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Este estudo transversal descreve os achados oftalmológicos e também neurológicos do primeiro exame dos recém-nascidos triados e confirmados como positivos para a toxoplasmose congênita e faz parte de um estudo maior, prospectivo longitudinal, ainda em andamento. Existem casos duvidosos (38) que estão sendo acompanhados para a confirmação ou exclusão diagnóstica, após um ano de vida. Então, é provável, que as taxas de prevalências descritas venham a aumentar com o seguimento dessas crianças.

A cobertura da triagem neonatal para a toxoplasmose congênita neste trabalho foi de 98% dos nascidos vivos abrangendo todos os 853 municípios mineiros e a iniciativa foi considerada inovadora em termos de serviço público no Brasil. Os 2% não cobertos foram RN que realizaram a triagem neonatal pela rede laboratorial particular e aqueles que por razões diversas não realizaram o exame.

A metodologia foi elaborada e a execução deste trabalho contou com o envolvimento da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, NUPAD e de uma equipe de profissionais de várias áreas: pediatras, oftalmologistas, enfermeiros, técnicos de laboratórios, dentre outros.

O estudo mostrou alta prevalênica de recém-nascidos com toxoplasmose congênita, no Estado de Minas Gerais. A prevalência estimada foi de 1/799 nascidos vivos, considerada alta em relação às descritas na literatura.

Estudos anteriores de prevalência para a toxoplasmose congênita no Brasil mostram os seguintes resultados: 1/3.000 nascidos vivos no Rio Grande do Sul (Neto et al., 2000); 1/500 nascidos vivo em Campos de Goytacazes (Bahia-Oliveira

2003); 1/1.867 nascidos vivos em áreas não especificadas (Neto et al., 2004); 1/1.590 nascidos vivos em Belo Horizonte (Queiroz-Andrade 20/03/2004 – ainda não publicado); 0,5% em um hospital privado de Uberlândia e 0,8% em um hospital público (Segundo et al., 2004) e 3,3/10.000 nascidos vivos em Ribeirão Preto (Carvalheiro et al., 2005). No resto do mundo, a prevalência da toxoplasmose congênita é a seguinte: nos Estados Unidos da América varia de 0,5 a 1/10.000 nascidos vivos, enquanto que em Paris é de 3/10.000. A prevalência encontrada para dez mil nascidos vivos foi de 4,4 na Finlândia, de 5,0 na Austrália, de 7,5 na Alemanha e de 14,3 na Bélgica (Remington et al., 2005).

Em muitos países, incluindo o Brasil, ainda não existe um consenso sobre a melhor forma de triagem para a toxoplasmose congênita, se pré-natal ou neonatal. Na Europa, alguns países adotaram abordagens para a prevenção da doença. Assim, na França, a mulher suscetível realiza a sorologia para a toxoplasmose durante todos os meses da gestação (Daffos et al., 1988; Jeannel et al., 1988a) e a Dinamarca, apesar de não realizar triagem pré-natal, possui um dos melhores programas de triagem neonatal para toxoplasmose congênita em todo o mundo (Bernard & Salmi, 2006). A justificativa para a adoção dos programas de triagem é de que o diagnóstico e tratamento precoce dessa infecção possam reduzir a incidência de seqüelas graves, ao nascimento, nas crianças infectadas e prevenir o desenvolvimento de seqüelas futuras (Guerina et al., 1994; McAuley et al., 1994; Mets et al., 1997; Foulon et al., 1999; Foulon et al., 2000; McLeod et al., 2006).

Trabalhos anteriores mostram que a triagem neonatal para a toxoplasmose congênita através da pesquisa do IgM anti-T.gondii no sangue seco (“teste do pezinho”) é viável e apresenta baixo custo (Guerina et al., 1994; Lebech et al., 1999; Neto et al., 2004; Schmidt et al., 2006). Esse método de triagem, baseado

somente na detecção de anticorpos IgM específicos para a toxoplasmose, é capaz de identificar mais de 75% das crianças infectadas (Guerina et al., 1994; Lebech et

al., 1999). No presente trabalho, dos 183 casos confirmados, 181 apresentavam a

triagem neonatal positiva (98,9% dos RN infectados). Quase todos os RN com toxoplasmose congênita deste trabalho só foram detectados porque foram submetidos à triagem neonatal.

Todos os RN realizaram exame sorológico confirmatório (ELFA) para IgM e IgG e alguns para IgA. Dos 183 casos confirmados, 37 (20,2%) apresentaram IgM negativo. A ausência do anticorpo IgM em um recém-nascido não exclui a possibilidade da infecção congênita. Outros critérios são utilizados para o diagnóstico da doença tais como, a presença de IgA positivo, lesão ocular ou neurológica sugestiva de toxoplasmose e sorologia materna positiva. Dos 143 RN com lesão ocular sugestiva de toxoplasmose, o IgM foi negativo em 31. Dos 31, 4 apresentavam IgA positivo. Em todos eles, a sorologia confirmatória da mãe (IgM e IgG) foi positiva para a doença.

O achado de IgM negativo pode estar relacionado à sensibilidade do exame (ELFA) que é de aproximadamente 80% (Remington et al., 2005). Outra possibilidade, seria a triagem neonatal ter sido realizada no quinto dia de vida do RN e a sorologia confirmatória só após um mês aumentando as chances do IgM ter se tornado negativo ao longo do tempo. Além disso, o momento da gestação no qual o feto tornou-se infectado pode influenciar na síntese de anticorpos IgM tanto no útero quanto depois do parto. Se o RN tiver sido infectado imediatamente antes do termo e durante o parto, o anticorpo IgM poderá estar ausente ao nascimento e talvez por alguns dias e semanas após (Remington et al., 2005). No outro extremo, um número pequeno de crianças infectadas logo nos primeiros meses da gestação

poderá ficar sem diagnostico devido ao declínio ou desaparecimento do IgM ao nascimento (Schmidt et al., 2006; Petersen, 2007).

O tratamento prolongado das mães com toxoplasmose durante a gestação também poderá encurtar ou diminuir a resposta do RN quanto à produção de IgM (Lebech et al., 1999).

Apenas 124 de 221 mães foram submetidas à triagem sorológica para a toxoplasmose durante a gestação. Dessas, 101 mães realizaram o exame no segundo ou terceiro trimestre com resultado positivo em somente 25 delas. Das 183 mães com RN confirmados para a toxoplasmose congênita, 170 (92,9%) apresentaram o IgM positivo após o parto comprovando a infecção materna durante a gravidez (soroconversão). Provavelmente, a soroconversão ocorreu no final do segundo e principalmente no terceiro trimestre da gestação, na maioria das mães.

A taxa de transmissão materno-fetal aumenta progressivamente ao longo da gestação atingindo mais de 80% se a infecção ocorrer na trigésima sexta semana (Dunn et al., 1999) e quanto mais tardia for a idade gestacional no momento da infecção menos graves serão as manifestações clínicas da doença ao nascimento (Dunn et al., 1999; Many & Koren, 2006; Lopes et al., 2007). Quase todos os RN infectados examinados eram aparentemente normais ao exame de rotina neonatal (não apresentavam qualquer sintoma da infecção) e só foram identificados através da triagem.

Nas mães com IgM negativo após o parto é provável que a soroconversão tenha ocorrido nos primeiros meses da gestação e que o IgM tenha se negativado ao longo do tempo.

As manifestações oculares da toxoplasmose podem variar amplamente entre os indivíduos, sendo que o diagnóstico de certeza só poderia ser realizado pelo isolamento do T. gondii nos tecidos oculares ou através da técnica de PCR para identificação de antígenos do parasita. Portanto, o diagnóstico da toxoplasmose ocular é presumível (Assis et al., 1997).

A retinocoroidite é a principal manifestação clínica e a principal seqüela da toxoplasmose congênita (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al., 1998; O'Neill, 1998; Foulon et al., 1999; Lebech et al., 1999; Brezin et al., 2003; Safadi et al., 2003; Remington et al., 2005; Many & Koren, 2006; Rorman et al., 2006).

Ao exame de fundo de olho, a lesão ocular pode estar cicatrizada ou em atividade. As áreas de retinocoroidite ativas podem ser pequenas ou grandes, simples ou múltiplas, associadas ao edema retiniano ou a cicatrizes de retinocoroidite adjacentes (Remington et al., 2005). Esse tipo de lesão associada à sorologia positiva para a toxoplasmose no RN e/ou sua mãe e à presença de outras manifestações clínicas da doença (alterações neurológicas) foram os critérios utilizados para o diagnóstico da toxoplasmose ocular.

Em três casos foi necessária a solicitação de exames laboratoriais para excluir outras infecções congênitas (casos com sorologia confirmatória negativa para a toxoplasmose na mãe e/ou RN associadas a manifestações clínicas sugestivas de outras infecções tais como rubéola, sífilis, hepatite, citomegalovírus e herpes). As mães dos RN realizaram exames para excluir infecções durante o pré-natal: exames para sífilis em quase todas, para AIDS com freqüência e para hepatite B e rubéola em algumas. A prevalência da hepatite B é baixa no estado de Minas Gerais (1068 casos confirmados em 2006 segundo dados da Secretaria

de Estado de Saúde de Minas Gerais) e a rubéola tem sido frequentemente abordada com campanhas de vacinação direcionadas, principalmente, para mulheres jovens e em idade fértil. A sorologia para o CMV raramente foi solicitada, mas uma sorologia francamente positiva para a toxoplasmose, associada a sinais e sintomas sugestivos da doença, torna improvável a infecção pelo CMV, embora possa ocorrer co-infecção. Dentre as infecções congênitas e perinatais a toxoplasmose é a que ocorre com maior freqüência. A coexistência da toxoplasmose com outras infecções congênitas, embora possa ocorrer, é rara (Remington et al., 2005).

A prevalência de lesão ocular observada na retina, no primeiro exame de fundo de olho dos RN infectados, foi de 78,1%. Essa prevalência foi muito elevada se comparada com outros trabalhos nos quais 80-90% dos neonatos não apresentaram qualquer lesão ocular quando examinados alguns dias após o nascimento. A literatura cita as seguintes prevalências de lesão ocular ao nascimento: 22% por Couvreur et al (1984); 19% por Guerina et al (1994); 5,8% por Villena et al (1998); 13,3% por Paul.M et al (2001); 11% por Wallon et al (2004); 12,7% por Neto et al (2004); 14,9% por Schmidt et al (2006); 13,8% por Kodjikian et al (2006); 10% por Gilbert et al (2007) e por Tan et al (2007).

Essa discrepância pode ser justificada pelo fato da assistência pré-natal, da forma como foi realizada, ter sido insuficiente para a detecção da toxoplasmose congênita, neste trabalho. Das 183 mães com RN confirmados para a doença, quase a metade (81 mães) não fez sorologia para toxoplasmose durante a gestação. Quando a sorologia foi solicitada, ela foi realizada apenas uma vez. Tal abordagem é considerada insuficiente para detectar a soroconversão materna e permitir a instituição de um tratamento precoce.

Apenas 17 mães foram tratadas durante a gestação. Ainda, não existe um consenso se o tratamento da mãe infectada durante a gravidez teria alguma eficácia na prevenção do aparecimento de manifestações clínicas da doença no RN, mas se o tratamento for instituído dentro das três primeiras semanas de infecção ele poderia reduzir a transmissão da infecção para o feto (Wallon et al., 1999b; Peyron et al., 2000; Gilbert & Gras, 2003; Gilbert & Dezateux, 2006; Thiebaut et al., 2007). Estudos randomizados e com grupo controle são necessários para esclarecer esse tema tão controverso, enquanto isso, a conduta atual ainda é aceitar que o tratamento pré-natal é melhor do que a ausência de tratamento.

A virulência do T.gondii, forma de transmissão e a quantidade do seu inoculum também podem justificar a elevada prevalência de lesão ocular observada no presente trabalho. Na América do Sul, as lesões de retinocoroidite são mais comuns e mais graves e isto tem sido atribuído, possivelmente, à maior virulência dos parasitas (Gilbert & Dezateux, 2006; Gomez-Marin & delaTorre, 2007). No Brasil, o genótipo do toxoplasma que predomina é do tipo I que apresenta alta virulência (Khan et al., 2005; Vallochi et al., 2005; Peyron et al., 2006). Na Europa, o genótipo predominante é do tipo II considerado menos virulento (Grigg et al., 2001; Peyron et al., 2006). A ingestão de uma grande quantidade de oocistos, contaminando o solo e a água, também poderia ser um importante fator de risco para o desenvolvimento de lesão ocular. Em algumas regiões do Brasil (principalmente nas regiões mais pobres), essa é uma forma freqüente de transmissão da doença (Bahia-Oliveira et al., 2003).

Outras justificativas seriam: a maior suscetibilidade individual, a observação de um número limitado de casos em alguns dos trabalhos e a dificuldade relativa

de execução do exame oftalmoscópio em recém-nascidos, deixando muitas vezes de se diagnosticar algumas lesões, principalmente aquelas localizadas fora do polo posterior da retina. Alguns autores chamam a atenção para essa dificuldade relativa (Couvreur et al., 1984).

O ideal para o exame do fundo de olho de um RN é a presença de um oftalmologista experiente em Uveíte e Retina, uma boa midríase, a utilização de um oftalmoscópio binocular indireto e se possível, sedação. Vários trabalhos utilizaram o oftalmoscópio binocular indireto para o exame (Guerina et al., 1994; Bahia-Oliveira et al., 2001; Paul et al., 2001; Safadi et al., 2003; Wallon et al., 2004), mas algumas crianças desses trabalhos foram examinadas somente com o oftalmoscópio monocular direto (Paul et al., 2001; Wallon et al., 2004). Em apenas um dos trabalhos e com um número pequeno de infectados (quatro RN), a sedação foi realizada (Bahia-Oliveira et al., 2001). Por se tratar a sedação de um procedimento que não é isento de riscos, implicando questões éticas, no presente trabalho optou-se pela realização do exame sob vigília. Além disso, o grande número de RN participantes do estudo e a necessidade da avaliação dos mesmos, regularmente, ao longo de todo o primeiro ano de vida tornariam a sedação um procedimento inviável. O uso do blefarostato, a contenção do RN com lençol e a presença de uma equipe de enfermagem treinada contribuiu para facilitar a realização dos exames.

A alta prevalência de lesão ocular ao nascimento está em concordância com um trabalho experimental em que embriões de camundongos C57BL/6 infectados pelo T.gondii e não tratados desenvolveram retinocoroidite antes mesmo de nascer. Os autores desse trabalho sugerem que a lesão ocular da

toxoplasmose congênita é precoce e que o olho é afetado logo nas fases iniciais da infecção (Tedesco et al., 2007).

Apesar da alta prevalência de lesão ocular, detectada no primeiro exame de fundo de olho dos RN infectados, o status final do comprometimento ocular na toxoplasmose congênita só poderá ser determinado após anos de observação, pois novas lesões poderão aparecer ao longo do tempo (Brezin et al., 2003).

Não houve diferença estatisticamente significativa entre o sexo dos RN e a presença de lesão ocular. O quadro ocular foi bilateral 79,7% dos casos e isso está de acordo com a literatura que mostra altas taxas de comprometimento bilateral da retina, na toxoplasmose congênita (Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Wallon et al., 2004; Remington et al., 2005; Kodjikian et al., 2006). Embora o comprometimento bilateral seja comum, na toxoplasmose congênita, esse critério não é suficiente para a distinção entre a forma congênita e adquirida da doença, em pessoas com lesão tardia (Gilbert & Stanford, 2000).

A predileção do parasita pelo polo posterior, também foi demonstrada neste trabalho. A zona 1 da retina foi comprometida em 87,4% dos RN (125/143) desses, 60,1% (86/143) apresentavam lesões concomitantes na zona 2 e/ou 3. A mácula foi afetada em 79% dos casos. Determinados trabalhos descrevem que as lesões detectadas ao nascimento estão mais freqüentemente localizadas na região macular do que aquelas lesões diagnosticadas mais tardiamente, dentre eles: 7/9 por Guerina et al (1994); 14/22 por Kodjikian et al (2006); 7/7 por Schmidt et al (2004). Particularidades anatômicas e no desenvolvimento da região macular facilitam o estabelecimento da toxoplasmose nesse local tão delicado. A mácula é uma região que se torna vascularizada muito cedo no processo de desenvolvimento ocular e apesar de ser avascular, obtém seu suprimento

sanguíneo de arteríolas terminais que formam um grande plexo capilar em torno dela. Já que o T. gondii atinge o olho, provavelmente, pela rota hematogênica a presença do parasita nestes capilares terminais poderia facilitar o estabelecimento da infecção nessa região do olho (Yang et al., 2000; Fiona et al., 2001; Holland, 2004). Além disso, macrófagos estão em menor quantidade na região macular (Yang et al., 2000).

A cicatriz de retinocoroidite foi o tipo de lesão ocular mais observada ao exame de fundo de olho (77,7% dos casos). Em 35,0% dos casos, o RN apresentava apenas a lesão cicatrizada e no restante, a cicatriz estava associada a lesões ainda em atividade ou em resolução. Segundo a literatura, na toxoplasmose congênita, as lesões de retinocoroidite geralmente já estão cicatrizadas no momento de sua detecção (Mets et al., 1997; Remington et al., 2005), mas muitas das crianças infectadas descritas só foram examinadas mais tardiamente (ás vezes anos depois) e não logo após o nascimento.

No presente trabalho, 60,9% (87/143) dos RN apresentaram lesões ativas e associação de lesões ativas com lesões cicatrizadas, em pelo menos um dos olhos. Desses, 18,2% possuíam apenas lesões ativas (sem cicatrizes). A presença de lesão ocular ativa em RN infectados e examinados poucos dias após o nascimento não é um achado comumente descrito na literatura. Alguns trabalhos mostram os seguintes resultados: 23% de lesões ativas ao nascimento por Kodjikian et al (2006); 4% por Guerina et al (1994); nenhuma lesão ativa por Paul M. et al (2001) e nenhuma lesão ativa por Schmidt et al (2004). A alta prevalência de lesão ocular ativa pode ser explicada pela precocidade do exame e pela ausência de tratamento das mães durante o pré-natal.

Encontrou-se em 21% dos RN a presença de embainhamento vascular localizado. A sua principal localização foi na periferia da retina e, na maioria dos casos, estava associado a lesões puntiformes. Tedesco et al (2007) em trabalho experimental sobre a toxoplasmose congênita cita como principais alterações histológicas no tecido ocular dos embriões infectados, lesão de retinocoroidite e

infiltrados inflamatórios perivascular e no vítreo. Gazzinelli et al (1994) também

mostram, em seu trabalho experimental, que camundongos C57Bl/6 infectados pelo T.gondii e tratados com anti-CD4 a anti-CD8 (modelo imunossuprimido) apresentam um aumento da infiltração celular inflamatória na retina perivascular e neuroretina. Entretanto, não foi encontrada na literatura, descrição desse achado ocular em RN infectados e examinados mais precocemente. Embora a realização de angiografia fluoresceínica pudesse auxiliar no diagnóstico do embainhamento vascular, a observação da retina através da oftalmoscopia é considerada, por alguns autores, como suficiente para o seu diagnóstico (Huge & Dickie, 2003; Wallace et al., 2003)

Outras alterações oculares podem ocorrer em associação com a retinocoroidite tais como o estrabismo, nistagmo, atrofia óptica, microftalmia, catarata, descolamento de retina, hemorragia retiniana e glaucoma. Neste trabalho, o estrabismo foi a principal alteração ocular associada à retinocoroidite e ocorreu em 18,9% dos RN infectados. Em 75% dos casos, ele estava associado à retinocoroidite macular bilateral e essa associação foi estatisticamente significativa (p=0, 005).

Outros trabalhos, também relatam ser o estrabismo a principal alteração ocular associada à lesão de retinocoroidite na toxoplasmose congênita (Bahia, 1991; Meenken et al., 1995; Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Villena et al.,

1998b; Vutova et al., 2002; Safadi et al., 2003; Kodjikian et al., 2006). Para esses autores, as alterações oculares associadas ocorrem mais frequentemente em olhos com envolvimento macular e servem como um indicador indireto da gravidade da doença. Entretanto, essas alterações podem aparecer ao longo do tempo. Assim, o acompanhamento das crianças será fundamental para se estabelecer o verdadeiro impacto ocular da toxoplasmose congênita, particularmente naquelas crianças com envolvimento macular. Como os RN deste trabalho serão acompanhados ao longo de no mínimo todo o primeiro ano de vida e a prevalência de lesão macular foi elevada já no primeiro exame, o número de crianças com estrabismo no final do estudo deverá ser ainda maior.

Com relação aos achados neurológicos, 23,3% dos RN confirmados apresentaram alterações quando submetidos aos exames de neuroimagem (176/183 RN confirmados foram submetidos a esses exames). O exame mais realizado foi o ultra-som transfontanela. Apesar de o exame de tomografia computadorizada ser considerado o de maior sensibilidade para detectar as alterações neurológicas na toxoplasmose congênita (McAuley et al., 1994; Safadi

et al., 2003), um estudo recente sugere que a ultrasonografia poderia apresentar

sensibilidade comparável à tomografia na detecção de calcificações cerebrais, especialmente pela crescente melhora na resolução dos aparelhos de ultra-som (Lago et al., 2007).

Outros trabalhos mostram a seguinte prevalência de achados neurológicos: 29% por Guerina et al (1994); 6,4% por Neto et al (2000) 11% por Wallon et al (2004); 10,8% por Neto et al (2004); 21,2% logo após o nascimento por Schmidt et

As calcificações intracranianas foram o principal achado neurológico o que está de acordo com a literatura (Oréfice et al., 1989; Patel et al., 1996; Melamed et

al., 2001). Considerando os RN com alteração neurológica, 90,2% (37/41)

apresentavam calcificações ao nascimento. Associação estatisticamente significativa entre calcificações intracranianas, retinocoroidite e estrabismo foi observada no presente trabalho. Esse achado foi similar ao de outros estudos realizados previamente (Diebler et al., 1985; Melamed et al. 2001).

Dos 41 RN com alterações neurológicas detectadas através dos exames de imagem, 92,7% (38/41) apresentaram lesão de retinocoroidite e essa associação foi estatisticamente significativa (p= 0, 009). A literatura confirma que na doença com predomínio de manifestações neurológicas, a freqüência de retinocoroidite é de 94,4%, e quando as lesões neurológicas são discretas ou ausentes, a incidência de retinocoroidite cai para 65,9% (Remington et al., 2005). Dos 40 RN com alteração neurológica e exame de fundo de olho viável, 82,5% (33/40) apresentavam retinocoroidite com envolvimento macular (p= 0, 002) demonstrando que existe uma associação entre a presença de achados neurológicos e retinocoroidite macular nos RN infectados (doença ocular de maior gravidade se achado neurológico).

A clássica tríade descrita por Sabin (hidrocefalia, calcificações intracranianas e retinocoroidite) ocorreu em apenas 1,6% dos casos (3/183). Na literatura ela é descrita em 10-15% dos RN com toxoplasmose congênita (Remington et al., 2005; Rorman et al., 2006). Essa disparidade pode ser explicada em parte por viés de seleção.

Embora este estudo tenha sido transversal, com descrição apenas dos resultados do primeiro exame dos RN, sua cobertura foi alta abrangendo 98% dos

nascidos vivos no Estado de Minas Gerais, apresentou amostra homogênia composta por mais de 140.000 RN triados em apenas sete meses e sua complexa execução envolveu a participação da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, NUPAD e de uma equipe multidisciplinar de profissionais. Apesar de o exame oftalmológico ter sido realizado sem sedação, a oftalmoscopia binocular indireta foi utilizada em todos os RN e todos os exames foram registrados através

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