência de gestão de acordo com o índice de circularidade calculado. Este diagrama não precisa necessariamente ser seguido na abordagem de ciclo de vida de qualquer material plástico, mas incita a necessidade de analisar os padrões estabelecidos para adoção da abordagem que realmente traga ganhos ambientais à sociedade.

Os índices de circularidade dos cenários de abordagem de ciclo de vida propostos neste estudo foram bem próximos dos resultados da ACV. Apesar de serem avaliações diferentes, ambos puderam indicar o desempenho ambiental de acordo com o objetivo de cada método. Ambos evidenciaram os benefícios da prevenção e os cuidados que devem ser tomados ao determinar que economia circular ou a reciclagem mecânica são soluções sacramentadas para as questões ambientais do resíduo sólido no atual sistema econômico.

O conceito de economia circular tem ganhado notoriedade pela indústria em função do seu potencial de contribuir com o crescimento sustentável. Além disso, como dito por Ohde (2018), a EC pode ser um bom caminho para unificar as diretrizes para sustentabilidade, que atualmente são tratadas de forma esparsa e até confusa. Apesar das propostas de EC serem bastante utilizadas de maneira empírica, é necessária maior investigação de seu desempenho e aplicabilidade, para que as ações baseadas nesse conceito possam ser assertivas e assim contribuir verdadeiramente com a preservação ambiental. Assim esta pesquisa buscou contribuir para melhores aplicações e disseminação da EC.

Os resultados também revelam que a vantagem em adotar a abordagem de prevenção de resíduo sólido, com base na substituição de produtos, depende fortemente da forma como a atividade é implementada pelos atores envolvidos, de qual é o impacto do resíduo na situação estudada e o custo econômico/social desta implementação. Por isso o objetivo central do estudo foi oferecer uma situação e condição em que a prevenção de resíduo pode trazer benefícios ambientais

contabilizados para a abordagem de prevenção, reduzindo impactos com a geração de resíduo. Para o município de São Paulo a prevenção pela substituição como proposta na ACV se mostrou ambientalmente viável e tecnicamente possível, facilitando a tomada de decisão de atores estratégicos e possibilitando a sua consideração em políticas públicas futuras.